O estudo da música e a personalidade autotélica

Nelson Rechdan

A Beleza do Som
A Beleza do Som
3 min readJan 15, 2023

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Alguma vez num ensaio ou estudando você teve a sensação de perder noção do tempo? Como se as horas virassem minutos e aquele período passasse muito rápido. Segundo o húngaro, naturalizado americano, Mihaly Csikszentmihalyi (1934) este momento de profundo envolvimento chama-se “estado de fluxo”.

Durante a experiência ideal, o tempo não passa da mesma maneira. Há uma sensação diferente da passagem do tempo, muitas vezes, as horas parecem passar em minutos; em geral, a maioria das pessoas em estado de fluxo informa que o tempo parece passar muito mais rápido. (CSIKSZENTMIHALYI, 1990, p. 66).

O estado de fluxo é um tipo de motivação, que aumenta o envolvimento e a concentração ao tocar, ter os objetivos claros e o equilíbrio entre as habilidades e os desafios conduzem a esta sensação. A busca constante pelo estado de fluxo nas atividades musicais desperta uma personalidade autotélica no musicista.

O termo “autotélico” deriva de duas palavras gregas, auto que significa “eu”, e telos que significa “objetivo”. Refere-se a uma atividade que não é feita com a expectativa de algum benefício futuro, mas simplesmente porque o fazer em si é a recompensa. A experiência autotélica, ou fluxo, eleva o curso da vida a um nível diferente. A alienação dá lugar ao envolvimento, o prazer substitui o tédio, o desamparo transforma-se num sentimento de controle, e a energia psíquica trabalha para reforçar o sentido do self, em vez de se perder a serviço de objetivos externos. (CSIKSZENTMIHALYI, 1990, p. 67,69).

No estado de fluxo tocamos pelo prazer de alcançar a melhor qualidade possível daquele excerto ou peça, e fazemos pela música, e nada mais, com a atenção voltada exclusivamente para o presente. Naquele momento não nos importamos com as dificuldades institucionais do grupo, da estrutura do espaço e de outros fatores. Ressalto que estes fatores são de muita importância e auxiliam o resultado final, mas o fazer musical vai além dessas dificuldades externas quando cultivamos a personalidade autotélica.

Imagem de Avi Naim retirada do Unsplash

Aqueles que aproveitam ao máximo o potencial de satisfação inerente à música (…) têm estratégias para transformar a experiência em fluxo. Eles começam reservando horas específicas para ouvir. Quando chega a hora, eles aprofundam a concentração, apagando as luzes, sentando-se em uma cadeira favorita ou seguindo algum outro ritual que vai concentrar a atenção. Eles planejam cuidadosamente a seleção a ser tocada e formulam metas específicas para a sessão que está por vir. (CSIKSZENTMIHALYI, 1990, p. 110)

Este estado de fluxo pode acontecer com qualquer instrumentista, iniciante, amador ou profissional, desde que haja o equilíbrio entre habilidades e desafios, caso contrário podemos ter a apatia, a preocupação, o relaxamento, o tédio, a ansiedade, o controle ou a excitação, como segue o gráfico:

Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em Csikszentmihalyi (1997, p. 31).

Desta forma, por exemplo, a preocupação representa um desafio moderado com uma habilidade baixa, o tédio com desafio baixo e habilidade alta. Por meio deste gráfico e da observação podemos planejar os desafios e pensar nas habilidades necessárias que devemos aprimorar em nosso estudo, em nossos alunos e alunas, gerando um ciclo que o conduzirá para uma personalidade autotélica.

REFERÊNCIAS:

CSIKSZENTMIHALYI, M. Flow: the psychology of optimal experience. Nova York: Harper & Row, 1990.

CSIKSZENTMIHALYI, M. Finding flow: the psychology of engagement with everyday life. Nova York: Happer Collins, 1997.

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