Rodrigo Queiroz
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4 min readAug 10, 2021

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Gregori Warchavchik e a Casa da rua Santa Cruz
Rodrigo Queiroz

Nascido em 1896 na cidade ucraniana de Odessa, Gregori Warchavchik (1896/1972) inicia seus estudos em arquitetura na Escola de Artes de Odessa em 1912, onde permanece por seis anos. Em 1918 muda-se para a Itália e completa sua formação no Instituto Superior de Belas-Artes de Roma, diplomando-se professor de desenho arquitetônico e arquiteto em 1920. Em 1923, aos 27 anos de idade, desembarca em solo brasileiro para trabalhar como arquiteto da Companhia Construtora de Santos. Estabelece escritório próprio no centro de São Paulo em 1927, mesmo ano em que se casa com Mina Klabin e inicia a construção de seu primeiro projeto autoral: sua residência particular no bairro da Vila Mariana, em um terreno de 13 mil metros quadrados, um dos muitos da região pertencentes à família de sua recente esposa.

Reconhecida como o primeiro exemplar da arquitetura moderna no Brasil, a residência do casal Warchavchik-Klabin notabiliza-se pelo pioneiro uso de soluções que dialogam com as vanguardas modernas no campo da arquitetura e do design, como a eliminação dos ornamentos, resultando em uma superfície uniforme e sem relevos, e o desenho dos componentes do projeto, como luminárias, mobiliário, caixilhos, ferragens e gradis, todos alinhados à abstração geométrica. Essas decisões de projeto demonstram a adesão do arquiteto à vertente construtiva da arquitetura moderna, para a qual o projeto da edificação deve ser compreendido como uma inteligência estética, técnica e social capaz de renovar os hábitos dos cidadãos em todas as esferas da vida.

Ao mesmo tempo em que representa uma radical mudança no paradigma dos desenhos da arquitetura enquanto forma e superfície, assim como dos seus componentes e dos objetos que ocupam seus interiores, a Casa da rua Santa Cruz é a imagem do descompasso entre a disposição moderna do projeto e um ambiente socioeconômico ainda incapaz de fornecer as condições ideais para a sua efetiva realização. Contudo, vale dizer que a aparentemente contraditória fatura artesanal da forma moderna e de seus componentes não caracteriza apenas a residência de Warchavchik. Objetos utilitários projetados por escolas e movimentos como a Bauhaus, o Neoplasticismo Holandês e o Construtivismo Russo também resultam de procedimentos artesanais de fabricação, afinal, a reestruturação da lógica econômica industrial para absorver as demandas do design moderno é apenas mais um item desse “projeto total” que visa transformar o modelo em um protótipo capaz de ser incorporado à produção em larga escala.

Casa Modernista da Rua Santa Cruz (1927)

Warchavchik é um arquiteto estrangeiro e também o introdutor da arquitetura moderna no Brasil. Contudo, vale destacar que é no círculo social paulista, frequentado por intelectuais, escritores, poetas e artistas alinhados ao modernismo, que o profissional se informa sobre as produções de arquitetos cujas soluções serão incorporadas ao projeto de sua residência particular, sendo as principais referências Adolf Loos, Walter Gropius e Le Corbusier (que visitou a casa da Rua Santa Cruz em 1929).

O léxico das vanguardas construtivas europeias também se prestará como base para outros projetos de Warchavchik da mesma categoria realizados nos anos seguintes, como as residências Max Graf (1929), Luís da Silva Prado (1930), Nordschild (Rio de Janeiro, 1930) e a residência localizada na Rua Itápolis (1929), no bairro do Pacaembu, construída em terreno de propriedade da família do arquiteto e que sediou entre os meses de março e abril de 1930 a “Exposição de uma Casa Modernista”, onde foi apresentada pela primeira vez a casa como um modelo integrador de experiências distintas, mas indissociáveis: as artes visuais, a arquitetura, o desenho industrial e também o paisagismo, este último ao cargo de Mina Klabin, autora também do projeto paisagístico de sua residência particular, identificado como uma sensível e peculiar transposição para o espaço livre das paisagens imaginárias elaboradas por Tarsila do Amaral em suas pinturas do mesmo período.

A Casa da Rua Santa Cruz transforma em realidade a relação de unidade entre arte e vida, condição inicial para a própria existência moderna. Contudo, tal unidade não se reduz à harmoniosa relação entre as artes plásticas e a arquitetura, mas identifica um ambiente onde arte e vida são indistinguíveis. Apesar das contradições e concessões que marcam a sua execução, nesse projeto de Warchavchik, a arte não assume o frágil papel de “decoro” para a vida. O salto dessa inteligência estética e ética é justamente a ampliação do caráter historicamente contemplativo da arte para os aspectos utilitários da vida, ou seja, para os objetos necessários à sua plena funcionalidade. Nesses termos, entende-se que a condição moderna da arquitetura, e consequentemente da Casa da Rua Santa Cruz, não incide meramente na forma em si, mas na perspectiva de um futuro projetado como modelo para própria vida: a forma, os espaços e os objetos.

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Rodrigo Queiroz
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Architect and Associated Professor of Design Departament to the School of Architecture and Urbanism of the University of Sao Paulo