Desmistificando o Teste de Usabilidade

Mariana Caldeira da Costa
A VINDIMA
Published in
8 min readJul 27, 2015

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"A usabilidade é invisível. Se algo está indo bem, você não nota", já diziam Rubin e Chisnell. Infelizmente, poucas empresas investem em estudos de usabilidade e seus produtos são lançados com falhas que já poderiam ser identificadas. Muitos pensam que o teste de usabilidade é custoso e demorado, mas existem alternativas para utilizar este método em qualquer projeto. Neste artigo explicarei o que é o teste formal de usabilidade e como podemos adaptá-lo para termos o que realmente importa: a opinião do usuário.

Definição

O teste de usabilidade é uma ótima técnica com foco nos usuários, os quais executam tarefas específicas e são observados pelo pesquisador que analisará cada sessão de forma quantitativa e qualitativa.

Dados qualitativos se referem a observações dos usuários pelo analista, assim como a opinião no debriefing. Dados quantitativos se referem a cliques, tempo, quantidade de páginas visitadas e respostas do questionário pré e pós-teste.

Vale ressaltar que o teste de usabilidade pode se fazer presente desde o início do projeto. Segundo Moraes e Santa Rosa, “à medida que o sistema é desenvolvido, o número de alternativas de design diminui e seus custos se tornam mais elevados”.

Podemos considerar os seguintes passos para começar um teste de usabilidade:

  1. Propósito, metas e objetivo do teste;
  2. Perguntas da pesquisa;
  3. Perfil do usuário;
  4. Tipo de teste;
  5. Cenários e tarefas;
  6. Ambiente e equipamentos;
  7. Relatório de dados qualitativos e quantitativos.

1. Propósito, metas e objetivo do teste

Antes de realizar qualquer técnica, é importante definir o porquê. Existem outras técnicas com foco no usuário, entre as quais, Card sorting, Pesquisas qualitativas, Grupo de foco, Avaliação Cooperativa etc. É preciso analisar o projeto e ver qual método dará respostas para seus questionamentos.

2. Perguntas da pesquisa

São questões que precisam ser observadas com atenção. Segundo Rubin e Chisnell, “é essencial que as perguntas de pesquisa sejam tão precisas, simples e mensuráveis quanto possível”. Exemplo:

  • Qual a média de tempo que os usuários levam para concluir cada tarefa?
  • Qual a frequência em que os usuários buscam ajuda no site?
  • Ao navegar no site os participantes do teste preferem utilizar o menu esquerdo ou a área central com abas?
  • A tipografia do Portal é legível ou prejudica o usuário na realização da tarefa?
  • Qual é a percepção dos usuários sobre o Portal no final do teste?

3. Perfil do usuário

Para qualquer técnica que você ponha em prática, é importante saber qual o perfil do seu usuário, ou seja, quem vai usar o produto. Isso ajuda a definir as limitações do seu produto e deixá-lo mais focado.

Pode-se especificar com faixa etária, comportamento, profissão etc. Segue um exemplo de usuário:

Jornalista entre 25 a 50 anos, que trabalha ativamente na redação de jornais há 5 anos. Possui curso superior e diariamente lê o jornal no trabalho. Usa a internet para buscar dados para suas matérias, mandar e-mails, interagir em redes sociais e realizar compras.

4. Tipo de teste

Existem quatro tipos de teste de usabilidade: teste de exploração, comparação, avaliação e validação. O teste de exploração é indicado para o início do projeto, para levantar as possíveis funcionalidades ou ter a opinião do usuário sobre um primeiro esboço da interface. O de comparação serve para extrair o melhor de vários produtos semelhantes ao pedir ao usuário para realizar a mesma tarefa nas diferentes soluções encontradas. O mais popular é o teste de avaliação, que tem um protótipo navegável para o usuário explorar conforme o cenário e a tarefa. O teste de validação acontece no final do projeto para medir o desempenho do produto com tarefas de tempo determinado.

5. Cenários e tarefas

Os cenários e tarefas servem para ambientar o usuário durante o teste. Os cenários contextualizam as tarefas, deixando a compreensão dessas mais fluidas. Já as tarefas são os objetivos do avaliador ao se fazer o teste. São formuladas tarefas para fazer o usuário percorrer as áreas críticas do site ou as que foram designadas para o teste.

De acordo com Moraes e Santa Rosa, as tarefas devem ser:

  • Comuns;
  • Descritas em termos de objetivos terminais;
  • Específicas;
  • Factíveis;
  • De domínio neutro;
  • Tamanho razoável

Segue o exemplo de um cenário e uma tarefa que fiz na pós em Ergodesign, para o Portal da Transparência:

No início de 2014 o Ministério da Fazenda modificou a tabela de tributação das bebidas frias, elevando o preço final dessas. Em comunicado, a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil) se mostrou preocupada com o aumento do preço da cerveja e disse que o setor é um dos que mais contribuem para o desenvolvimento do país. Você decide fazer uma pesquisa sobre o valor dos impostos gerados em 2013 com bebidas alcoólicas.

Encontre o valor que o governo recebeu de receita pelo imposto cobrado em bebidas alcoólicas.

6. Ambiente e equipamentos

No começo dos testes de usabilidade na área de Interação Humano-Computador, era necessário ter um laboratório bastante equipado: duas salas separadas por um espelho falso, uma com o avaliador + usuário e outra com os stackholders. As salas tinham que ser equipadas com câmeras para gravar as reações do usuário e o computador precisava do eye-tracking para mapear as áreas mais percebidas pelo participante.

Modelo de sala para teste formal de usabilidade

Criar e manter um laboratório formal de usabilidade é custoso e, por isso, foram criadas alternativas para este tipo de técnica. Uma delas é o laboratório portátil de usabilidade. Consiste em um notebook equipado com uma câmera, microfone e um programa para capturar a tela e o usuário ao realizar as tarefas.

Também é necessário ter o bom e velho papel e caneta/lápis para anotar as observações.

7. Relatório de dados qualitativos e quantitativos

Antes e depois do teste você pode aplicar questionários que são chamados de questionário pré e pós-teste.

Exemplo de um questionário pós-teste

Existem vários exemplos de questionários para utilizar. Um famoso é o QUIS, Questionnaire for User Interaction Satisfaction, uma ferramenta projetada para medir a satisfação dos usuários de sistemas. Existe a versão em português traduzida pela equipe do Laboratório de Ergonomia e Usabilidade de Interfaces em Sistemas Humano-Tecnologia (LEUI). Ele é organizado por seções com perguntas que detalham cada aspecto da interação do usuário com o sistema. As respostas são feitas por meio de uma escala de 1 a 9 que vai da menor para a maior escala.

Ao final do teste, também se pode fazer o debriefing, que são perguntas direcionadas ao usuário sobre o uso que ele fez do produto durante o teste.

A duração dos questionários + debriefing pode variar, mas não é aconselhável demorar muito tempo porque o participante já estará cansado com o teste em si.

E agora? Como posso aplicar o teste no meu trabalho?

Dá para unir teoria e prática sim! Depois de ter definido o propósito, metas e objetivos do teste (1º procedimento), as perguntas da sua pesquisa (2º procedimento), identificado seus usuários (3º procedimento), escolhido o tipo de teste (4º procedimento) e feito seus cenários e tarefas (5º procedimento), você pode se preocupar com os equipamentos! As etapas anteriores podem parecer longas, mas para toda técnica é preciso definir bem o motivo da pesquisa.

Equipamentos

Eu sou adepta ao laboratório portátil de usabilidade. Uso muito o Silverback para Mac e já usei o Camtasia (para Windows). Em momentos difíceis (no caso, para estudos da pós-graduação) utilizei o Quicktime para gravar a tela e o usuário (gravação de filme e tela).

Usuários

De acordo com Nielsen, 85% dos problemas são detectados por 5 participantes. A partir desta análise, o número de usuários quase dobra para obter 90% dos problemas.

Porém, é preciso fazer o teste piloto antes de validar o seu produto com 5 usuários. Nele, o teste de usabilidade é feito normalmente para definir a média de tempo que cada sessão levará e para que os testes feitos não tenham problema por falta de planejamento. Como é um teste piloto, os dados não podem ser colhidos e utilizados para a validação do produto.

Se você não tiver recursos para recrutamento, identifique no seu trabalho perfis que se assemelham ao usuário desenhado. Lembre-se: é melhor testar com um usuário do que nenhum!

Procedimentos durante o teste

Antes de começar o teste você precisa contextualizar o participante. Fale sobre sua pesquisa, o que ele irá ver e, principalmente, que ele será filmado. Por isso, é necessário que você faça um termo de autorização para uso de imagem. Neste termo, você pode escrever exatamente o que pretende falar ao usuário e adicionar um campo para que o participante assine e permita o uso de sua imagem para a pesquisa.

Também é importante que você peça ao usuário para exteriorizar seus pensamentos durante o teste, pensando alto. Fale para o participante comentar sobre todas as suas ações, dúvidas, etc., para que você saiba o que está se passando.

Reserve de 2 a 5 minutos para que o participante use seu produto livremente, para se ambientar. Depois disso você pode entregar os cenários e tarefas.

Recompensas

Em testes formais é comum recompensar o usuário com dinheiro. Se você não tem um orçamento planejado para isso, seja criativo e recompense de outras formas. Pode ser com o seu próprio produto (ex.: vinho), chocolate (precisa perguntar na marcação do teste se a pessoa é diabética)…

Análise dos resultados

Para um relatório simples, você pode colocar os resultados do pré-teste em gráficos e analisar brevemente.

P1, P2, P3, P4 e P5 se referem aos participantes, que não podem ser identificados.

Crie uma tabela listando as tarefas, a conclusão e o tempo gasto. Além de ter a média de quantas tarefas foram concluídas e o tempo médio para cada uma, você conseguirá verificar de forma fácil os pontos críticos.

Ao ver o vídeo do teste, você pode anotar as frases icônicas dos participantes, chamadas de highlights. São frases que demonstram o que o usuário acha do seu produto, do teste de usabilidade…

Caso você faça um questionário pós-teste, também coloque os resultados no formato de gráficos e analise. É sempre importante concluir o que foi estudado. Se você tiver feito só o debriefing, coloque as perguntas (que podem variar para cada usuário) e respostas.

A conclusão pode mostrar que o produto é fácil de usar, mas que existem pontos a serem melhorados. Reforce esses pontos e sugira melhorias.

Algumas dicas

Foto via @Roebot -Flickr

O local do teste é muito importante para que o andamento do mesmo não seja prejudicado. Interrupções, iluminação e barulho podem interferir não só na qualidade da gravação como na atenção do participante (e sua também). Reserve uma sala e deixe um recado na porta, como na foto ao lado.

É importante ter jogo de cintura com o participante. As perguntas mais escutadas são: “Posso pedir ajuda a você?” ou “Isso é o quê?”. É preciso ter disciplina e paciência para responder dúvidas somente sobre a metodologia do teste.

Sempre coloque como pré-requisito validar o produto com alguma técnica com foco no usuário. Mostre a diferença para seus colegas de trabalho entre lançar um produto sem de ter a opinião do usuário e lançar com. Use a teoria a seu favor e adapte a metodologia!

Agora é só colocar em prática o que foi aprendido ;)

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Mariana Caldeira da Costa
A VINDIMA

Designer, cantora no chuveiro e dançarina contemporânea freestyle. Compra livros pelo projeto gráfico e é fissurada em entender porque fazemos o que fazemos.