Terreno íngreme

Vanessa Augusta
a terceira margem
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1 min readNov 9, 2016

Demorei a entender o que quis me dizer.

Meus dias eram tão corridos, eu tava sempre tão apressada, tão crescida, como você dizia.

Não tinha mais tempo de sentar na poltrona ao seu lado, cheirando seu cabelo cinza. Nem brincar com sua pele de vida, enrugada, enegrecida de sinais.

Você me dava umas lições silenciosas, uma proteção gratuita; te dei tão pouco em troca, eu sinto. Saudade de me esconder embaixo da sua saia quando o mundo chamava.

Minha filha, você dizia. E quando vacilo, bambeio, sinto que me desfacelo, te materializo no quarto ao lado me dizendo: — Se estivesse cruzando uma planície com a firme intenção de ir em frente, mas andasse para trás, isso então seria desesperador; mas, uma vez escalando uma encosta íngrime, tão íngrime quanto você próprio visto de baixo, os passos para trás podem ser causados apenas pela condição do terreno e você não precisa se desesperar.

Então colo os pedaços, junto os restos de força e tento mais uma vez.

Trecho em itálico retirado de Aforismos reunidos de Franz Kafka.

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