Encontro sem plano

Bia Madruga
a terceira margem
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2 min readDec 27, 2016

Eu estacionei o carro dentro do terreno de pequenas casas e logo a vi. Na frente de um dos seis chalés do lugar, a única hóspede e a única habitante naquele terreno aberto, escuro e frio, no meio de uma semana de abril. Não tinha quase ninguém na serra, na cidade, por perto. Não sei se ela me esperava ou se simplesmente tinha se deixado estar por ali. Cibele parecia sempre ter se deixado estar em algum lugar, parecia nunca estar, onde quer que fosse, por real vontade ou propósito.

Três degraus de pedra levavam à varanda do chalé. Cibele estava no mais alto deles, segurando uma caneca com as duas mãos, perto do rosto, e olhando em frente, para lugar nenhum, com olhos que também se deixavam passar e ficar, aleatoriamente, na paisagem.

Usava um short jeans muito claro e muito curto, uma camisa vermelha de manga comprida, larga, que caía pelo ombro esquerdo nessa hora. Os ossos do pescoço e as saboneteiras ao lado dos ombros eram excessivamente magros, a carne faltava. Tinha os pés descalços sobre o chão. Fazia menos de quinze graus, pude apostar, mas Cibele nem se movia.

Os olhos muito redondos e castanho-claros olhavam para alguma das montanhas à frente, ao longe. Olhos castanhos bem vivos, por trás de um óculos redondo, aro prateado, óculos grandes demais para um rosto tão pequeno. O cabelo castanho com pontas loiras estava por cima das orelhas e caía sobre os ombros, sem corte, sem pente, se deixando jogar e estar por ali. O nariz e a boca pequena estavam ainda perto da caneca, que ela segurava nas mãos sem esmalte nem anéis.

Ela me viu chegar. Mas não olhou.

  • O que você tá fazendo aí além de morrer de frio aos poucos?
  • Tomando chá de hortelã — ela respondeu.
  • E se matando de frio aos poucos.
  • Exato.

Entrei pelo chalé sorrindo pela resposta. Cibele deu o último gole na caneca e se levantou, vindo logo atrás de mim. Sorrindo também.

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