O QUE EU QUERO MESMO É COMPARTILHAR AGENDAS!

FAZ TEMPO QUE TENHO UM SENTIMENTO DIFÍCIL DE NOMEAR

Fê Chammas
ABRÁÇANA
7 min readApr 17, 2019

--

Tenho um sentimento em mim que sempre tive muita dificuldade em nomear.

Acho que ele começou em agosto de 2007, quando fui fazer intercâmbio, com 16 anos. Sonhei muito com a experiência por anos antes de ir e me mexi para fazer acontecer.

Esse rostinho de 16 anos ainda mora atrás da barba de hoje.

E, quando cheguei lá, me deparei com um vazio.

Fui recebido por uma família querida e atenciosa que cuidou muito de mim.
Fiz amigos rapidamente e tinha rolês sociais com eles.
Estava bem engajado em atividades da escola e conhecia mais gente na mesma situação de intercambista. Mas, ainda assim, sentia um vazio.

Me acostumei a me referir a esse vazio como uma sensação de “quero minha mãe”.

Convivi com essa sensação por todo meu ano de intercâmbio e, depois que voltei pro Brasil, ela não voltou a chamar minha atenção.

Até que me deparei com um sentimento parecido quando viajei por 5 semanas sozinho pelo sudeste asiático. Fui para essa viagem como uma afirmação da minha independência e autonomia.
Eu tinha dinheiro, curiosidade, interesse e disponibilidade suficientes para fazer essa viagem acontecer mesmo se ninguém mais quisesse me acompanhar.
Sonhei, planejei, idealizei.

E, quando cheguei lá, me deparei com um vazio.

Como eu havia planejado, me vi sozinho. Mas, diferente do que eu havia antecipado, dessa vez também me vi solitário.
Trocava com pessoas, sempre encontrava alguém no caminho para visitar uma paisagem, pra conhecer um rolê local ou pra compartilhar uma refeição.
Mas o vazio seguia ali.

Eu interagia com muita gente, mas minha sensação era como se todo mundo que me olhasse nos olhos não soubesse quem eu era. Traduzi e expliquei essa sensação a partir do fato de que ninguém me conhecia e, consequentemente, ninguém me reconhecia naqueles lugares.

Passei a me referir a esse vazio como uma sensação de “quero ser reconhecido pelas pessoas”.

Apesar de difíceis, essas duas experiências foram de extrema importância na minha vida. Percebendo seus impactos em mim, e ainda que com medo dessa solidão inexplicável, comecei a pegar gosto por fazer meus próprios movimentos.

Quando decidi viajar para explorar mais sobre os modos de vida alternativos que me atraem, me dei conta que deveria fazer isso sozinho.

Para encarar essa solidão de frente.

Ao longo da experiência, o que antes era “quero minha mãe” e que havia se tornado “quero ser reconhecido” ganhou a forma de “quero pertencer”.

Descobri a importância de me sentir pertencente aos lugares e comunidades onde estou inserido. Me dei conta do quanto é importante eu estar familiarizado com as rotinas, ter meus lugares favoritos a que gosto de ir, saber do que tá rolando socialmente na cidade e poder me mexer com autonomia até esses lugares.
Além das características dos lugares, comecei a relacionar meus próprios comportamentos e posturas emocionais ao meu sentimento de pertencimento.

Compartilhamos muita agenda.

Servir e me engajar em atividades cotidianas foi algo que descobri ser chave para eu me sentir pertencente. Me abrir ao que os espaços oferecem, mais do que ficar esperando que minha ilusão ideal sobre o lugar acontecesse, também é imprescindível.

Todas essas sensações e aprendizados aconteceram em lugares outros que não minha casa, em situações nas quais eu me vi inserido em contextos que não eram meus de origem e nos quais eu não tinha minha estrutura afetivo-emocional me acompanhando.

Voltei pra São Paulo há cerca de 6 meses depois de quase 1 ano e meio de viagem. Pretendia ficar por aqui um tempo para me conectar com o pertencimento e o acolhimento emocional que só o combo família, amigos de longa data e lugares que frequentei por bastante tempo podem proporcionar.

Logo que cheguei, me envolvi em um relacionamento amoroso à distância que já tinha uma semente desde antes de eu viajar para fora do Brasil.

Aí, claro, canceriano que sou, coloquei uns 102% da minha energia nisso — em sonhar movimentos para estarmos mais perto, em planejar possibilidades de vida mais próximo da terra, em buscar uma vida mais singela, algo que São Paulo basicamente impossibilita.

A vida se desenrola da maneira que deve. Acabou que terminamos recentemente o relacionamento amoroso e fui acometido por uma sensação por lado familiar e por outro bem estranha.

A parte familiar é o vazio que já senti em outras experiências pelo mundo.
A parte estranha é que eu não esperava me deparar com esse vazio na cidade que tenho chamado de casa nos últimos 10 anos.

O CLARÃO

Foi num domingo à noite, conversando com mermão sobre a vida, que ele me deu um clarão de presente.

Contando uma história, ele soltou a seguinte frase: “quando eu estou em um relacionamento amoroso, eu passo a compartilhar agendas com a pessoa…”.

NÚÚÚH!

Não consegui nem continuar a conversa.
Fiquei parado ali, naquele ponto.
Ele tentava avançar e eu voltava pra ele.

“Quero minha mãe”, “quero ser reconhecido” e “quero pertencer” sempre foram e são, no nível mais prático da coisa, “quero compartilhar agendas”.

O vazio que tô sentindo ao voltar pra São Paulo tá diretamente relacionado a isso.

Já não moro mais aqui há quase dois anos. Antes disso, tive uma agenda intensamente compartilhada com minha ex-companheira por 3 anos. Além desse tempo fora, a galera com quem mais convivi e criei laços durante todos os anos em Sampa não está fazendo os mesmos movimentos que eu.

Sem um relacionamento amoroso, me dou conta de que a agenda de coisas que tenho buscado estudar, aprender e me envolver não está compartilhada no dia-a-dia com pessoas com quem tenho laços afetivos não românticos.

É todo um mundo novo acontecendo ao mesmo tempo.
Duas coisas me chamam a atenção aí:

PRIMEIRO

O quanto eu busco esse compartilhar de agenda em relacionamentos amorosos. O quanto sonho e idealizo uma caminhada junto com uma parceira que esteja afim de desbravar os mesmos (ou ao menos relacionados) desconhecidos que eu.

Não acho isso ruim, de forma alguma. Pra mim, grande parte do companheirismo amoroso-romântico-sexual realmente passa por isso.

O que me liguei é que parte da minha busca amorosa é para fechar aquele vazio que identifiquei em 2007 e que, quando encontro uma possibilidade, tenho a tendência de fechar a grande maioria dos meus outros compartilhares de agenda para que este um compartilhar, amoroso-romântico-sexual, floresça.

SEGUNDO

Compartilhar agendas traduz em grande parte — ou integralmente — minha vontade de viver em comunidade.

É isso que eu busco. Gente para conviver junto.

Sonhar novas possibilidades, desenvolver projetos, participar de atividades que nos façam brilhar os olhos.
Dedicar nossa energia vital a construir juntos coisas que tenham significado real pra nós, como coletivo.

Pra mim, essa busca questiona também do modelo de família nuclear, caminho para o qual as estruturas sociais vigentes pressionam tanto. Pois o que tô falando aqui é da possibilidade de construir uma família a partir de sonhos e interesses em comum.

Porque não acredito na ideia de que "no fim das contas, quando envelhecemos, as pessoas que nos sobram são a nossa família (consanguínea)", que já ouvi de um familiar bem próximo. Tem tanta coisa errada com essa frase que nem sei por onde começar.

Fico bem triste quando vejo um exemplo como o da minha mãe, entre tantos outros, que se separou depois de 30 anos de casada e se reinventou de maneira lindíssima, mas ainda sente o peso de estar sozinha porque não tem um companheiro romântico para envelhecer junto.

Compartilhar agendas dessa maneira não-família-nuclear-nem-amor-romântico é algo que preciso de bastante exercício para aprender. Não está na minha programação cultural, porque não cresci com esse modelo, então me vejo replicando o que já está lá no fundinho do meu subconsciente.

Vejo, à distância, pessoas que conseguem viver assim e me inspiro, enquanto dou meus primeiros passos nessa direção.

Desde essa conversa com meu irmão a ideia de compartilhar agendas não sai da minha cabeça. Devo ter falado sobre isso em pelo menos 85% das conversas que tive desde então e em 100% dos papos que duraram mais de 5 minutos (sim, esse sou eu quando gosto de uma ideia).

Comecei a perceber como isso também traduz o desafio de se relacionar de maneira humana que vejo na vida em São Paulo. As coisas são longe; leva-se muito tempo pra chegar nos lugares; em geral, tudo é caro; e a norma é que se dedique muito tempo ao trabalho para gerar dinheiro suficiente para sustentar a vida privada da cidade.

Escutei algumas boas vezes recentemente pessoas aqui por Sampa dizerem que, apesar de estarem conectadas em tudo que é rede — de movimentos ativistas, autoconhecimento, etc. —, se sentem solitárias. Acredito que seja porque o senso de pertencimento que uma comunidade (no sentido amplo da palavra) nos dá acontece quando compartilhamos agenda no dia-a-dia.

Como é que faz, então, pra compartilhar agenda de maneira leve e com um número suficiente de pessoas nesse contexto?

Não sei.

O que sei, nesse momento, é que eu quero aprender compartilhar agendas. E que, ainda que sem essa clareza, já faz um tempão que tô me mexendo pra dar um jeito de aprendê-lo.

--

--