Jovens aproximam Leiria e Tokushima

Adriana Silva
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6 min readNov 5, 2021

Leiria e Tokushima celebram 50 anos de geminação em 2019. A relação enquanto ‘cidades irmãs’ surge na sequência da relevância histórica que Wenceslau de Moraes adquire no Japão e dos trabalhos que o embaixador Armando Martins Janeira desenvolve sobre o antigo militar da Marinha Portuguesa. Professores e alunos da cidade do índigo têm vindo a reforçar as ligações de irmandade. O Akadémicos acompanhou a sua estadia, procurando projetar com o presidente da Câmara de Leiria, Raul Castro, o 50.º aniversário da geminação.

“Eu quis fazer este intercâmbio porque não sabia nada da geminação entre Tokushima e Leiria”, afirma Yume, estudante de Enfermagemna Universidade de Tokushima. O professor de inglês Donald Sturge já perde a conta ao número de vezes que visitou a cidade do Lis. A lecionar há 12 anos na Universidade de Tokushima, Sturge embarca em mais uma viagem, cujo principal objetivo é dar a conhecer aos alunos japoneses a razão pela Leiria construiu laços com Tokushima.

“A relação entre as duas cidades começou no século passado, quando Wenceslau de Moraes, um diplomata português, veio residir para Tokushima e lhe deu a conhecer a cultura portuguesa”, conta o professor natural do Canadá.

Fukuoka Yoku, docente de japonês na mesma instituição, conhece a iniciativa através de Donald Sturge, seu antigo professor. Conta que esteve em Leiria pela primeira vez em 2011, altura em que se formaliza o intercâmbio entre estudantes e professores dos dois municípios.

Donald Sturg e Fukuoka Yoku apostam em fomentar a troca de experiências e a aproximação de culturas. Essa ambição motivou a viagem de cinco alunos da Universidade de Tokushima,Hinako, Yume, Atsu, Takumi e Sakuri. Frequentam licenciaturas distintas e não se conheciam antes do intercâmbio.

“A professora Yoku falou-me do programa e pensei que seria realmente interessante participar”, afirma Hinako, estudante de Farmácia. Dentro do grupo, a jovem de 20 anos é a única que tinha conhecimento da relação entre as duas cidades. Atsu, por exemplo, soube dessa ligação intercontinental através do convite que lhe foi feito para integrar o grupo.

A estadia em Leiria envolveu atividades culturais e académicas organizadas conjuntamente pela Câmara Municipal de Leiria e Politécnico de Leiria.

Portugueses dos afetos

A deslocação a Portugal evidencia algumas particularidades que em muito diferenciam a vida e a cultura dos dois países. Takumi, de 20 anos, estudante de Política, logo repara que os preços são mais baixos em Leiria, comparativamente a Tokushima. Mas o que mais chama a atenção do grupo é a gastronomia e afetividade dos portugueses. Os doces tradicionais e o caloroso acolhimento preenchem o imaginário de quem não fica indiferente às brisas do Lis e ao convívio com os leirienses.

Takumi e Yume vão sentir falta das iguarias leirienses quando voltarem para casa, mostrando-se, ainda, surpreendidos com a recetividade do Politécnico de Leiria. “A qualidade da comida é bastante boa, especialmente a pastelaria regional, e as pessoas são muito amáveis”, comenta com um sorriso a futura enfermeira Yume.

Se todos os alunos concordam que os portugueses são muito acolhedores, a mesma lógica também se aplica quando dizem que os estrangeiros são melhor recebidos em Portugal do que no Japão. Hinako afirma que “os japoneses são mais tímidos e não falam com estranhos, enquanto os portugueses são mais extrovertidos”.

O bom acolhimento e o interesse demonstrado pelo Politécnico de Leiria constitui, aliás, uma forte razão que motiva Sturge e Yoku para o prosseguimento do intercâmbio. “A boa disposição e o otimismo de todos os que nos recebem nesta cidade fazem com que queiramos voltar de ano para ano e proporcionar aos nossos alunos novos experiências culturais e, quem sabe, laços de amizade”, refere Sturge.

A cidade do azul

A província de Tokushima é rica e recursos naturais e a economia depende muito da agricultura e pescas. O cultivo de índigo e a produção que lhe está associada nasce no século x, potenciando a economia de uma região que atualmente já está mais colonizada por um tecido sintético de cor semelhante, a ganga.

Em 2014, Isamu Akasaki, Hiroshi Amano, da Universidade deNagóia, e Shuji Nakamura, ex-aluno da Universidade de Tokushima, receberam o prémio Nobel da Física pela criação dos LED azuis nos anos noventa (na sigla em inglês para light emitting diodes).

O professor deinglês relembra que esta descoberta inicia a “Revolução da Tecnologia LED”, numa altura em que ainda só tinham sido descobertas as cores amarela e magenta. A cor azul possibilita a reprodução das luzes LED em várias cores.

Portugal no Oriente

Raul Castro considera Wenceslau de Moraes uma personalidade imprescindível no processo de geminação, uma vez que introduz e divulga o quotidiano japonês àEuropa através dos seus livros. O presidente da Câmara de Leiria recorda o impacto e a admiração que Moraes suscita, no início do século XX, junto dos japoneses, motivando estudos mais aprofundados sobre a sua figura pela mão do embaixador português naquele país, Armando Martins Janeira.

Mais tarde, à luz desses trabalhos, Governo Civil de Leiria recebe um ofício do Ministérios dos Negócios Estrangeiros pedindo o seu empenho para uma eventual geminação com Tokushima. A ligação concretiza-se a 5 de setembro de 1969. “A primeira geminação que é feita pelo Município de Leiria é precisamente com Tokushima”, refere o autarca.

Uma relação à distância que promove a visibilidade de ambas as culturas

A ligação entre as duas cidades tem sido consolidada com várias iniciativas envolvendo as forças vivas dos municípios. Algumas atividades dinamizadas passam por concursos de desenho e intercâmbios de aluno entre os estabelecimentos de ensino, a promoção de eventos de cariz cultural e o reforço de contactos ao nível empresarial. Trata-se de iniciativas que visam promover o conhecimento das duas culturas e acabam por ter repercussões nas ligações comerciais.

Raul Castro destaca que há mais empresas leirienses a exercerem atividades comerciais com empresas japonesas por via do acordo de geminação. E acredita que esse estatuto é uma via que pode contribuir para o “diálogo entre diferentes comunidades e instituições, consolidando o desenvolvimento de uma cultura de paz e tolerância, fundada numa premissa de progresso e de princípios humanistas”.

“Fruto desta política, Leiria é cada vez mais conhecida além-fronteiras, pela sua história, cultura, dinamismo empresarial, pela sua gastronomia, bem como pelo bom acolhimento que oferecemos a quem nos visita”, acrescenta. A geminação entre Leiria e Tokushima, em particular, tem criado uma dinâmica de envolvimento da população de ambas as comunidades, em especial entre as camadas mais jovens, o que permite a construção de pontes para o presente e para o futuro.

Existem, porém, obstáculos que não raras vezes perturbam essa ligação intercontinental. Como afirma Raúl Castro, a distância e as elevadas despesas de deslocação não permitem uma maior dinâmica na troca de experiências no âmbito da cultura e, inclusivamente, do desporto: “Apoiar, por exemplo, a viagem de uma coletividade cultural leiriense para atuar em Tokushima é uma despesa que tem de ser muito ponderada”.

O futuro da geminação

O estreitamento da ligação entre Leiria e Tokusima passa pela aposta em iniciativas concretas que envolvam a comunidade e que possam trazer benefícios para ambas as partes. Ainda que o elemento financeiro seja fundamental, existe a vontade de promover todos os anos a viagem de um grupo cultural à cidade irmã.

“Temos de ir mais além do que as meras cerimónias oficiais e passar para o terreno, com o envolvimento dos agentes da sociedade civil em áreas tão diversas como o associativismo, o ensino, a saúde, a cultura e a economia”, assegura o presidente leiriense.

Em 2019, Leiria e Tokushima irão comemorar 50 anos de geminação. “Não há ainda nada em concreto. Apenas ideias cuja viabilidade necessita de ser discutida”, afirma Raul Castro. O novo embaixador do Japão em Portugal, Jun Niimi, foi recentemente recebido pelo município de Leiria. O objetivo é claro: organizar conjuntamente o 50º aniversário. Ainda não sendo possível adiantar informações sobre uma efeméride cujo programa está em elaboração, Castro assegura que um dos principais objetivos será o fortalecimento dos laços de amizade que se têm vindo a desenvolver ao longo dos tempos.

Texto: Adriana Silva, Ana Palheiro, Andreia Rodrigues e Catarina Rodrigues

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