Em socorros

Bia Madruga
a terceira margem
Published in
2 min readAug 19, 2016

Eu havia parado de sentir sono.

Eu parei de sentir sono, parei de querer dormir, parei de querer ficar tanto tempo assim, fora do mundo. Dormir é estar fora do mundo. Você dorme e tudo acontece, segue acontecendo, você desacontece e só.

Parei de sentir sono. A noite avançava até haver o silêncio completo, o silêncio com roncos e uma freada de carro a cada duas horas. Não sinto vontade de dormir e tenho o desejo absurdo de que o dia amanheça logo e haja luz barulho e trabalho. Luz barulho e trabalho.

Os dias têm passado desesperadamente rápidos e talvez seja isso que me faça que me peça para não dormir tanto mais.

Passei os últimos dias lavando louça suja e engomando roupa limpa, lavando banheiro e aspirando a casa incessantemente. Estudava nos intervalos do trabalho e trabalhava nos intervalos do estudo. Também fui ao supermercado, comi carambolas numa primeira vez e escovei meu cabelo todos os dias. Repeti, acelerei. Não fiz mais planos de viajar nem procurei hotéis baratos pra ficar na serra, no feriado, na serra no feriado. Não vi filmes com finais felizes e li o máximo de livros que consegui. Foram cinco em sete dias. Lia ao invés de dormir, lia para não dormir. Fiz café manhã e tarde e comi pouco, também não sentia fome — nem desejo nenhum.

Segui, acelerei, corri mais. Os ponteiros do relógio iam mais rápidos que eu. Então corri de verdade: nas ruas no parque na avenida que fecha aos domingos, corria, acelerava.

E sigo assim ainda, assim, alerta, acesa, meio enlouquecida e desesperada em busca de nada. Quando agora já sei: não é sobre não dormir, é sobre não sonhar, não lembrar, não repetir. Não deixar que a mente saia, folgue e me escape das mãos: o pensamento sai de mim, vai até aí, mais, de novo, de novo, e eu deixo de ser eu outra vez, e fico sendo nós, também de novo, mas agora um nós de uma pessoa sozinha.

Acelero.

Corro mais.

Source: unsplash.com

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