Alice Carvalho, 23
a terceira margem
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2 min readDec 2, 2016

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eu-te-amo-tecido-de-lycra mas ultimamente não tem cabido

porque é desse jeito que eu lhe gritei e é assim que vai ser.

tá, eu sei que de fato, realmente, não lhe disse nada, foi um diálogo telepático, incompleto e entrecortado por ruído de carros, mas foi um diálogo, se você entendeu é diálogo, minha professora Kalline — eu lembro muito bem — falou que se o comunicante comunicou o comunicado e o recebedor recebeu o que era pra ser recebido, teve conversa aí.

a conversa é que eu não quero mais conversa.

sempre que a tinta tá quase seca você passa e esbarra levando toda demão. sempre que a casquinha da ferida tá fechando. sempre que eu tô quase esquecendo seu rosto até lembrar que eu te amo.

eu te amo por telepatia e sei que você sentiu. você senta do meu lado e sente antes de mim, antes que eu me desse conta, antes que eu desça do degrau que me faz enxergar a vida lá na frente, consciente, tudo sob controle. eu te amo e não vi mais nada além de você desaparecendo no meio da multidão. tá corrindo pra trás.

eu te amo por osmose e odeio eus te amos porque sempre é sobre isso que escrevem os escritores todos e eu sempre odiei a irremediável sina de ser mais uma. eu-te-amo-urgente, mas espero. eu-te-amo-pra-sempre-sem-data só que agora azedou. eu-te-amo-fio-desencapado-enlinhado que se emaranha mas as pontas não deixam de vibrar, de tremular, teimar em dizer que ainda há algo lá. eu-te-amo-tecido-de-lycra mas ultimamente não tem cabido.

o não-papo era sobre o fim de papo. o que a gente ainda protela tentando achar significados em gestos desajeitados por aqui?

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