Beautiful Mind — Pode um psicopata amar?

Há histórias que servem para quebrar estereótipos.

Adriana Silva
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10 min readDec 30, 2020

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Em 2016, saiu a série Beautiful Mind e eu guardei o seu nome num canto da minha mente, para um dia mais tarde vê-la. Esse dia chegou recentemente e marcou o fim da maré de azar que estava a ter com os dramas coreanos.

Fui conquistada nos primeiros quatro episódios, tanto que os vi de rajada. Achei a ideia da história original e com muito pano para mangas — sobre um homem que nasce com Perturbação Antissocial da Personalidade e se torna neurocirurgião. Não fiquei tão rendida com os restantes dois terços da série, já que o foco mudou abruptamente, bem como o formato dos episódios (que passaram a ser orientados para os problemas dos pacientes), e houve uma redução de dois episódios, algo que se deveu a baixas audiências e a um conflito de interesses por parte da emissora, que infelizmente acabou por prejudicar um pouco a série.

Ainda assim, Beautiful Mind deixou-me uma impressão no geral positiva pelo tema delicado que aborda, sobre a saúde mental, pelas personagens bem construídas e cativantes, pelos assuntos sociais que discute, que mesmo sendo no âmbito hospitalar, tocam as noções de família, de relações, da jornada de trabalho dos médicos, do polar bom/mau e certo/errado; e pelo seu elenco de excelência, contando com Jang Hyuk, um ator veterano de 43 anos; Park So Dam, a “Jessica” do filme Parasitas e Yoon Hyun Min, outro ator veterano que participou em projetos como Inspiring Generation e Tunnel.

Enredo

Lee Young Oh é um neurocirurgião muito habilidoso e competente, capaz de diagnosticar um paciente com apenas uma vista de olhos e algumas deduções. Chama a atenção da comunidade médica quando vai trabalhar para Hyunsung, um hospital privado, que se promove como um dos mais desenvolvidos a nível tecnológico, e com um centro de investigação em células estaminais e regeneração de órgãos, liderado pelo pai de Lee Young Oh e pelo diretor do hospital, Shin Dong Jae.

À primeira vista, Lee Young Oh é um homem frio, egocêntrico, extremamente racional e inteligente, e que não olha a meios para atingir fins, mas ele esconde um segredo que é a chave para se compreender a sua personalidade: Lee Young Oh é um psicopata (ou um sociopata — isso é não especificada na série — o que é certo é que tem o distúrbio de personalidade antissocial).

Conhece Gye Jin Sung, uma jovem polícia do trânsito, quando os dois se deparam com duas mortes no hospital que são dadas como erros médicos, mas que se suspeita serem, na realidade, homicídios. Com objetivos e motivações diferentes, os dois acabam por se aliar na busca pela verdade.

No começo da história, Gye Sung inicia uma investigação por conta própria para descobrir o a causa da morte de duas pessoas na mesa de operações de Lee Young Oh, o nosso protagonista.

O hospital tenta frustrar os seus esforços, deitando as culpas no cirurgião Lee Young Oh. Mas encontram o bode expiatório errado. Por ser um psicopata, Lee Young Oh não tem medo de usar todas as armas ao seu dispor para conseguir o que quer — se for necessário, ameaça com a vida dos pacientes — e sabe manipular os outros melhor que ninguém, além de ser muito perspicaz e não se deixar enganar facilmente.

Une esforços com Jin Sung. Não porque precisa realmente da ajuda dela, mas porque lhe quer provar que é inocente.

E Jin Sung além de ser persistente, revela-se uma boa espia.

Os primeiros episódios do drama dão entender que o objetivo final é encontrar responsável por estas duas mortes e desmantelar o poder corrupto do hospital Hyunsung. Mas a meio da série, a história muda de rumo, deixando temporariamente de lado estas preocupações, para se focar na relação entre Lee Young Oh e Jin Sung e em novos casos de pacientes. Se por um lado isto nos fez perder aquele impulso inicial de querer saber o que irá acontecer a seguir, por outro lado, foi benéfico para o desenvolvimento das personagens.

Psicopata ou Sociopata?

Embora aluda a Lee Young Oh como um psicopata, a série não é clara quanto à patologia exata que ele sofre — Psicopatia ou Sociopatia? Algumas vezes, ele é referido como psicopata, outras vezes como sociopata. A única certeza que temos é que tem Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS), que engloba a sociopatia e a psicopatia, duas doenças que se diferenciam pela forma como são inicialmente desenvolvidas.

A psicopatia é uma condição inata, ou seja, uma pessoa já nasce psicopata. A origem da doença pode ser “uma falha genética, que prejudica o desenvolvimento de partes do cérebro relacionadas às emoções, controlo de impulsos, empatia e moralidade.”

Lee Young Oh quando era jovem. Ele também sofreu a sua quota de traumas.

Por outro lado, a sociopatia “é desenvolvida durante a vida, por meio da educação, relações sociais ou traumas.”

Em ambas os dois tipos de doentes, verifica-se falta de empatia, desprezo por regras sociais, comportamentos padrão e ausência de remorsos ou culpa.

Quanto às diferenças entre as duas doenças, podem consultar o artigo que retire (https://www.diferenca.com/psicopata-e-sociopata/), para que depois de assistirem ao drama (se o quiserem, claro), retirem as vossas próprias conclusões.

Sentir de forma diferente

Uma pessoa com TPAS pode sentir? É essa a questão que desejamos ver respondida, preferencialmente com um ‘sim’, ao longo da história.

Há situações em que não ficamos com a melhor impressão do nosso protagonista…

Lee Young Oh não perceciona as emoções da mesma maneira que um ser humano saudável, porque tem dificuldades em se colocar no lugar do outro e em considerá-lo nos seus projetos pessoais, sociais e de trabalho.

Há uma cena em que um homem morre durante uma cirurgia que Lee Young Oh realiza. Ele sai da sala de operações com um olhar vazio e frio e dá as notícias de forma indireta à esposa desse homem. Não pede desculpas, quando a vê chorar, não se justifica, apenas repete uma e outra vez: “A minha cirurgia foi perfeita”. Para ele, não importa o sofrimento da mulher, apenas que fracassou, que a certeza que depositara nas suas capacidades, na sua autossuficiência foi completamente esmagada. Aquele fracasso foi um ataque direto ao seu ego e nada mais importa.

Apesar de Lee Young Oh não sentir como os outros, ele é capaz de entender as emoções. Pelo menos de forma racional. O seu pai, Lee Gun Myung, líder do departamento cardiovascular do hospital Hyunsung, ensinou-o a diferenciar expressões faciais desde pequeno. Ele pode não rir quando todos de riem ou chorar quando todos choram, mas consegue saber quando alguém mente ou diz a verdade. Se assim o desejar, é capaz de responder às necessidades emocionais dos outros melhor do que ninguém, ainda que cometa erros de perceção algumas vezes.

Um Wifi para o coração

Quando Lee Young Oh começa a perder a confiança no seu julgamento, após ser traído por uma pessoa próxima e salvar um paciente que não queria ser salvo, ele é ajudado por Jin Sung.

Jin Sung não podia ser mais oposta a ele — sentimental, temperamental e impulsiva, ela ensina-que o mundo não é somente preto e branco, e que o lado das emoções não deve ser delegado. Sentimentos como a esperança, a culpa, a compaixão e o medo devem ser tidos em conta, se ele quiser perceber os seus pacientes e, assim, conseguir realmente salvá-los. Ela opera uma mudança nele. Tanto que ele passa a chamá-la de o seu ‘wifi’, já que ela se torna na sua conselheira no que diz respeito à parte emocional.

O início da relação entre os dois é muito turbulento. Ela desconfia dele e ele dá-lhe motivos para isso. Quando alguns desses mal-entendidos se dissipam, Jin Sung torna-se na única pessoa que acredita nele e, mais, que consegue simpatizar com ele, algo inédito na vida dele.

Quem é o monstro afinal?

Durante toda a sua vida, Lee Young Oh foi obrigado pelo pai a esconder de todos acerca da sua condição. Além disso, era abusado psicologicamente — o pai chamava-o de mostro e dizia-lhe para se comportar de forma ‘normal’.

Por isso, não é de estranhar vermos Lee Gun Myung humilhar o filho em frente aos seus colegas de trabalho ou a ajudar o conselho diretivo do hospital a expulsá-lo da sua função. Aos seus olhos, o seu filho não devia ter nas mãos a responsabilidade de salvar vidas. Nessas alturas, parecia vermos uma ponta de sofrimento nos olhos de Lee Young Oh, como se as palavras do pai realmente o magoasse. E perguntávamo-nos se era possível, porque na série todos diziam que ele não sentia.

Lee Young Oh também provou ser um bom médico. Independentemente dos seus métodos e das suas limitações, o que importava para ele era salvar vidas, algo que fazia melhor do que ninguém. A partir do momento em que aceitava um paciente, comprometia-se a nunca desistir dele. Regia-se por um código inquebrável e, por isso, nunca falhou em fazer o que era certo. Provou ao seu pai e a Hyun Suk Joo, um dos médicos, que se importava mais do que qualquer com os seus pacientes.

Psicopata ou não, ele é um excelente médico.

Personagens secundárias

Hyun Suk Joo foi o médico responsável por Jin Sung, quando ela precisou de um transplante, e é atualmente a sua paixoneta. É visto como um médico que coloca as vidas dos pacientes em primeiro lugar. A primeira impressão dele é que é uma personagem bastante consistente e bidimensional. Mas esta é uma personagem que evoluí ao longo da série e que age de forma inesperada em algumas ocasiões. Ele está a colaborar com a equipa de investigação de células estaminais e órgãos regenerativos. O hospital quer utilizar a investigação para lucrar, mas Hyung Suk Joo irá opor-se em função do bem comum.

Kim Min Jae é a noiva de Lee Young Oh. Vemo-la lutar contra a descriminação no trabalho por ser de origens humildes. Também é médica neurocirurgiã. É outra personagem que se irá revelar.

O grupo dos Power Rangers, como eram chamados, composto pelos médicos So Ji Yong, Kwon Duk Joong, Yoo Jang Bae, Oh Kyung Jin, Hwang Jung Hwan, faz-nos rir várias vezes. Cada um com um traço de personalidade diferente (como o Powere Ranger). São interesseiros, adoram bisbilhotar e são os primeiros a julgar Lee Young Oh, mas não são personagens más.

Por falar em personagens más, temos ainda o Diretor do hospital Kang Hyun Joon e o doutor Chae Soon Ho. Esses sim são os maus da fita. Querem usar o hospital para lucrar e não se importam minimamente com os pacientes ou dos médicos, que todos os dias têm em mãos a difícil tarefa de salvar vidas.

Notas finais

Beautiful Mind confirmou a ideia de que os anos 2015/2016 são a época de ouro dos dramas coreanos. Não me vejo tão cedo a esquecer sobre esta história que nos leva — e de forma tão original — a simpatizar com um psicopata.

Apesar dos problemas que teve, conseguiu cumprir a tarefa a que se comprometeu de princípio — respondeu à pergunta “Uma pessoa com transtorno de personalidade antissocial é capaz de sentir?” E ainda resolveu o mistério das duas mortes que sugiram ao início de forma relativamente satisfatória.

Gostaria de um dia mais tarde ver um remake desta série, ver todas estas personagens tão bem escritas novamente representadas, ser relembrada das questões que se colocaram aqui, como ‘o que é um psicopata?’, ‘e um sociopata?’, ‘qual é a diferença entre sociopatia e psicopatia?’, para poder ir novamente à procura das respostas, respostas que nunca são completamente satisfatórias, tratando-se de um assunto tão complexo quanto este.

Deixo o trailer em baixo.

Se gostaram, deixem feedback :)

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