Desmistificando o Teste de Usabilidade
"A usabilidade é invisível. Se algo está indo bem, você não nota", já diziam Rubin e Chisnell. Infelizmente, poucas empresas investem em estudos de usabilidade e seus produtos são lançados com falhas que já poderiam ser identificadas. Muitos pensam que o teste de usabilidade é custoso e demorado, mas existem alternativas para utilizar este método em qualquer projeto. Neste artigo explicarei o que é o teste formal de usabilidade e como podemos adaptá-lo para termos o que realmente importa: a opinião do usuário.
Definição
O teste de usabilidade é uma ótima técnica com foco nos usuários, os quais executam tarefas específicas e são observados pelo pesquisador que analisará cada sessão de forma quantitativa e qualitativa.
Dados qualitativos se referem a observações dos usuários pelo analista, assim como a opinião no debriefing. Dados quantitativos se referem a cliques, tempo, quantidade de páginas visitadas e respostas do questionário pré e pós-teste.
Vale ressaltar que o teste de usabilidade pode se fazer presente desde o início do projeto. Segundo Moraes e Santa Rosa, “à medida que o sistema é desenvolvido, o número de alternativas de design diminui e seus custos se tornam mais elevados”.
Podemos considerar os seguintes passos para começar um teste de usabilidade:
- Propósito, metas e objetivo do teste;
- Perguntas da pesquisa;
- Perfil do usuário;
- Tipo de teste;
- Cenários e tarefas;
- Ambiente e equipamentos;
- Relatório de dados qualitativos e quantitativos.
1. Propósito, metas e objetivo do teste
Antes de realizar qualquer técnica, é importante definir o porquê. Existem outras técnicas com foco no usuário, entre as quais, Card sorting, Pesquisas qualitativas, Grupo de foco, Avaliação Cooperativa etc. É preciso analisar o projeto e ver qual método dará respostas para seus questionamentos.
2. Perguntas da pesquisa
São questões que precisam ser observadas com atenção. Segundo Rubin e Chisnell, “é essencial que as perguntas de pesquisa sejam tão precisas, simples e mensuráveis quanto possível”. Exemplo:
- Qual a média de tempo que os usuários levam para concluir cada tarefa?
- Qual a frequência em que os usuários buscam ajuda no site?
- Ao navegar no site os participantes do teste preferem utilizar o menu esquerdo ou a área central com abas?
- A tipografia do Portal é legível ou prejudica o usuário na realização da tarefa?
- Qual é a percepção dos usuários sobre o Portal no final do teste?
3. Perfil do usuário
Para qualquer técnica que você ponha em prática, é importante saber qual o perfil do seu usuário, ou seja, quem vai usar o produto. Isso ajuda a definir as limitações do seu produto e deixá-lo mais focado.
Pode-se especificar com faixa etária, comportamento, profissão etc. Segue um exemplo de usuário:
Jornalista entre 25 a 50 anos, que trabalha ativamente na redação de jornais há 5 anos. Possui curso superior e diariamente lê o jornal no trabalho. Usa a internet para buscar dados para suas matérias, mandar e-mails, interagir em redes sociais e realizar compras.
4. Tipo de teste
Existem quatro tipos de teste de usabilidade: teste de exploração, comparação, avaliação e validação. O teste de exploração é indicado para o início do projeto, para levantar as possíveis funcionalidades ou ter a opinião do usuário sobre um primeiro esboço da interface. O de comparação serve para extrair o melhor de vários produtos semelhantes ao pedir ao usuário para realizar a mesma tarefa nas diferentes soluções encontradas. O mais popular é o teste de avaliação, que tem um protótipo navegável para o usuário explorar conforme o cenário e a tarefa. O teste de validação acontece no final do projeto para medir o desempenho do produto com tarefas de tempo determinado.
5. Cenários e tarefas
Os cenários e tarefas servem para ambientar o usuário durante o teste. Os cenários contextualizam as tarefas, deixando a compreensão dessas mais fluidas. Já as tarefas são os objetivos do avaliador ao se fazer o teste. São formuladas tarefas para fazer o usuário percorrer as áreas críticas do site ou as que foram designadas para o teste.
De acordo com Moraes e Santa Rosa, as tarefas devem ser:
- Comuns;
- Descritas em termos de objetivos terminais;
- Específicas;
- Factíveis;
- De domínio neutro;
- Tamanho razoável
Segue o exemplo de um cenário e uma tarefa que fiz na pós em Ergodesign, para o Portal da Transparência:
No início de 2014 o Ministério da Fazenda modificou a tabela de tributação das bebidas frias, elevando o preço final dessas. Em comunicado, a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil) se mostrou preocupada com o aumento do preço da cerveja e disse que o setor é um dos que mais contribuem para o desenvolvimento do país. Você decide fazer uma pesquisa sobre o valor dos impostos gerados em 2013 com bebidas alcoólicas.
Encontre o valor que o governo recebeu de receita pelo imposto cobrado em bebidas alcoólicas.
6. Ambiente e equipamentos
No começo dos testes de usabilidade na área de Interação Humano-Computador, era necessário ter um laboratório bastante equipado: duas salas separadas por um espelho falso, uma com o avaliador + usuário e outra com os stackholders. As salas tinham que ser equipadas com câmeras para gravar as reações do usuário e o computador precisava do eye-tracking para mapear as áreas mais percebidas pelo participante.
Criar e manter um laboratório formal de usabilidade é custoso e, por isso, foram criadas alternativas para este tipo de técnica. Uma delas é o laboratório portátil de usabilidade. Consiste em um notebook equipado com uma câmera, microfone e um programa para capturar a tela e o usuário ao realizar as tarefas.
Também é necessário ter o bom e velho papel e caneta/lápis para anotar as observações.
7. Relatório de dados qualitativos e quantitativos
Antes e depois do teste você pode aplicar questionários que são chamados de questionário pré e pós-teste.
Existem vários exemplos de questionários para utilizar. Um famoso é o QUIS, Questionnaire for User Interaction Satisfaction, uma ferramenta projetada para medir a satisfação dos usuários de sistemas. Existe a versão em português traduzida pela equipe do Laboratório de Ergonomia e Usabilidade de Interfaces em Sistemas Humano-Tecnologia (LEUI). Ele é organizado por seções com perguntas que detalham cada aspecto da interação do usuário com o sistema. As respostas são feitas por meio de uma escala de 1 a 9 que vai da menor para a maior escala.
Ao final do teste, também se pode fazer o debriefing, que são perguntas direcionadas ao usuário sobre o uso que ele fez do produto durante o teste.
A duração dos questionários + debriefing pode variar, mas não é aconselhável demorar muito tempo porque o participante já estará cansado com o teste em si.
E agora? Como posso aplicar o teste no meu trabalho?
Dá para unir teoria e prática sim! Depois de ter definido o propósito, metas e objetivos do teste (1º procedimento), as perguntas da sua pesquisa (2º procedimento), identificado seus usuários (3º procedimento), escolhido o tipo de teste (4º procedimento) e feito seus cenários e tarefas (5º procedimento), você pode se preocupar com os equipamentos! As etapas anteriores podem parecer longas, mas para toda técnica é preciso definir bem o motivo da pesquisa.
Equipamentos
Eu sou adepta ao laboratório portátil de usabilidade. Uso muito o Silverback para Mac e já usei o Camtasia (para Windows). Em momentos difíceis (no caso, para estudos da pós-graduação) utilizei o Quicktime para gravar a tela e o usuário (gravação de filme e tela).
Usuários
De acordo com Nielsen, 85% dos problemas são detectados por 5 participantes. A partir desta análise, o número de usuários quase dobra para obter 90% dos problemas.
Porém, é preciso fazer o teste piloto antes de validar o seu produto com 5 usuários. Nele, o teste de usabilidade é feito normalmente para definir a média de tempo que cada sessão levará e para que os testes feitos não tenham problema por falta de planejamento. Como é um teste piloto, os dados não podem ser colhidos e utilizados para a validação do produto.
Se você não tiver recursos para recrutamento, identifique no seu trabalho perfis que se assemelham ao usuário desenhado. Lembre-se: é melhor testar com um usuário do que nenhum!
Procedimentos durante o teste
Antes de começar o teste você precisa contextualizar o participante. Fale sobre sua pesquisa, o que ele irá ver e, principalmente, que ele será filmado. Por isso, é necessário que você faça um termo de autorização para uso de imagem. Neste termo, você pode escrever exatamente o que pretende falar ao usuário e adicionar um campo para que o participante assine e permita o uso de sua imagem para a pesquisa.
Também é importante que você peça ao usuário para exteriorizar seus pensamentos durante o teste, pensando alto. Fale para o participante comentar sobre todas as suas ações, dúvidas, etc., para que você saiba o que está se passando.
Reserve de 2 a 5 minutos para que o participante use seu produto livremente, para se ambientar. Depois disso você pode entregar os cenários e tarefas.
Recompensas
Em testes formais é comum recompensar o usuário com dinheiro. Se você não tem um orçamento planejado para isso, seja criativo e recompense de outras formas. Pode ser com o seu próprio produto (ex.: vinho), chocolate (precisa perguntar na marcação do teste se a pessoa é diabética)…
Análise dos resultados
Para um relatório simples, você pode colocar os resultados do pré-teste em gráficos e analisar brevemente.
Crie uma tabela listando as tarefas, a conclusão e o tempo gasto. Além de ter a média de quantas tarefas foram concluídas e o tempo médio para cada uma, você conseguirá verificar de forma fácil os pontos críticos.
Ao ver o vídeo do teste, você pode anotar as frases icônicas dos participantes, chamadas de highlights. São frases que demonstram o que o usuário acha do seu produto, do teste de usabilidade…
Caso você faça um questionário pós-teste, também coloque os resultados no formato de gráficos e analise. É sempre importante concluir o que foi estudado. Se você tiver feito só o debriefing, coloque as perguntas (que podem variar para cada usuário) e respostas.
A conclusão pode mostrar que o produto é fácil de usar, mas que existem pontos a serem melhorados. Reforce esses pontos e sugira melhorias.
Algumas dicas
O local do teste é muito importante para que o andamento do mesmo não seja prejudicado. Interrupções, iluminação e barulho podem interferir não só na qualidade da gravação como na atenção do participante (e sua também). Reserve uma sala e deixe um recado na porta, como na foto ao lado.
É importante ter jogo de cintura com o participante. As perguntas mais escutadas são: “Posso pedir ajuda a você?” ou “Isso é o quê?”. É preciso ter disciplina e paciência para responder dúvidas somente sobre a metodologia do teste.
Sempre coloque como pré-requisito validar o produto com alguma técnica com foco no usuário. Mostre a diferença para seus colegas de trabalho entre lançar um produto sem de ter a opinião do usuário e lançar com. Use a teoria a seu favor e adapte a metodologia!
Agora é só colocar em prática o que foi aprendido ;)