Desejo O que desejamos?

Alessandro Oliveira

A Beleza do Som
A Beleza do Som
3 min readJun 11, 2023

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Eu tenho uma dificuldade enorme de saber o que exatamente busco. Diversas pessoas comentam que faço uma quantidade exagerada de coisas, e, talvez, tenham razão. Trabalho como mediador cultural, professor particular de português, participo de grupos de pesquisas, faço doutorado, estudo latim, faço musculação e artes marciais, faço aula de violino, estudo para concurso público na área administrativa e ainda tento ter uma vida social. Muitas dessas atividades são frutos de um processo decisório confuso que é uma consequência das incertezas que o cotidiano me impõe, de forma a me fazer não saber para onde seguir. Em que caminho devo focar meus esforços? A carreira acadêmica, por exemplo, parecia promissora quando a iniciei, em 2013, no governo Dilma, mas, hoje, se mostra frágil. Atualmente revela exigir muito trabalho para pouco retorno, tal como a maioria das profissões em que estamos frequentemente… Nossas conquistas sociais são fluidas (alô, Bauman) e tudo o que é sólido se desmancha no ar.

Foto de Callum Skelton

Afinal, o que eu quero? Ser um acadêmico ou prestar serviços públicos numa área administrativa? Ou ser um professor em escolas particulares ou da prefeitura ou do Estado? A pergunta feita e as possíveis respostas oferecidas são problemáticas: primeiro, porque parte do pressuposto que o desejo é único, que não se pode buscar mais de um estilo de vida. Segundo, porque limita o desejo à profissão ou àquilo que me proporcionaria algum tipo de retorno financeiro. Nossa realidade material condiciona a forma que vemos o mundo e, por isso, a incerteza do futuro e as múltiplas possibilidades são influenciadas diretamente por um medo baseado no sistema que vivemos. Afinal, a tão sonhada “estabilidade” que um concurso público fornece só é tão almejada porque a maior parte das pessoas sente a vida instável. Como mostram os psicanalistas, o desejo é provocado pela falta do objeto.

De fato, são nos oferecidas pelos teóricos que trataram do desejo uma série de ferramentas pelas quais podemos desvelar a realidade, cada qual com seu limite, mas sua utilidade. Essas dúvidas, que aqui trago, sobre carreira e muitas coisas da vida, podem ser objeto de acepção que você, leitor, talvez possa se identificar. Surgiriam elas de meu consciente ou de meu inconsciente? É certo que não há barreira intransponível entre esses dois pontos, tal como afirma Vigotsky (1972, p. 100). A realidade em que vivo provoca essa angústia, de forma consciente, mas também diretamente no meu inconsciente. É a partir dessa apropriação da realidade que consigo pensar sobre ela, quase que numa via de mão dupla, em que o objeto pensado sai de um lado para o outro, dançando sob as diversas facetas da mente. Nesse sentido, a transformação do meu pensamento, ou do meu desejo, passa necessariamente também pela mudança da própria realidade, dos agentes externos, daquilo que não é meu.

Desejo, portanto, controlar o desejo. Mitigar o sofrimento que ele provoca e as angústias que ele traz. Mas reconheço que, para fazê-lo, é preciso mudar a dura realidade em que vivemos, que é, no final das contas, o que provoca a própria falta. Mudemos, portanto, o mundo.

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