em frente ao fundo

Bia Madruga
a terceira margem
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2 min readApr 13, 2017

desci a escadaria já sem chinelos já sem calçados com roupa inapropriada também, short muito curto e blusa muito justa, duas roupas muito velhas que não lembro de que horas havia vestido, não lembro a que horas havia acordado e decidido ir, não fazia também tanta ideia de que horas seria aquele estar ali,

desci as escadarias com os pés descalços mal encostando no chão e eu ia com certa pressa, ia daquele jeito do adjetivo lépido, um apressado meio leve, que quase corre que vai bem solto,

quase não havia areia seca pois era maré cheia,

fui corpo adentro com os shorts e a camiseta a roupa inapropriada que encharcava e devia pesar mas eu não sentia, e fui sempre em frente ladeando aquela corda com boias que separa os praticantes do estandape dos não praticantes do estandape,

os que mergulham nadam se banham,

com ou sem roupas adequadas,

entrei já nadando já ia agora com a água no peito quase no pescoço, entrei mais, nadei minutos, mas olha que agora me dou conta agora me lembro agora anuncio nem nadar eu sei, assim, consigo não me afogar e tudo mais, não sei mesmo é nadar do jeito certo, sabe o jeito certo, o nado que tem até nome, esse eu não sei, mas nesse meu agora não existe mais jeito certo não existe jeito algum,

fui em frente sem parar de nadar do jeito errado certo torto que eu tinha, mergulhava e emergia mergulhava e emergia, subia com os cabelos mais curtos colados na frente do rosto, mergulhava e eles iam pra trás,

nadei mais e fui mais em frente e lembrando e dizendo e anunciando que eu não sabia nadar, talvez até então achasse que soubesse que não me afogaria, mas ali, agora sem sentir pés tocarem no chão, agora avançando em direção a balsa ao barco aos infinitos, agora eu já não tinha tanta certeza assim,

e isso só me dava mais vontade de continuar em frente, cada vez mais em frente cada vez mais fundo, eu repetia sem dizer, repetia pensando, mas pensando de um jeito meio sem fôrma de pensamento, cada vez mais em frente cada vez mais fundo, eu não sei nadar, cada vez mais em frente e mais fundo,

já não havia mais quase ninguém ao meu redor e eu seguia mergulhando e emergindo, mergulhando e emergindo, deveria estar cansando mas não sentia se a respiração apertava,

repetia mais em frente e mais fundo,

eu não sabia se sabia de fato nadar, eu não sabia se conseguiria voltar mesmo se soubesse, eu não sabia se aguentaria fazer todo o caminho de volta quando quisesse,

e apesar e por isso continuei cada vez mais em frente (e ao fundo).

eu não sabia nadar, não conseguiria voltar, e a essa altura (tão funda) não sei mesmo se gostaria de ser capaz de uma das duas coisas.

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