Temos que tomar cuidado com os ídolos que criamos, inclusive de nós mesmos
Gustavo Santana
Tenho tido muitas reflexões sobre quem eu sou e quero ser enquanto artista, mas, vendo a arte como uma atmosfera que foge do “eu” e apenas faz sentido quando se consolida no “nós”, tenho olhado de maneira mais profunda e concentrada nas imagens que projetamos de nós mesmos e lançamos no abismo da necessidade do nosso eu-artista. Crescemos na ideia dos super heróis, dos invencíveis, dos invioláveis, da pureza e da inspiração, mas qual seria nossa reação se, dentre ídolos que de fato reproduzem o que suas imagens egocêntricas nos dizem, nos deparássemos com a realidade de uma mentira, que, ainda que execute lindamente e com musicalidade admirável o que se propõe a tocar, não nos representassem em nada além disso?
Dentro dessa lógica de uma necessidade quase que antropológica de se reconhecer nos valores e nas crenças do outro, surge um novo dilema, diferente do primeiro, mas tão atrativo e viciante quanto, até que ponto buscamos criar uma rede de cópias do que desejamos ser? Até que ponto isso nos anula a experiência da diversidade?
Não há em minha mente, no momento dessa escrita, uma resposta clara para nenhum desses questionamentos e não vejo diante dessa complexidade de fatos uma urgência de respostas, se há algo urgente, tenho certeza que são os questionamentos.
Ser artista é exclusivamente executar com primor a arte que se propõe?
Não tenho conseguido, nos últimos tempos, pensar dessa maneira porque a arte não evapora no espaço e voa sem amarras e sem um destino claro. A arte tem o rosto da sociedade em que ela esteve, está ou pretende estar, é sobre o real e o imaginário. Sendo o artista um porta voz da arte acho que é preciso entender com uma voracidade muito maior o que é real para o artista indivíduo. Como propagaremos enquanto comunidade artística uma arte que liberta se ainda nos deparamos com artistas de seu próprio ego cego, incapazes de pleitear uma realidade futura que nos liberte das amargas violências que criamos contra nós e contra outros?
Ainda que isso ressoe como um discurso um tanto quanto apaziguador, acho que o intuito inicial não deve ser renegar a arte, os feitos e as contribuições de artistas cujas verdades além-arte não ressoam com as nossas, mas é momento de olhar para os heróis que realmente podem nos salvar e ainda assim reconhecer em todos eles suas respectivas falhas e kriptonitas. E, como um processo natural de quem busca ser aquilo que admira, acho que é hora de vestirmo-nos daquilo que realmente faz jus ao teto em que vivemos, ao chão que percorremos e aos sofrimentos causados em nossas existências até aqui. Não existem ídolos perfeitos, mas existem ideias, sonhos, uma utopia de mundo que queremos, e se a arte não é capaz de ser um sopro, um vislumbre do que já foi e do que pode ser, talvez ela não faça tanto sentido assim.