A Igreja como uma Força Política
Peter J. Leithart
Para muitos leitores do livro de Atos, a igreja primitiva parece uma seita antiga, uma contracomunidade alegremente despreocupada com a vida pública. Essa é uma leitura equivocada. Lucas registra conversões individuais e em massa, mas vê a missão da Igreja através de lentes teopolíticas. Com efeito, a Igreja é uma comunhão distinta com seu próprio ethos e suas próprias práticas, mas é também uma força política que abala os fundamentos da vida civil.
Os inimigos da Igreja certamente a veem como uma ameaça ao status quo político, religioso e cultural. No Pentecostes, três mil foram acrescentados à jovem igreja, separados pelo rito do batismo (Atos 2.41) para adotar um novo conjunto de crenças e hábitos: devoção à doutrina dos apóstolos, o partir do pão, a oração e a comunhão, incluindo uma comunhão de bens materiais (Atos 2.42–47). Pouco depois, os líderes judeus em Jerusalém acusam os cristãos de subverter os costumes judaicos (ethe; Atos 6.14), e, à medida que a igreja se espalha pelo mundo romano, os gentios reconhecem que os “costumes” da igreja (ethe) se chocam com o modo de vida romano (Atos 16.21).
Os apóstolos tinham a intenção de desafiar o status quo. Em Filipos, Paulo expulsa um espírito de adivinhação de uma escrava. Privados de seu ganha-pão, os donos da jovem arrastam Paulo e Silas aos magistrados, acusando-os de atacar os costumes da colônia orgulhosamente romana de Filipos. A plebe e os magistrados despem os missionários e açoitam-nos com varas, e os líderes da cidade os lançam na prisão (Atos 16.16–24). Durante a noite, um terremoto abala a prisão, o que leva à conversão do carcereiro e de sua casa. Na manhã seguinte, acabrunhados, os magistrados propõem deixar Paulo e Silas saírem da cidade em paz, porém Paulo o rejeita. Os magistrados permitiram que cidadãos romanos fossem açoitados e aprisionados sem julgamento, e Paulo quer que os magistrados assumam pessoalmente seu erro (Atos 16.35–39). Ou seja, Paulo faz uma reivindicação tão pública quanto o foi a violação. Essa reivindicação tem efeitos a longo prazo. Se os magistrados permitissem que Paulo e Silas pregassem abertamente em Filipos, também tolerariam o grupo de crentes reunido na casa de Lídia (Atos 16.40).
Paulo ganha uma disputa legal e política, mas conquista muito mais. Ele parte deixando uma nova Filipos, que agora permite que um grupo ensine um subversivo Caminho, que, como admitido pelos próprios filipenses, “não nos é lícito receber nem praticar, visto que somos romanos” (Atos 16.21). A mera existência de uma comunidade cristã em Filipos força a cidade a alterar normas públicas.
Deveríamos ver os triunfos dos apóstolos sobre os falsos profetas, os mágicos e os idólatras sob uma perspectiva semelhante. Em Samaria, Pedro e João impõem as mãos sobre os crentes para conceder o Espírito. Simão, um mágico, que “insinuava ser ele grande vulto” e era conhecido como “O Grande Poder de Deus”, propõe pagar aos apóstolos para lhe ensinarem o truque. Pedro repreende severamente o laço de iniquidade e o “fel de amargura” de Simão, (Atos 8.9–24), e este, reconhecendo um poder maior que o seu, implora aos apóstolos por perdão. Pode apostar que Simão perdeu algum prestígio entre os samaritanos após esse incidente. Em Filipos, Paulo expulsa um demônio, e em Éfeso provoca um motim entre os adoradores de Ártemis (Atos 19.23–41). Essas batalhas são espirituais, mas o poder espiritual e o poder político estavam inextrincavelmente misturados no mundo antigo. Mensageiros exóticos da Judeia que vencem batalhas contra mágicos e profetas são uma força política que se deve levar em conta.
O confronto de Paulo com Barjesus em Salamina merece uma menção especial. No início da história, Barjesus está “com o procônsul Sérgio Paulo” (Atos 13.6–7). Ele é um mágico e um profeta da corte, como os magos de Faraó ou os profetas de Acabe, um conselheiro judeu à direita de um governante gentio, como José com Faraó, Daniel com Nabucodonosor e Dario, e Mordecai com Assuero. Quando Paulo repreende Barjesus como “filho do diabo”, Sérgio Paulo se impressiona: “o procônsul […] creu, maravilhado com a doutrina do Senhor (Atos 13.12). Um procônsul romano deixa de ser aconselhado por um certo judeu para ouvir o seu xará. O posicionamento desse episódio na narrativa de Atos é digno de nota. No Evangelho de Lucas, o primeiro sermão de Jesus em Nazaré antecipa toda a sua missão como o Servo de Yahweh, ungido pelo Espírito, anunciado por Isaías (Lucas 4.14–30). Colocada bem no início da primeira viagem missionária de Paulo, a história de Barjesus e Sérgio Paulo também tem força programática. Como Lucas insinua, é disso que se trata a missão de Paulo. O apóstolo dos gentios prevalece sobre os falsos mestres para que os oficiais romanos se submetam à doutrina do Senhor.
Os cristãos hoje debatem se a Igreja deveria se reagrupar em comunidades de virtude separadas, a fim de se preparar para uma evangelização futura (A Opção Beneditina, Rod Dreher), ou buscar transformar as instituições desde dentro (a estratégia de Adrian Vermeule). Em Atos, essas estratégias não são alternativas, nem mesmo conflitantes. São dois elementos da mesma missão; Cristo é ao mesmo tempo contra a cultura e transformador dela. A Igreja desafia e transforma a vida pública precisamente porque confronta o mundo como um povo fiel a outro rei, chamado Jesus (Atos 17.6–7).
Texto Original: “The Church as a Political Force”, por Peter J. Leithart.