Mr. Sunshine — O Último Pôr-de-sol de Joseon

Uma história de amor, guerra e emoção.

Adriana Silva
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10 min readApr 11, 2020

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Mr. Sunshine lembra uma epopeia, com os seus temas históricos, os seus acontecimentos grandiosos e as suas personagens heroicas. E como em qualquer epopeia, valoriza as ações de um povo, o povo de Joseon. A história da Coreia atual é marcada por uma sucessão de derrotas, mas apesar de ser considerado “um país fraco”, teve um povo que sempre lutou por ele — esta história vem mostrar a força de caráter, a bravura e o patriotismo dos coreanos na época em que a dinastia de Joseon chegava ao fim.

Um dos meus doramas favoritos, definitivamente o favorito do momento, fez-me embarcar numa viagem rumo ao início do século XX, para a cidade de Hanyang (nome dado à Seoul atual), onde a mistura de ocidental e oriental, com as inovações tecnologias a introduzirem-se no meios dos costumes do povo coreano, tem o seu quê de exótico, e os assuntos políticos tornam o ambiente tenso, mas ao mesmo tempo excitante.

Com uma fotografia belíssima, uma trilha sonora que nos leva ao momento da história, uma direção que nos entrega um produto final incrível, e uma edição impactante, pode-se dizer que os cerca 36 milhões de dólares investidos na produção da série foram bem empregues.

O dorama conta as histórias de cinco personalidades distintas — uma nobre coreana, um americano que nasceu em Joseon, uma mulher de Joseon que se tornou japonesa, um filho de talhantes que pertence à Sociedade Musin e um nobre coreano — que têm mais em comum do que o que se pensa e assumem um papel proeminente na resistência contra o domínio japonês em Joseon.

No seu primeiro dia de estreia, Mr. Sunshine registou níveis altos de audiências (8,9% a 10%), tornando-se no dorama com maior audiência durante a estreia numa emissora privada. Continuou a marcar taxas altas ao longo da série, subindo para os impressionantes 18,1% e 21,8% nos últimos dois episódios.

Contexto Histórico

Apesar de a série contextualizar toda a ação, deixa de fora muito dos acontecimentos que têm lugar nesse período, pois o foco está no desenvolvimento das personagens.

A história decorre na altura em que Joseon está prestes a perder a sua soberania para o Japão. Tem início em 1871, quando os americanos realizam uma expedição na Coreia e é travada a batalha da Ilha Ganghwa (uma cena que apresenta algumas das personagens mais importantes — o rei ainda jovem e o artilheiro Jang). É nessa altura que Eugene, um dos protagonistas, foge para os Estados Unidos.

Cenas da batalha de Ganghwa, onde o artilheiro Jang ainda jovem nos é introduzindo.

O Tratado de Ganghwa, assinado em 1976 entre Joseon e Japão (e como consequência da derrota contra os americanos cinco anos antes), é um dos acontecimentos referidos na história. Trata-se de um tratado de amizade celebrado entre os dois países que conferiu grande poder e influência ao Japão, servindo-lhe como a porta de entrada para mais tarde intervir nos assuntos de estado de Joseon.

Mas recuando mais atrás para perceber como chegámos a esse momento, temos o ano de 1854, quando o Japão adota uma política imperialista ao ver-se forçado a abrir as suas portas ao Ocidente. Humilhado pelos tratados desiguais e temendo perder a sua independência e integridade para as potências imperialistas, o Japão passou por uma profunda transformação, tornando-se num país industrializado. Enquanto procurava expandir as sua fronteiras, escolheu como principal alvo a Coreia, pelas suas terras e recursos como o minério e carvão.

A ação principal da história tem lugar em 1902, ano em que Eugene regressa para Joseon como membro da legação americana (missão mantida por um determinado governo em um país onde ele não possui embaixada).

Depois de pesquisar mais sobre os antecedentes da história, percebi melhor as motivações das cinco personagens principais: Eugene Choi/Choi Yu Jin, Go Ae Shin, Gu Dong Mae, Kudo Hina/Lee Yoo Hwa e Kim Hee Sung. O que leva estas personagens e outras a arriscarem a vida para salvar a pátria não tem só a ver com simples patriotismo. O sentimento de injustiça, de saber que o seu país estava nas mãos dos inimigos e ninguém do poder fazia nada fê-los lutar até ao fim.

O conflito de identidade das personagens

Filho de escravos, Eugene foge para a América em criança, tornando-se num cidadão americano quando entra para o exército. Apesar de rejeitar a sua identidade como coreano, por onde quer que passe chama a atenção. Para todos os efeitos, ele será sempre um estrangeiro. Mesmo quando regressa para Joseon como cônsul da legação americana, ele é referido como “o americano que é com um de nós”.

Quando conhece Ae Shin, ele vê-se a usar o seu estatuto de americano para ajudar na causa de Joseon. Ela é o seu completo oposto, nobre e patriota, está disposta a pegar numa arma e matar o inimigo para defender o seu país — país este que Eugene despreza, pois nasceu escravo nele.

Protegido pelo poder da grande América, ele vê-se várias vezes a ajudar o país que o rejeitou, alegando ser para benefício próprio ou para benefício das pessoas de Joseon com quem ele agora se importa.

Ae Shin e Eugene vivem um amor impossível. Separados pelas origens e com ideais diferentes, eles continuam a convergir em direção um ao outro, sem esperar nada, apenas com o desejo de sentirem uma paixão que é tão bonita quanto avassaladora.

O desenvolvimento do romance entre os protagonistas é um dos pontos principais da história, com falas que parecem poemas de tão tocantes e olhares que transmitem todos as emoções e nuances que é suposto sentirmos. Os atores Lee Byung Hun (Eugene) e Kim Tae Ri (Ae Shin) não podiam ter feito um melhor trabalho em mostrar-nos como é amar alguém tanto, que chega a doer.

Ao longo da narrativa, aparecem opositores a esta bela história de amor, como é o caso de Go Dong Mae (Yeon Seok). O percurso de vida desta personagem é em muito semelhante ao de Eugene. Nasceu numa das classes mais baixos da Coreia, os talhantes, vendo os seus pais serem humilhados apenas por ganharem a vida daquela forma. Fugiu para o Japão para escapar à morte com a ajuda de Ae Shin, quando era novo e entrou para a Sociedade Musin, uma das máfias mais poderosas do Japão. Quando voltou para Joseon, tornou-se numa espécie de mercenário, disposto a ficar do lado de quem oferecesse mais dinheiro.

É talvez a minha persoangem favorita.

A relação dele com Ae Shin é complicada de explicar. Ele é como o cão que morde o próprio dono. Sente para com ela um sentimento de dívida que se transforma num sentimento de paixão platónica e até obsessiva. Mas Go Dong Mae não sabe lidar com sentimentos como a compaixão e tem dificuldade em demonstrar o que sente. Tal como as outras personagens, ele vê-se dividido entre abandonar o país que o escorraçou e ajudá-lo.

A dona do Hotel Glory é uma das personagens mais misteriosas. Naquele tempo era raro ver uma mulher à frente de um negócio. E Kudo Hina (Lee Yang Hwa é o seu nome coreano) excedia-se não só por isso, mas também por não estar casada (já que era viúva) e vestir-se de forma arrojada, adotando o estilo ocidental. Ela também tem a sua identidade em conflito pois nasceu coreana e foi obrigada a casar-se com um japonês.

Kudo Hina pode parecer egoísta e focada nos seus próprios interesses, mas esse é a apenas o seu instinto de sobrevivência. Assim como os outros, ela está do lado certo e usa a sua inteligência e astúcia como armas principais. Algo que é admirável nesta personagem é o seu senso de justiça. Em vários momentos da série, ela aparece como a defensora das mulheres.

Ela é bastante arisca e cínica, mas isso é que lhe confere graça.

Demorei algum tempo a simpatizar com Kim Hee Sung, interpretado por Byun Yo Han, um ator que eu desconhecia até à data. Ele regressa do Japão, onde esteve a estudar e a “laurear”, por volta da mesma altura em que Eugene vem para Joseon. É o noivo prometido de Ae Shin e, assim como todos os outros homens na vida dela, fica encantado assim que a vê. Surge uma rivalidade natural entre ele, Eugene e Gong Mae que proporciona momentos de alívio cómico, já que ao mesmo tempo que se odeiam também nutrem um sentimento de respeito empatia uns pelos outros.

Kim Hee Sung aparenta ser um nobre mimado e despreocupado num primeiro momento. Mais tarde é nos revelado os seus verdadeiros sentimentos. Ele carrega a culpa das ações da família. O seu avô era a pessoa mais rica de Joseon e usou o seu poder de forma injusta, causando muitos mágoas antes de morrer, incluindo a Eugene, que teve de fugir por causa dele. Por não querer seguir os passos do avô, Kim Hee Sung tem dificuldade em descobrir quem é e o que quer fazer.

Ao contrário de Ae Shin, ele acredita no poder da pena, no poder da escrita.

Guns, Glory and Sand Ending

As primeiras palavras que Ae Shin aprende em inglês, numa tentativa de se aproximar de Eugene, são armas, glória e final triste. De alguma forma estas palavras descrevem na perfeição a sua história.

Ae Shin decide que quer aprender a usar uma arma ao invés de uma pena ou agulha. Ela não acredita no poder das palavras, mas no poder do fogo. Começa por aprender a situação em que a sua pátria está mergulhada através dos jornais. Os inimigos estão por todo o lado. Japoneses, Americanos, Franceses e Russos, todos eles querem um pedaço da Coreia. E todos eles se tornam alvo do Exército Justiceiro, o que restou da resistência e da qual Ae Shin faz parte. Mas a luta de Ae Shin e de todos o que ainda esperam poder salvar Joseon é inglória quando há tantos que desejam ver o país dela cair.

As cores e as estações comunicam connosco ao longo da história. As cenas iniciais decorrem no Verão, marcando intensidade e ritmo, ritmo esse que diminui quando a história continua, passando para o Outono, com a apresentação das personagens. No Inverno, segue-se um período de maturação das personagens. Vem a Primavera e as flores das amendoeiras caem. Sabemos que o clímax da história está perto. No Verão, em cenas de pôr-de-sol deslumbrantes, somos bombardeados pela emoção.

Um dos pontos mais fortes do drama é sem dúvida a fotografia.

Notas finais

A qualidade do texto, a interpretação dos atores, a fotografia, que eu tenho de voltar a referir, os elementos cómicos que convivem de forma tão harmoniosa com o drama, tudo isso torna fácil ver os mais de 70 minutos de cada episódio. Fiquei agarrada à tela o tempo inteiro. Por vezes chorei, outras vezes ri e ainda houve alturas em que desesperei. Não quis deixar que nenhum pormenor me escapasse. Ver este dorama assemelhou-se a uma jornada de aprendizagem pela história coreana, uma história sangrenta e injusta, mas que deve ser conhecida.

A série pode ser vista na Netflix, que detém os direitos exclusivos. Deixo o trailer em baixo para terem um gosto do que vos pode esperar.

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