Pará — Caravana Agroecológica e Cultural: convivência nos territórios

ABA Agroecologia
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5 min readAug 24, 2017

Após o Seminário Regional Norte, realizado em agosto de 2016 no Pará, pelo projeto de Sistematização de Experiências, pensou-se na construção de uma Caravana no estado. A ideia começa a germinar a partir do curso para construção de Caravanas Agroecológicas e Culturais, oferecido pela Rede Amazônica de Núcleos de Agroecologia, em fevereiro de 2017.

Depois de alguns meses de preparo e muitas articulações, a Caravana do Pará nasce enquanto construção coletiva da Rede de Núcleos de Agroecologia da Amazônia, reunindo mais de 60 participantes em sete dias de viagem — 23 a 30 de maio de 2017 — pelo Nordeste Paraense. As duas rotas da caravana percorreram mais de 1400 km, visitando um total de 21 experiências nos municípios de Acará, Tomé-Açu, Irituia, Castanhal, Igarapé-Açu, Bragança, Santa Luzia do Pará, Capitão Poço e Garrafão do Norte.

A única maneira de se construir uma caravana é de forma coletiva, contando com o apoio de diversos parceiros. Aqui no Pará tivemos a presença de vários Núcleos de Agroecologia (NEA’s) que compõem a Rede Amazônica de Núcleos de Agroecologia como o Ajuri, Puxirum, núcleos da UFRA como o Núcleo de Agricultura Familiar e Agroecologia de Capitão Poço, parceiros e instituições como a Embrapa Amazônia Oriental, UFPA, IFPA, Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), NCADR, CNPq e Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) nesse intenso processo.

A culminância, o encontro das duas rotas, foi nos dias 29 e 30 na cidade de Castanhal, onde as experiências vivenciadas foram compartilhadas. Durante toda a caminhada nas estradas que nos levaram a casa de agricultoras e agricultores, escolas, assentamentos da reforma agrária, quilombos e outras tantas experiências riquíssimas, algumas questões permearam os debates e rodas de conversa, como qual o papel dos NEAs para o avanço da agroecologia nos territórios e como estas ações influenciam nas instituições que estão inseridos.

Muito se falou sobre a importância da Caravana Agroecológica e Cultural do Pará, enquanto processo que evidencia as lutas e práticas, que vivencia as experiências, dando outra dimensão ao que se fala. Grande acúmulo das/os agricultores. “A agroecologia quebrou o pedestal da academia”. A importância de se afirmar as questões de gênero e juventude dentro da agricultura familiar, consolidando ainda mais o papel dos NEA’s no ensino, pesquisa e extensão, que mesmo se encontrando em um momento mais frágil após a extinção do MDA, colaboram no intercâmbio pautado na diversidade, fortalecendo a construção do diálogo sobre feiras e comercialização, políticas públicas, assentamentos, empoderamento dos agricultores, etc. “Os NEAs são um refúgio dentro da universidade”. A necessidade e importância também dos mutirões que envolvem o NEA, e como contornar as dificuldades que existem, por exemplo, como o NEA pode ajudar a fazer chegar informações principalmente sobre as oportunidades para a juventude rural.

Seria impossível colocar todas as experiências compartilhadas neste texto, sabemos até que não é o objetivo. E sim trazer um pouco da abundância e riqueza de sabores, cores, cheiros, experimentações agroecológicas, conexão entre o saber popular e o acadêmico, a troca horizontal e carinhosa que acontece organicamente entre as pessoas que participam dos projetos. O foco na construção conjunta, a certeza que só caminhamos se for juntas e juntos, lutando pela terra, pela manutenção de nossas sementes crioulas, da agrobiodiversidade de plantas, animais e pessoas. Pelo fortalecimento de nossas relações.

Percebemos semelhanças nos anúncios e denúncias das duas rotas, que trazem consigo uma reflexão política dos territórios pelos quais passaram. A falta de espaços próprios para a realização de feiras, conflitos ocasionados pelas queimadas provocadas por vizinhos, terra seca e infértil devido a exploração com pasto e gado, dificuldade na comercialização e corte nas políticas públicas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), são alguns dos desafios enfrentados, as denúncias trazidas por quem vive na terra.

Mas os anúncios das conquistas nos fortalecem e aproximam, provando que a luta coletiva tem resultado. Uma enorme agrobiodiversidade de plantas nos mais diversos Sistemas Agroflorestais (SAF) com uma infinidade de frutíferas em consórcio com mandioca, pimenta, arroz, feijão, espécies adubadeiras, andiroba, madeiras de lei e outras florestais. Tudo na mais perfeita relação. Além dos sistemas de produção de alimentos, vimos a presença do trabalho em mutirão, a potência do trabalho coletivo; a força da organização popular para criação de possibilidades, construção e manutenção de viveiros coletivos de mudas e bancos de sementes, agricultura periurbana, entre outras.

Nosso Rio do Tempo foi inundado por lembranças, fortalecido pela memória afetiva coletiva e se assemelha com os rios do nosso estado: fortes, enormes e cheios de afluentes e comunidades ribeirinhas, tradicionais, originárias. Trazemos um carimbo, cultura tradicional paraense, escrito em homenagem ao povo quilombola de Quiandeua, situado às margens do Rio Capim.

O CARIMBÓ DE QUIANDEUA

A terra de Quiandeua na beira do Rio Capim tem muita gente bonita e coisas para sorrir.
O rio é sobrevivência
Da roça produz farinha
Na terra Quiandeua tem muita gente bonita
O lalala aaa o lalala, lala o
Por lá tem uns fazendeiros que insistem em perturbar,
Mas esse povo guerreiro aprendeu foi a lutar
Com garra e dedicação, por lá não tem gente boba
Na terra de Quiandeua só tem muita gente boa
Por lá tem dona Maria que conta muitas histórias de um povo que sofria e hoje conta vitória
O povo de Quiandeua tem muito o que trabalhar
Para mudar a natureza a para se alimentar
Ali tem muita alegria e coisas para aprender o povo de Quiandeua precisa aparecer
Lala e leo
Lala e lea
O povo de Quiandeua tem muito para contar
O povo de Quiandeua tem muito para contar

Compositor: Diego Urubatan, a um povo de origens pretas e fortes no trabalho.

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