Maiô mergulho mar

Bia Madruga
a terceira margem
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2 min readFeb 15, 2017

Eu vejo você daqui, eu vejo você aí, indo e vindo a caminho de nós e do mar, como quem não se decide apesar de saber bem o que quer; vejo bem seu maiô cor coral, cor laranja, as costas quase todas à mostra, e o cabelo castanho que lhe cai pelo rosto e que te esconde.

Você anda à esmo daqui até as ondas quebrando, passando pelas conchas, voltando quase nunca a olhar pra mim, que estou atrás, que estou bem aqui. É preciso que se vire mais o pescoço e olhe menos para as conchas e os sargaços e não ande tanto para que você me veja. É preciso que você não ande demais nem mergulhe muito fundo para que não vá pra longe de mim.

Mas é exatamente e somente isso que você quer, ir mar adentro, mergulho profundo, com conchas e sargaços e espumas, com cabeça emergindo lá à frente, muito à frente.

Você quer a vida para além de nós dois, de mim, de nossa música de acordes difíceis que se combinam pouco, acordes de mãos muito abertas quase frouxas que fazem o som se perder. Foi exatamente nisso que nos tornamos. Nossa música antes difícil e bonita, sonora e estranha mas tão nossa, mais minha que sua; e agora sei que você se afasta e de costas para mim e de frente para o mar quer outro mergulho, sozinha, emergindo ao longe, vivendo nova música de acordes fáceis e mais harmonia. Mais leveza.

Vejo você entrar no mar e parece até que você despe o maiô e vai sem nada. Vai com a coragem de chegar ao outro lado, que nem se vê, vai com a disposição de não voltar nunca mais, vai com a certeza de que pode dar tudo tão errado que você pode se afogar e morrer aí mesmo, antes que eu te salve, antes que alguém te salve, antes que um acorde possa ser formado e você sentir novamente uma música melhor sendo sua. Você não olha pra trás, larga as conchas maiô cabelos mergulha e vai.

Tenho certeza que não te verei nunca mais, e mais certeza ainda de que você não volta desse mar. Hoje nem amanhã nem nunca mais.

Mas eu me mantenho aqui esperando, e toco nossa música difícil, só os solos, sem ter uma base para acompanhar. A base da nossa música toca o tempo inteiro na minha cabeça, e assim o solo segue comigo o dia inteiro.

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