Do pior de si mesma

Bia Madruga
a terceira margem
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1 min readFeb 11, 2017

Me dediquei diariamente para que ele me odiasse. Não lavei não engomei não aprendi a cozinhar não vesti lingerie nenhuma vez não deixei que ele colocasse como quisesse e só como eu quisesse. Desaprendi a dar bom dia e a dar opinião. Aprendi a reclamar mais alto, aprendi a ser outra, a ser puta na rua e chata na cama, aprendi a ver televisão o dia inteiro, tanto que eu e ele detestávamos. Eu fingia adorar. Eu me esforçava para ser odiada em excesso, rejeitada, alguém que merecesse apanhar mas que nunca chegasse a esse ponto porque seria abandonada antes. Eu só pensava e desejava ser abandonada. E depois ameaçar, chantagear, esnobar, fingir que amava e que seria mulher melhor, alguém melhor, eu planejava tudo isso e ele até sabia e ele já aceitava de antemão a chantagem e o comportamento borderline e se deixava ficar me amando mais, me querendo inteira, respeitando o que ele chamava de peculiaridade mas era um egoísmo escroto e perverso. Me deixou ser perversa. Me amou sendo perversa. Nunca bateu nunca gritou nunca fechou a porta com força nunca fez barulho enquanto eu dormia, também não roncava nem fumava cigarros nenhuns. Eu me esforçando em ser ruim.

Me acostumei a ser amada enquanto me fazia pior a cada dia, e isso durou nossas décadas. Desisti de ser ruim escrota e tão puta nas horas erradas, deixei que me fosse mais normal e mais branda e como ele merecia. Em uma semana ele partiu.

Bateu a porta com força enquanto eu dormia.

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