Silêncio

Sinônimo de Suspiro

Ela não diz nada. Ele não diz nada. Ela não diz nada. Ele não diz nada. Ele suspira. Ela exala um curto sopro pelo nariz. Ele pergunta se os suspiros dele ainda a irritam. Ela responde que não, que acha curioso (quase engraçado) ouvir ele suspirando depois de tanto tempo. Ele quer que ela explique melhor. Ela diz esquece. Ele exala um curto sopro pelo nariz. Ela não diz nada. Ele não diz nada. Ela não diz nada. Ele não diz nada. Ela explica que acha curioso (quase engraçado) como as pequenas coisas, as coisas mais mundanas e bobas que antes a tiravam do sério, agora já não tenham esse poder, pelo contrário, como se agora tivessem se tornado pequenos lembretes de toda ternura contida nas discórdias passadas, uma lembrança que dói e ao mesmo tempo cativa. Ele diz hmm e engole o nó na garganta. Ele troca o celular de orelha. Ele sente o calor na orelha recém-liberada. Ele escuta os lábios dela se abrindo. Ele escuta a respiração dela. Ela não diz nada. Ele não diz nada. Ele pensa no que dizer. Ele não sabe o que dizer. Ele nunca soube o que dizer. Ele já nem lembra quem ligou para quem. Ele já nem sabe por que está deitado segurando o telefone grudado no rosto enquanto olha pro teto com os olhos úmidos pensando em alguma coisa que possa dizer, qualquer coisa que alivie o peso que sente sobre o peito, qualquer coisa que tire do peito o peso de todas as coisas mais mundanas e bobas que antes o irritavam e que agora o cativam, de todas as lembranças que doem e carregam ao mesmo tempo a ternura contida no ruído da respiração dela que escuta do outro lado da linha. Ele diz eu te amo. Ela não diz nada. Ela não diz nada.

António e Cleópatra (2008), espetáculo de Tiago Rodrigues

Gabriel Abreu nasceu no Rio de Janeiro, em 1993. É formado em literatura, arte e pensamento contemporâneo pela PUC-Rio e pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage. É um dos integrantes do Brecha, núcleo de criação e pesquisa interdisciplinar em artes. Publicou seu primeiro romance, “Triste não é ao certo a palavra”, pela Companhia das Letras em 2023.

Infinitos da Palavra. Uma proposição literária de livre associação em que artistas convidadas dissecam uma palavra em quatro atos:

• Uma cena/passagem literária;
• Uma playlist de músicas brasileiras;
• Um sinônimo possível;
• Uma indicação de livro, filme ou o que for.