Parasitas, Microhabitat, Joker e Beautiful Boy

Quatro filmes que não me saem da cabeça.

Adriana Silva
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9 min readMay 30, 2020

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No fim de semana do Dia da Mãe, vi mais filmes que no último ano inteiro. Eu gosto de ver filmes, mas para ser sincera, nem sempre tenho a disponibilidade emocional necessária. Como a minha irmã veio passar o fim-de-semana a casa, aproveitei para tirar o atraso e eliminei alguns filmes da lista.

Parasitas, Microhabitat, Joker e Beautiful Boy foram os filmes eleitos. É engraçado, porque há uns anos teria posto esses filmes de lado; demasiado dramáticos, diria eu. Só que agora, não busco apenas por conforto nas histórias, busco por inspiração, lições de vida e mensagens marcantes.

Os filmes que vi falam sobre pobreza, ordem social, vício e saúde mental — temas que parecem não estar relacionados entre si (e não estão), mas que me dizem muito, porque me revejo de alguma forma em cada um deles.

Enquanto os via, senti-me envolvida pelo manto da realidade cruel, uma realidade tão próxima de nós, mas que tentamos a todo o custo esquecer. Todos nós estamos mais perto da miséria, da loucura e da doença do que imaginamos. É isso que estes quatros filmes transmitem.

Começo pelo filme “Parasitas”, o primeiro que vi. Quase toda a gente já o viu ou ouviu falar dele. A longa-metragem ganhou vários Óscares e foi muito aclamado pela crítica, por isso não podia deixá-lo de lado.

O que mais me marcou no filme foi o sentimento de desconforto que permaneceu comigo, ainda depois de o ter terminado. Através de simbolismos e de uma cinematografia brilhante, é criticada a distinção entre classes — os Kim vivem numa cave a cheirar a mofo, com vista para um beco onde os bêbados costumam ir urinar, já os Park vivem numa mansão luminosa, com um grande jardim.

Há uma cena em que os próprios Kim se comparam a baratas e depois vemo-los a comportarem-se como tal, como baratas que se escondem quando a luz se acende, e correrem para locais fundos e escuros. Quanto aos Park, eles são o retrato dos esnobes da sociedade.

Mas não foi a crítica à divisão de classes e à miséria oculta que me provocou desconforto. Foi o facto de ter simultaneamente reprovado e simpatizado com a família Kim. Dei por mim a pôr-me no lugar deles. Seria capaz de fazer o mesmo se estivesse numa situação semelhante?

Colocando a hipocrisia de lado, todos nós somos capazes de cometer atos moralmente questionáveis quando nos vemos numa situação de desespero.

Talvez não tenhamos a astúcia, ou a coragem da família Kim, mas tal como eles, colocamos sempre a nossa sobrevivência, sucesso e bem-estar em primeiro lugar.

Não há vítimas nem culpados em Parasitas. Assim como não o há na Natureza. No filme, há apenas presas e predadores que lutam pela sobrevivência. Podemos julgar um leão que mata as suas crias? Não, porque na Natureza não existe a noção de bem ou mal. É tudo uma questão de sobrevivência, da lei do mais forte.

O segundo filme é também sul-coreano. Lançado em 2017, “Microhabitat” conta a história de Misoo, uma rapariga na casa dos 30’s que está disposta a abdicar de tudo menos dos seus cigarros, uísque e namorado.

Este foi outro filme que se surpreendeu. Os dramas coreanos que vejo normalmente não retratam a realidade da Coreia de forma tão crua e honesta.

A personagem principal, Misoo, é empregada a dias e não ganha quase nada para sustentar os seus vícios, então decide deixar de pagar o aluguer do pequeno espaço onde vive e vai pedir moradia aos seus antigos amigos de universidade. Torna-se evidente nesse momento que o rumo que ela tomou é bastante diferente do padrão.

A expressão microhabitat significa um habitat de pequena extensão que difere do ambiente envolvente. No filme esta expressão é uma alusão a um sítio onde nos podemos abrigar, não no sentido figurativo, mas como um símbolo de algo que nos conforta e, sem o qual, acreditamos que não conseguimos sobreviver (pelo menos foi esse o significado que retirei).

Para Misoo, o seu microhabitat são os cigarros, o uísque e o namorado. Ela anuncia orgulhosamente ao mundo que esses são os seus prazeres.

Para os amigos dela, o seu microhabitat são a família, a casa e o trabalho. É nesse ponto que ela e os amigos chocam. Eles entendem que ela deve deixar de priorizar os seus vícios para levar o tipo de vida que a sociedade prega.

Com a ajuda da minha irmã, percebi aonde o filme queria chegar com isso. Misoo escolhe tornar-se numa sem-teto por escolha própria. Ela poderia deixar de gastar o dinheiro dos cigarros e do uísque e pagar uma habitação, mas ela está determinada a permanecer fiel a ela mesma. Ela está a lutar contra o sistema. Para ela, não faz sentido seguir o tipo de vida que os seus amigos levam, na qual eles se sentem miseravelmente infelizes, presos a uma fachada, seja a de um casamento perfeito, da solidão de uma casa vazia ou de um emprego de sonhos.

Por outras palavras, ela não quer ficar presa às responsabilidades que transformam as vidas da maioria das pessoas num inferno. E quem a pode culpar?

Mais um filme, lançado no ano passado e vencedor de Óscares, a fazer parte desta lista é o “Joker”. Não só por ser fã de comics, mas também pelas críticas positivas que o filme recebeu, estava decidida a vê-lo.

O filme foi feito a pensar no estudo e desenvolvimento de uma personagem, que só mais tarde se veio a decidiu ser o Joker. Essa foi a visão de Todd Phillips, o diretor do filme. Ele imaginou a história já com Joaquim Phoenix em mente, uma escolha que acabou por se concretizar e que contribuiu certamente para o sucesso de Joker.

Joker é um filme de suspense psicológico, baseado na personagem de mesmo nome da DC Comics. Conta a história de Arthur Fleck, um aspirante a comediante de stand-up que não suporta as constantes humilhações e fracassos a que a vida o submete e acaba por criar um alter ego, transformando-se no Joker.

Arthur vive sozinho com a mãe. Não tem amigos nem ninguém que se preocupe com ele. Na verdade, a sua presença incomoda muitos. Ele ganha dinheiro a fazer performances como palhaço e é frequentemente assediado e agredido no trabalho. Desde o primeiro momento, torna-se evidente a vida difícil que leva.

Apesar de tudo isso, tive dificuldade em emocionar-me com esta personagem. Talvez por Arthur não ser a típica personagem séria e contemplativa que estamos habituados a ver — ele tem síndrome do riso, o que o faz lidar com a tristeza e a dor através de gargalhadas.

No entanto, quando parei para analisar melhor Arthur Fleck, percebi o peso dramático desta personagem. Ele representa uma minoria, que por ser minoria é alvo de descriminação e desprezo — o grupo dos doentes mentais.

Ele escreve no seu diário que ninguém se iria importar com a sua morte, e que as pessoas normais esperam que os doentes mentais ajam como se não tivessem qualquer problema. Essa parte tocou-me.

No que esta personagem difere de muitas outras, é que ele escolhe ver a desgraça na sua vida sob a perspetiva de uma comédia. Tal como ele ri em vez de chorar, ele decide achar graça à tragédia. É dessa forma que ele segue a vida do crime e se torna no Joker.

No filme, o Joker é muito mais do que um bandido, ele é um símbolo das minorias, dos ‘palhaços’ da vida. Eu falo por mim quando digo que dá prazer ele transformar-se nesse alter ego, ao invés de escolher o caminho mais fácil e dar o prazer aos outros de terminar com a sua vida.

Podemos dizer que a mensagem do filme é positiva? Talvez não. Mas que satisfaz, satisfaz.

Por último, quero falar sobre o “Beautiful Boy”, um filme que me pôs à beira das lágrimas.

A longa-metragem é inspirado nas vidas de David e Nic Sheff (respetivamente pai e filho) e na obra homónima (Beautiful Boy) escrita pelo primeiro, que narra a luta contra a toxicodependência do filho, numa montanha-russa de tentativas de recuperação e várias recaídas.

O que mais me comoveu no filme foi a persistência de David. Creio que todos os pais estão dispostos a fazer de tudo para salvar os seus filhos. Desde o primeiro momento em que eles nascem, os pais prometem amar e protegê-los até ao fim. Mas o vício das drogas, que destrói tantas famílias, ameaça quebrar esse juramento. É isso que David acaba por perceber.

Apesar de ele querer tanto ajudá-lo, de estar disposto a gastar quanto tempo, dinheiro e recursos forem necessários, tudo depende em última instância de Nic. Só ele pode ajudar-se a ele mesmo. Só ele pode decidir que quer ficar bem. Mas como pode um pai simplesmente desistir do seu filho? Essa é talvez das escolhas mais cruéis.

Entender o lado de Nic também é fundamental. Como chegou ele a esse ponto? Como um rapaz saudável, inteligente e com pais que sempre o apoiaram em tudo, enveredou por esse caminho? Em algumas cenas do passado, vemos que Nic apesar de aparentar ser do tipo extrovertido, tinha tendência para se isolar e sentia-se desconfortável quando estava rodeado de pessoas.

Isso é ainda mais evidente nas fases de recuperação. Em certas alturas, ele voltava a sentir-se estranho, como se não pertencesse entre o grupo de amigos e entre a família. Era então que voltava a recorrer às drogas, buscando por uma sensação de ‘normalidade’, por apaziguamento, algo que lhe desse sentido no meio ao seu caos interno, ou simplesmente o fizesse esquecer disso.

Ainda há bastante preconceito em relação às pessoas viciadas em drogas. O que uma personagem como Nic mostra é que não tem nada a ver com estatuto, dinheiro ou educação. Tem mais a ver com uma questão de sentimentos. A maioria das pessoas que entram no mundo das drogas procuram preencher o vazio que sentem, e não se viciam porque são fracos, mas porque estão cansados de ser fortes e de fingir que está tudo bem.

Vou ficar por aqui. Não estava à espera que o texto ficasse tão grande. Parece que afinal tinha muito para falar, e não é para menos. Todos estes filmes carregam em si uma grande complexidade e emoção. Espero que os vejam quando tiveram oportunidade, caso ainda não tenham.

Se gostaram, deixem feedback :)

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