Silêncio

Guilherme Henrique Cavalcante
a terceira margem
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2 min readDec 16, 2015
Foto: Pedro Andrade

Era uma vez ontem. E ontem ouviram-se tiros — as crianças, no escuro das cobertas, apertaram os olhos; as velhas, no escuro do medo, apertaram uma prece; os dedos, no escuro do ódio, apertaram os gatilhos. Tiros. — A bala não consegue ser mais rápida do que o pensamento: a gente sabe que vai morrer. E morre!

Era uma vez hoje. E hoje dispararam-se tiros — dentro do carro houve alvoroço e toda a raiva do dia explodiu; dentro de outro carro há sangue e pavor e cinco números que virarão estatística; há cento e onze tiros violando a paz, violando cinco corpos que apodrecerão sob uma lama que será terra e choro. Cento e onze tiros. Cinco corpos. Estampidos. — O barulho seco dos disparos só faz sentido quando o projétil encontra a carne do outro e nela se aloja entre fibras e nervos. Cheiro de pólvora.

Era uma vez amanhã. E amanhã vão se sentir tiros. E cinco corpos virarão peneira. E depois adubo. E depois estatística. E um primeiro salário não terá mais sentido. E da lama que é a pele, eles passarão à lama que é a pele em decomposição. Pois da lama veiemos e para a lama voltaremos. Mas todos comungarão da palavra que mais fere: a não-palavra. Amanhã vai ter dor. Contudo, a dor do que cala é maior do que a dor da bala. Você pensa na dor. E morre!

Era uma vez uma noite. E numa noite ouviram-se tiros?, fogos?, não sei… E todos, em silêncio, foram felizes para sempre!

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Guilherme Henrique Cavalcante
a terceira margem

Guilherme Henrique Cavalcante, 25, matutropical: meio sertão, meio litoral - Natal / RN