Apenas fantasias

Tiago Cortês
A Vida Secreta das Plantas
2 min readJan 25, 2016

Tinha que haver mais do que aquilo. Mais um dia, e T. arrastara a sua existência mais um passo em direcção à porta de saída. Era um tipo normal, produtivo, com um desvio à média parecido com a linha luminosa que se vê no aparelho do hospital dos filmes quando alguém vai desta para melhor. Ele sabia o que aquela linha plana e estável, com um assobio monótono e constante «tuuuuuuuu» significava: o paciente está morto. Curiosamente via algumas similitudes com o seu caso, mas sentia um ligeiro alívio porque ele ao menos poderia acordar um dia. Podia-se considerar apenas comatoso, pronto, não é um estado famoso, mas está em termos de irreversibilidade a uma dimensão inteira de distância da morte.

T. tinha acordado com uma fé incontrolável em si mesmo, um sentimento daqueles que surge na cauda de um cometa qualquer e só volta em setenta anos.

Havia algo de decisivo para fazer. Hoje ele faria as mesmas acções, iria aos mesmos lugares, repetiria as mesmas respostas gastas e gravitaria ao redor das mesmas pessoas, cumprindo os mesmos rituais, mas o resultado seria diferente. Estava convencido disso.

Assim fez, levantou-se resolutamente, e logo à saída encontrou L., a sua vizinha de há anos, aquela por quem tinha um fraquinho.

— L.?, tu sabes que a vida pode ser pequena, do tamanho de um berlinde, mas que o Universo também começou assim? — L. sorriu, não sabia T. capaz de tais filosofias.

— A sério, a tua vida pode expandir infinitamente, e podes, se te deixares levar, ir a lugares a que nunca pensaste ir, a novas galáxias.

L. sentia como T. o peso dos dias iguais, e vivia cada um deles esperando o impulso para quebrar esse ciclo maldito: «tuuuuuuuuu», ecoava no fundo da sua mente.

— Tens razão T., vejo o que queres dizer. Vamos juntar os nossos universos, e criar uma Supernova. Não vamos desperdiçar nem mais um dia das nossas vidas!

Aquela parte, umas linhas acima, em que T. se levanta resolutamente, era T. a pensar — o que ele tratou de evitar logo que conseguiu, porque parte da magia daquele dia estava mesmo em não interferir no destino. Não se podia desviar do objectivo. Na verdade quando saiu de casa cruzou-se com L., e deu-lhe um bom dia rápido, fixando de seguida os olhos na caixa de correio. Não iria estragar o dia com fantasias.

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