Do berço ao túmulo

A Beleza do Som
A Beleza do Som
Published in
4 min readJan 22, 2023

Ivanildo Jesus

Certa feita, enquanto estava em uma capacitação online, dessas que a gente precisa de uma disciplina espartana para manter a atenção, ouvi uma frase que me cativou a audição. A palestrante versava sobre projetos sociais exitosos e disse a máxima que por ela foi ouvida — ao que me lembro, na Inglaterra — de que a missão precípua dos projetos sociais deve ir do berço ao túmulo.

Imagem de Anna Romanova retirada do Pexel

O impacto dessa frase na minha compreensão sobre projetos foi acachapante. É como se achasse a peça que estava faltando ao meu quebra-cabeça interno. Quando nos debruçamos nas necessidades dos projetos sociais, somos tomados por cuidados com a infância ou com a velhice. Foco, na minha perspectiva, da maioria das ações sociais do contemporâneo.

Preocupar-se com a educação dentro do projeto social é ter a lente do social à frente da educacional. É usar a educação como sondagem das mazelas sociais e oferecer aos “beneficiários” outras possibilidades educacionais que a educação institucional não provém.

Foca-se na infância em uma educação recreativa, que retira o educando dos perigos da rua (como se fossem perigos externos ao próprio Estado) e lhe oferece outros espaços de convivência não estruturados menos violentos, muitas das vezes, que os espaços domésticos que habitam. Na adolescência, em uma educação profissionalizante, no intuito de oferecer ao educando possibilidades de geração de renda, o que por sua vez pode levá-lo à mobilidade social, retirando-o da vulnerabilidade. Na vida adulta, sobretudo na velhice, em uma educação terapêutica que consiga fazer o assistido lidar melhor com os traumas provenientes da vulnerabilidade.

Os modelos educacionais citados acima são modelos de educação para o capital. Entretanto, lembro que para Mészáros “(…) educar não é mera transferência de conhecimentos, mas sim conscientização e testemunho de vida. É construir, libertar o ser humano das cadeias do determinismo neoliberal, reconhecendo que a história é um campo aberto de possibilidades.” (MÉSZÁROS, István, A educação para além do capital, p. 13)

Relembro também a formulação de Marx e Engels “Conhecemos uma única ciência, a ciência da história” (MARX & ENGELS, 2007, p. 86). Ter a própria história como campo aberto de possibilidades é ir, como diz Mészáros, além do determinismo neoliberal. Quando o projeto social vai do berço ao túmulo, ele dimensiona-se a uma dimensão historicizante, unindo-se à história do indivíduo, tentando que o mesmo vá além do citado determinismo.

Contudo, para a educação, o professor, como ente educacional por excelência, é aquele que trabalha pela própria extinção dentro do processo do aluno. Se por um lado, há uma interpretação possível da máxima que dá título ao texto de que os projetos sociais devem ocupar-se das carências em todas as fases da vida do ser, por outro lado, somos instados a pensar no paradigma social contemporâneo onde há carências significativas e intermitentes em todas as fases da vida.

Educação Musical

É necessário falar da educação musical como forma de assistência social. A educação musical, assim como a arte, dentro de um panorama histórico, sempre esteve ligada à manipulação do aparato social. Não só na experiência colonial brasileira, como na experiência humana.

Educar musicalmente é nutrir, através do som, parte da existência do outro de um significado cultural intrínseco que expõem os paradigmas socioculturais vigentes. Quando falamos da educação musical no capitalismo, cuja evolução da ciência educacional-musical aponta para a exploração do som, vemos essa experiência ocupar-se com as preocupações capitalistas.

Fato que se dá não só com a educação, mas também na performance. Viver de arte, de música, cultura, das humanidades em geral na era do capital, onde tudo é mercadoria e lucro, é preocupar-se cotidianamente com a validade do seu fazer tendo que se traduzir em capital financeiro imediato; é ver um fazer já extenuantemente subjugado, estar sempre às voltas com as crises cíclicas do capital, sendo o primeiro alvo de todo austericídio.

Ocupando-se da geração renda a educação musical perde potência de existência artística tornando-se obsoleta e dando lugar à educação instrumental que privilegia o instrumento em detrimento da emancipação artística. Não se disseca mais os sons, contudo manuseia-o através dos paradigmas reducionistas instrumentais.

O professor que deveria poder se ver extinguindo é colocado a pensar no acompanhamento perpétuo do ciclo. Dado que não há na periferia do capitalismo, lugar estável à arte.

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