Vivendo
O ruim é que as vezes me canso da lida
E me pego num mundo imaginário
Estou presa num conto do vigário
Que todos os outros chamam de vida
—
E não falo das injúrias
Das quais meu corpo é depósito
O que me falta na vida é propósito
E o que me sobra nela é lamúria
—
Luto uma guerra de amargura
Na qual minha arma é a caneta
Me sinto de outro planeta
Ou como um doente sem cura
—
Sobre mim paira nuvem pesada
Destas prestes a chover
As vezes penso que a saída é morrer
Mas as vezes acho que há outra estrada
—
Vivo um vazio superlotado
E um silêncio ensurdecedor
Ando flutuando em torpor
Com o meu coração derrotado
—
Os remédios na hora marcada
Pouco diminuem o meu anseio
Me pego sempre com o mesmo receio
De que a vida não seja nada
—
Nesse fogo infernal que ardo
Peço a Deus alguma misericórdia
Em outra vida devo ter semeado discórdia
Para merecer tão triste fardo
—
Depois de ver o corpo exaurido
Nem adianta falar da luta
Pois a vida vem, tal qual puta
Cobrar aquilo que lhe é devido
—
Reclamo!
Tenho o direito de assim fazer
E penso que vou enlouquecer
Por não saber ser aquilo que amo
—
Mas nem tudo vai tão mal!
À noite eu ainda me calo
Só estou cansada do imenso trabalho
Que é parecer normal.