A Piece of Your Mind: Um abraço Aconchegante

Crítica de K-drama

Adriana Silva
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7 min readJul 28, 2021

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Todas as noites eu regressava a esta série para ver mais um episódio, não com o intuito de buscar nela uma grande emoção ou um impulso de adrenalina, mas simplesmente para obter um pouco de conforto. A fotografia cuidada, o ritmo calmo das cenas, os diálogos meditativos e o tom poético e emotivo da história, todos esses elementos se conjugam para nos fazer abrandar e adentrar no universo de problemas e dilemas das personagens, ao mesmo tempo que descobrimos, juntamente com elas, porque vale a pena viver em meio ao caos e descobrir qual a âncora que nos segura.

Na história conhecemos Ha Won (Jung Hae In) um programador de inteligência artificial que procura criar um dispositivo com a identidade da sua amiga de infância, a primeira rapariga que amou. O seu destino cruza-se com o de Seo Woo (Chae Soo Bin), uma engenheira de som a quem ele recorre para gravar de forma oculta a voz da sua primeira paixão.

A primeira impressão do drama é que trata do tema de ficção científica. No entanto, a invenção do dispositivo que serve de mote para a história, e os próprios detalhes da empresa de que Ha Won é dono e se especializa nesse tipo de tecnologias, são inseridos na história de forma algo descontextualizada e deixados de lado depois de terem feito o trabalho que lhes era suposto para a narrativa.

O dispositivo que Ha Won cria, capaz de assumir a personalidade e a forma de pensar de outros, deve ser levado como um objeto ficcional e irreal. Ainda assim, a discussão que é iniciada quanto às potencialidades versus perigos da tecnologia nas nossas vidas poderia ter sido estendida e rematada com uma moral que, neste caso, se a houve, ficou bastante implícita.

Uma questão de perspetiva

A Piece of your mind foca nas vivências, dilemas e perspetivas das personagens, na forma como cada uma reage a uma determinada situação, no seu porquê, na sua motivação e vontade. É interessante percebermos que nenhuma delas é isenta de defeitos, mas nem por isso as suas ações, por mais mesquinhas, egoístas e insensatas que sejam, deixam de ser inerentemente humanas e justificáveis. Conseguimos perceber esta contradição através das várias situações retratadas. Ao mesmo tempo em que num momento, reprovamos o comportamento de uma certa personagem, compreendemos, no seguinte, porque agiu assim.

Ha Won começa por se mostrar um homem sério, prático e reservado. Mas, mais tarde, descobrimos acerca da sua obsessão por um amor não correspondido que ainda o atormenta. Ji Soo e ele crescem juntos na Noruega: dois compatriotas numa terra estrangeira, o que os faz criar uma conexão especial. Os dois acabam por se separar após a morte da mãe de Ha Won, da qual se segue a sua ida para Estados Unidos a fim de ingressar na universidade. Entretanto Ji Soo parte para a Coreia e casa-se. Ha Won vê esse ato como uma traição e nunca se recupera dessa ferida, uma ferida que se torna mais evidente quando sucede uma tragédia na história e Ji Soo morre.

E é justamente Seo Woo, aparentemente alguém que se mostra ser o oposto de Ha Won, quem o ajuda a curar-se. Antes de Ji Soo morrer, as duas formam também um laço especial e Seo Woo acaba por ficar sensibilizada com a história deles, pelo que se decide envolver. Também ela sofre com a morte de Ji Soo, mas decide honrá-la, mantendo-a viva na sua memória. Ela serve de farol a Ha Won, guiando-o para longe dos seus demónios, enquanto ela própria luta com os seus, e ajudando-o a lidar com o luto e com o arrependimento. A sua presença torna-se num bálsamo para ele, e para nós também. Vê-los seguir em frente, estarem lá um para o outro, buscando por razões que os façam querer continuar a viver, faz-nos sentir abrigados contra todos os males do mundo. Pelo menos, foi assim que me fez sentir. Como se por pior que a realidade se tornasse, haveria uma mão amiga que se estenderia para mim.

É uma personagem interessante pelo facto de apresentar mais camadas do que aparenta inicialmente. Mais do que amiga otimista e compassiva que se intromete quase até demais, e talvez desnecessariamente, na relação entre Ha Won e Ji Soo, ela é alguém que enfrenta os seus próprios traumas e que também tem o seu próprio trabalho emocional a desenvolver.

Não só com estas personagens nos apercebemos que há diferentes mecanismos para lidar com a dor, mas também com Moon Soon Ho, Kang In Wook e Eun Joo.

Moon Soon Ho é uma mulher extremamente sensível e vibrante que trata Ha Won por tio, apesar de terem apenas um ano de diferença, já que a sua avó o adotou após a morte da mãe dele. Ela isola-se das pessoas, preferindo a companhia das plantas, com os quais, segundo ela, estabelece uma relação mais simples: regar e dar-lhes sol é tudo o que as plantas pedem de si e, em contrapartida, não há desilusões, expetativas ou conflitos.

Kang In Wook é o marido de Ji Soo. Ele esconde um segredo que promete mudar o rumo do enredo e o torna num homem amargurado e melancólico. Moon Soon Ho decide dedicar-se a ele como se dedica às suas plantas. Incentiva-o a sair do seu isolamento e a compartilhar o seu talento para a música com todos. Por conta disso, somos presenteados com várias atuações de piano que nos embalam num abraço aconchegante e nos expõem aos sentimentos mais poéticos.

Outra personagem que, embora com menos destaque, tem também um papel importante é Eun Joo (Lee Sang Hee) a melhor amiga da Seo Woo e dona da pensão em que ela e outras personagens secundárias moram. Representa aqui a perspetiva de uma mulher que deixa de atentar às suas necessidades e de cuidar de si própria para priorizar os outros, usando-os como desculpa para abandonar os seus sonhos.

Portanto, enquanto, para lidar com a dor, uma personagem inventa um dispositivo de inteligência artificial com a identidade da pessoa que amou e morreu; outra resolve dedicar inteiramente aos outros, usando da sua empatia para absorver a dor dos outros e esquecendo-se da sua própria; outra ainda, isola-se para se proteger, enquanto outra isola-se também, mas dentro do seu sofrimento.

Um sentido para a vida

Num ritmo insuportavelmente lento para alguns, mas reconfortante para outros, somos levados a refletir sobre a morte, o luto, a dor íntima de cada um e, sobretudo, sobre o sentido da vida. Deixa a mensagem que nos momentos mais sombrios, um pouco de empatia, um lugar que se transforme no nosso abrigo, uma palavra que nos faça sentir menos sozinhas, qualquer uma dessas coisas nos pode ajudar a ultrapassar esses momentos.

Além do diálogo intenso e sentimental, outra pista que nos indica para o verdadeiro estado de espírito das personagens, e uma pista mais confiável, são os cenários em que as personagens aparecem. Os locais das filmagens da série variam maioritariamente entre o estúdio de música, a casa de Ha Won, um café, a pensão e a rua da pensão; voltamos a todas essas localizações repetidamente conforme o tom da história e o estado psicológico das personagens e, curiosamente, em vez de nos sentirmos encurralados num ciclo entediante, encontramos em cada uma delas um abrigo para as nossas próprias emoções.

Devido às baixas audiências, o drama foi reduzido para 12 episódios, mas nem por isso deixou de nos proporcionar o desfecho adequado e de desenvolver uma história de amor que nos satisfaz. Recomendo o drama, apesar de não a qualquer pessoa (mais para o género que aprecia uma abordagem mais lenta, sentimental e matura), porque a história ressoou em mim durante bastante tempo, como um abraço aconchegante que eu precisava sem o saber.

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