Agenda

Ivanildo Jesus

A Beleza do Som
A Beleza do Som
3 min readOct 22, 2023

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Imagem de Estée Janssens

Amanhã tenho que estar fora de casa às 7h30, pois às 8h30 tem concerto. Lá pelas 10h, haverá reunião, daquelas urgentes de fato que não podem virar um simples e-mail. Reunião marcada na sexta anterior, pela manhã, para tentar resolver problemas do ano que vem. Saio da cidade do concerto, volto à cidade onde moro e também trabalho. Gostaria de trabalhar mais por aqui, digo, não precisar viajar tanto, toda semana são quatro cidades distintas, contando com a cidade onde durmo, tudo relativamente perto. Traslados que não ultrapassam uma hora de carro, embora, no final da semana, as horas pra lá e pra cá, amontoam e cansam.

Pela tarde tem o trabalho dois, ou três, ou um, não sei bem como deixá-los em ordem. Sei que têm os trabalhos extremamente necessários e os que faço porque preciso, no final é tudo a mesma coisa: gerir, tocar, ensinar, produzir, escrever e organizar. No trabalho dois, na segunda, vou precisar falar da apresentação do último sábado à tarde (tive apresentação com as crianças, de longe não foi a nossa melhor performance), darei algum feedback. Dir-lhes-ei que não se preocupem, os erros foram meus, depois a gente pensa junto como melhorar.

Sábado judia do músico. É em geral o dia que trabalhamos da manhã até à noite. Pela tarde, dei aula e fiz apresentação, pela noite, ensaio e outra apresentação que vamos chamar de cachê (aquelas apresentações que fazemos e recebemos um pouco antes ou um pouco depois do evento em si, por um valor mais interessante). Pela manhã, ensaio e palestra, em outra cidade, quarenta minutos para ir, quarenta minutos para voltar, quatro horas de trabalho, sem o deslocamento. No sábado à noite, depois da última apresentação, um colega, vendo o cansaço nitidamente visível no semblante dos demais, brincou soltando aquela anedota típica e maravilhosa: “mas você trabalha ou só toca?”.

Hoje eu mais toco do que trabalho, quer dizer, passo, ainda, graças aos céus, mais tempo envolto no fazer musical do que me preparando logística e organizacionalmente para ele. Há por aí, acredite se quiser, mais gente que trabalha, do que toca, mesmo trabalhando com música, uma insanidade sem fim, temo um dia chegar nesse ponto.

Continuando. No sábado foram três períodos, como não deu tempo de fazer tudo, respingou coisa para o domingo, todavia, um período só, verdadeiro luxo. Na segunda, serão os três períodos ocupados, na terça também, na quarta idem. Na quinta à noite, é descanso, cuido um tanto da casa, dou só uma aula, vou ao mercado. Enfim, respiro. Na sexta, estou tentando sem muito êxito sextar lá pelas 18h, depois de dois períodos de trabalho, porque pode calhar de no sábado precisar trabalhar os três, então me preservo.

Tento exercer algum controle da agenda, porém os espaços em brancos insistem em inexistir. Você, querido leitor, se perguntará se é necessário fazer tanto. Eu te direi, com sinceridade, que não sei. Contudo, é o que vejo a maioria à minha volta fazendo. Um frenesi de agendas, trabalhos e atividades que não cessam, que não permitem descanso. Se permitissem, também, o que faríamos? Há muito que já não sei, confesso, como descansar.

Nossas agendas musicais são assim, trabalho, trabalho e trabalho, estudo, estudo e estudo. Tudo é uma grande preparação para a performance. Penso que isso se traduz numa contradição canhestra: há quem diz que não somos necessários, que sem a música a vida não seria um erro, contudo, a minha agenda mostra o contrário.

Sigo sendo requisitado quase à exaustão, tentando ter agenda para fazer algo de mim, enquanto tudo que tenho é uma agenda repleta de afazeres musicais que não cessam.

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