Os artistas estão doentes e precisam de terapia

Daniel Vieira de Carvalho

A Beleza do Som
A Beleza do Som
3 min readOct 15, 2023

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Imagem de Kateryna Hliznitsova

Se eu pudesse voltar no tempo em que estava dando aula de piano, eu iria insistir com os alunos sobre a necessidade de fazer terapia para serem músicos ainda melhores e com saúde mental e física. Todo mundo fala que a música, por si só, é uma terapia. Isso é verdade, mas ninguém fala sobre as tensões que vamos acumulando no processo de aprendizagem.

As tensões mais comuns são localizadas nos ombros e na mandíbula. Nós acreditamos que para tocar bem é necessário enrijecer nossos tendões, músculos, nervos, etc., e o problema é que fazemos isso de forma automática e acabamos não dando atenção às consequências psicológicas disso.

Tocar um instrumento não é necessariamente uma ação natural, exige do corpo posturas e gestos. Se um determinado trecho de uma peça musical é difícil, a tendência é duvidar de que somos capazes de executar aquele trecho, colocamos em cheque nossa habilidade de aprender sem dor. O desconforto gerado por esse caminho gera angústia, cria insegurança, nossa mente passa a acreditar nas informações que nosso corpo apresenta. A tensão e a ansiedade de ser um bom músico, a cobrança de ser um bom profissional, somado à necessidade que um músico tem de ganhar dinheiro para sobreviver num mercado competitivo, na maioria das vezes, insípido, não intuitivo e, portanto, desprovido do que podemos chamar de artístico (no sentido de arte como liberação das emoções e como um exercício humano de busca pela beleza).

O fato é que os músicos estão doentes, física e psicologicamente, sem falar espiritualmente, porque a arte, na sociedade das mercadorias, foi atacada de forma estratégica, de modo que a liberdade que tanto buscamos nela, agora se transforma em prisões criativas. Criar arte deixou de ser um ato do espírito humano, se tornou apenas um tipo de entretenimento vazio ou um modo de ter poder de compra.

Algo parecido acontece com os atletas e essa galera fitness, que entraram num loop ridículo de competição de beleza, mas acima de tudo se transformou em uma espécie de fissura, de buscar a todo custo um modelo ideal da estética corporal (também influenciada perversamente pela sociedade da mercadoria que exige que os corpos sejam sempre novos, enxutos, sem gordura e sem graça.)

Fazer terapia se torna, deste modo, uma garantia de analisar a si mesmo, buscar as possíveis causas dessas tensões que nos afetam em todas as áreas da vida. Ser músico, pelo menos foi isso que aprendi com meus professores e colegas, é mais do que apenas tocar bem um instrumento, é se envolver, é se apaixonar, é se entregar com confiança e amor… Veja como isso é algo quase fantasmagórico!

Então, sim, meus caros amigos e amigas, fazer arte no mundo em que vivemos agora é um ato de resistência e de luta contra o cerceamento e o encarceramento de nossas capacidades imaginativas e criativas. É uma luta por manter viva a cultura humana, única e maravilhosa, de transformar o mundo por intermédio da Beleza, mas essa Beleza, como muito bem nos alertou o nosso antigo e querido Platão, só é Beleza quando está entrelaçada à Verdade e ao Bem. Se existe um desses elementos, mas não os outros… Não é Arte, não é Música, não é Beleza, é um pedaço, é um membro decepado, é doença! E, mais uma vez, a terapia pode sim ajudar a amenizar os desafios que nós encontramos nesse caminho artístico!

Nunca é tarde para cuidar da saúde física e mental. Não deixe pra depois. Artista completo é artista inteiro, mente sã e corpo são!

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