Crônica de um eu despedaçado
Cheguei em casa, desliguei todos os aparelhos que pudessem me conectar a uma outra realidade que não a minha própria presença. Fui fazer as coisas que costumo: cozinhar, ver o que está sujo, o que falta na geladeira, se há roupas limpas para vestir no dia seguinte. A pia estava cheia de pratos, e precisava lavá-los; alguns livros estavam lá na escrivaninha, lidos pela metade, as roupas estavam lá, prontas para serem vestidas. Decidi ler.
Entre uma frase e outra senti um certo prazer em poder estar ali, compartilhando comigo mesmo algumas ideias. Algumas absurdas, outras agradáveis, umas cômicas e outras trágicas — ideias que habitaram minha leitura e me tirou daquele livro para um lugar só meu, mais meu que a sala onde estava, mais meu que aquele livro, mais meu que o meu próprio lugar, mais eu que tudo, um eu sem a exaltação do ego.
Me assustei comigo mesmo. E eu estava curtindo compartilhar aquilo, eu de frente para mim, eu me lendo, eu comentando as ideias que eu tinha, criticando o que havia pensando comigo mesmo sobre algumas coisas, eu contra eu, eu fora eu, eu anti eu, ante eu, eu pró-eu.
Foi aí que pensei que muitas vezes esquecemos do eu porque estamos ocupados falando de si.