Tirando a poeira

Ivanildo Jesus

A Beleza do Som
A Beleza do Som
4 min readApr 14, 2024

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Para começar, desculpem-me a distância. Deixei o manancial de letras secar. Sabem como é, isso de capitalismo selvagem não poupa ninguém. Estive distante, tentando dar vida a beleza do som fora das letras, na eterna construção com meus pequenos de outras possibilidades sonoras.

Rejo, ou tento reger, e preparo uma série de repertório distintos. Tenho na mão durante a semana três pequenos grupos infantis, às vezes uma banda sinfônica outras vezes uma orquestra, ainda dos pequenos. Isso sem falar no amontoado deste ano: dez aulas de teoria. Essa aventura farta de suas próprias sistematizações me deixa distante da escrita e por vezes da leitura. Sem ler é um disparate escrever e publicar ao lado dos meus colegas.

Aos colegas

Como não foram só as minhas letras que deram vida a essa páginas, agradeço penhoradamente a quem contribuiu, contudo é hora da barra dupla. Dos trabalhos de manutenção do periódico, já detalhados pelos textos que circulam, soma-se o de gestão da agenda da contribuição esporádica dos meus colegas colunistas. Eles, por vezes tão ou mais atarefados que eu, precisam parar suas agendas para concentrar suas letras na construção d’A beleza do som. Ótimo, todavia, trabalho é trabalho e no nosso meio onde tudo parece vir da inspiração divina remuneração é necessária. Como não podemos remunerar, sendo assim, opto esse ano por encerrar a busca por novos colunistas.

Agradeço a cada um que contribuiu seja com textos, revisão ou design para a aventura dessas letras dominicais, porém é chegado a hora de continuar solo, com um ritmo bem menor, respeitando inclusive os meus próprios limites.

A Filarmônica de Minas Gerais é aqui

Durante o tempo que estive em pausa outras cadências aconteceram. O microcosmo do mundo de concerto sangra. A última da vez é o ataque do Governo do Estado de Minas Gerais — cujo nome do governador, nas matérias tão bem escritas na revista Concerto, é propositalmente esquecido -, Romeu Zema (NOVO) a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais.

A orquestra corre o risco de ficar sem a Sala Minas Gerais, sua sede. Como bem disse seu maestro titular e diretor artístico, Fábio Mechetti, em seu discurso contra o que o articulista da revista Concerto Nelson Kunze chamou de “canibalismo cultural”, “uma sede não se cede”. Sintetizando a questão: a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, acredito ser o corpo estável artístico com o maior número de investimento público perdendo só para a OSESP, corre o risco de ver sua casa invadida. Ironia à parte, não diziam que quem invadia casa era o MST?

Com níveis altos de excelência no fazer artístico é lógico que a Orquestra precisa de uma casa, uma sala, pensada para as suas necessidades musicais. Essa sala faz parte do que a é orquestra. Adendo aos possíveis futuros gestores: pensar orquestras e bandas, grupos sinfônicos, sem se preocupar com onde esses grupos viverão é um disparate sem fim. É pensar em um time de futebol que passará a vida inteira jogando no asfalto para depois cobrar dele que brilhe no gramado.

Isso posto, a Sala Minas Gerais passaria a ser, se o acordo celebrado entre a CODEMIG (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais) e o Sesi Minas Gerais, for exitoso, não mais que um grande salão de eventos com ótima acústica. Além do ordinário ataque aos aparelhos culturais — todo mundo é gestor de música e sabe o que fazer melhor do que os músicos — há outro fato que quero chamar a atenção, o desejo do palco.

Aqui na minha cidade, Taubaté, no interior de SP, contamos com poucos prédios voltados ao entretenimento de grandes públicos. De Teatro Municipal de fato contamos com somente um prédio que vive às voltas com toda a sorte de maquinações e estratagemas para que seu uso seja desvirtuado. O Teatro está sempre sondado e disputado pelas mais diferentes vertentes artísticas. Isso me leva a um fato, todos querem estar no palco.

Como há essa falta de espaços culturais que se mantenham fieis ao que foram planejados e o desinteresse político por construí-los, os prédios que sobram passam pelo ataque constante dos vis interessados em fazer deles grandes salões de festas para a toda sorte de espetáculos.

Alguns de vocês pensarão “que há de ruim nisso?”, entretanto, prossigo, o prédio pensado para atividade musical que atende a esse requisito de forma plena, é uma vitória de uma classe que vive expulsa, mambembe, sem ter condições de oferecer à população os louros do seu fazer.

Como dizem nas redes no que tange a situação retratada por Bacurau, o filme de Kleber Mendonça Filho que mostra aquela cidade que sofre as atrocidades de um sintoma neoliberal, a Filarmônica de Minas Gerais é aqui. Para que grupos sinfônicos percam suas casas, basta que uma ideia brilhante, empreendedora, fora da caixa, passe pela cabeça de algum gestor que tem ojeriza ao real pensamento político.

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