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Memórias de uma fotografia analógica

Erik Nardini
About photography
4 min readSep 11, 2013

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Por Erik Nardini *

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Quando George Eastman fundou a Kodak em 1.888 – aproximadamente 100 anos antes do meu nascimento – o mundo mudou. “Agora você pode tirar suas fotos sem a necessidade de um fotógrafo profissional”, dizia o discurso de marketing que alçaria Eastman ao sucesso por muitas gerações. De salas de espetáculo nas noites de gala do Oscar até os spots mais caros da Times Square. Eastman cometeu suicídio em 14 de março de 1.932 com um tiro no coração.

A Kodak, inovadora como poucas outras empresas legitimamente americanas, desfrutou de um boom mercadológico. De um lado, possuia bons engenheiros. Ousados, introduziram o filme em rolos substituíveis. Deu certo. De outro lado, dispunha de caixa positivo. Ouso comparar a Kodak do século 19 à Apple do século 21, respeitadas as devidas proporções.

Ah, Kodak… Usamos muito as suas ‘saboneteiras’ e fomos felizes com elas. Os mais velhos desfrutaram das cores imbatíveis, impecáveis e fiéis do Kodachrome. Respiramos nitrato de prata, emulsões, químicos nas salas escuras. Passamos bons momentos em noir et blanc com os TX e T-MAX.

Ainda que essa história seja bonita, preciso te contar… Você foi traída diversas vezes durante o relacionamento. Que fotógrafo não ousou se engraçar com a nipônica Fuji? O toque violento de Fujichrome PROVIA é lembrado com carinho por uma legião de fãs como um dos mais bem resolvidos filmes já produzidos. Teve também NEOPAN, que morreu em julho de 2013 e, em vida, gerou monocromáticos elegantes. Até hoje me encontro com a inglesa Ilford. Ela tem o charme e o sotaque britânico que eu não abro mão, desculpe pela sinceridade. Mas, Kodak… Chorei quando vocês mataram o melhor diapositivo já produzido. Que Deus o tenha.

Devaneios à parte, esse charme todo acabou. Ou está acabando. Convenhamos, não sou preso ao passado; pelo contrário, consumo tecnologia como consumo café: aos galopes. Sou um feliz proprietário de uma pequenina Canon T3i, de uma Canon 7D e de uma série de objetivas que conseguem captar mais luz que meus olhos conseguem ver. Eu também tenho um iPhone. Eventualmente faço ligações, respondo mensagens, leio e-mails. Mas, no final, vejo meu celular mais como uma compacta decente do que como um comunicador. O Instagram está lá.

Eu sou apaixonado pela fotografia digital. Com ela eu ganho dinheiro, faço um trabalho honesto. Elogiado por alguns, criticado por outros, é verdade. A proporção dos que amam versus os que odeiam é de 70 pra 30 (não vou dizer qual supera qual). Mas a fotografia digital é só paixão, não tem amor. Amor e paixão são diferentes.

A paixão causa tormentas, é conhecida pela urgência e pelo imediatismo. Opa! Será que temos aqui algo em comum com a fotografia digital? A paixão causa ciúmes e inveja. Quantas vezes você não quis ter uma full frame moderninha igual a do seu amigo? A paixão machuca e faz mal.

O amor sabe esperar, é sentimento paciente e dosado de forma quase homeopática, tudo pra não enjoar. Opa! Será que temos aqui algo em comum com a fotografia analógica? Sim, temos. Fotografia analógica é paciente e o máximo que você vai conseguir extrair de um filme são 36 exposições (com variação de 2 ou 3 tiros para mais ou para menos). Quem ama sente ‘ciúminho’, mas esse passa rápido. Amor é feito de dedicação diária e espontânea. Amor é duradouro, atemporal e faz bem.

Onde queremos chegar com tudo isso? A lugar nenhum, eu diria. Não há volta. A fotografia analógica respira por aparelhos. Ainda que a escola das lomográficas esteja resistindo bravamente com um marketing agressivo e uma proposta experimental que me agrada, acho que não terá peito para suportar os altos custos de produção que demandam os filmes. Ainda que suportem, por quanto tempo os laboratórios dedicarão espaço, tempo e mão de obra para revelar filmes? Não sabemos. Seu professor de fotografia pode dizer que sabe, mas ele também não sabe. Não passa de um assustado saudosista, assim como eu ou você.

Agora que já divagamos o suficiente, talvez seja a hora de sair pra fotografar. Prepare-se! Vá até a geladeira, retire a caixinha de filmes que está do lado do alface, arranque o plástico-filme que protege o papelão, abra a caixa. Escolha o filme a dedo. Como está o tempo lá fora? Nublado? Céu azul? Hmm, vamos de ISO 400. Acho que esse Portra bem aqui vai servir. Depois eu conto o resultado, agora vou sair pra namorar.

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* Jornalista formado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) Campinas. Fotografa profissionalmente há 7 anos. Começou a brincar com fotografia aos 9, com as tradicionais ‘saboneteiras’ Kodak, Olympus Pen e Trip do seu falecido pai. Quando não está trabalhando, fotografando ou fazendo as duas coisas ao mesmo tempo, está lendo e escrevendo sobre fotografia.

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Erik Nardini
About photography

Jornalista, Doutorando em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Unicamp. Mestre em Divulgação Científica e Cultural e Especialista em Jornalismo Científico