Contemplação

Peter J. Leithart

Absalão Marques
Absalão Marques | Portfólio
3 min readDec 10, 2020

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Gravura de Flammarion, L’atmosphère: météorologie populaire

Que é um templo? Etimologicamente, a palavra está ligada à medição, membro de uma família que inclui temperatura, temperamento, tempo. Um templum é uma área medida.

Como o diz David Steindl-Rast (Gratefulness), originalmente, “a área medida não estava sequer no chão, mas no céu”. Com o tempo, templum passou a referir-se a uma edificação ou área sagrada, mas sempre uma que “corresponde àquela que está no céu”.

Tal não era uma correspondência vaga. Steindl-Rast refere-se ao Stonehenge, que foi arranjado para ser tanto um “relógio solar” como um “relógio lunar”. Ele “traduz os ciclos solares e lunares para a arquitetura, o movimento para a concepção, o tempo para o espaço”.

De forma mais simples, Stonehenge, como a maioria dos templos antigos, era “uma pequena porção da terra […] padronizada nos céus”.

O que atraia a atenção dos sacerdotes e adivinhos pagãos não era tanto o templum terreno, mas o celeste. Os sacerdotes examinavam o céu para decidir o que fazer. O templo terreno era importante somente na medida em que lhes dava acesso ao céu.

Tudo isso condiz muito proximamente com a noção bíblica da tabnit, o padrão celeste que guiou Moisés e Salomão na construção de santuários terrenos. Mas parece haver diferenças.

Arquitetos sacros pagãos projetavam os templos terrenos considerando o firmamento do céu; Moisés e Davi, Ezequiel e João, receberam um vislumbre de um santuário celeste de além do firmamento. Os templa bíblicos são projetados de acordo com o padrão do céu dos céus.

Contudo, pode ser útil considerar os santuários bíblicos como espelhos do firmamento. A lógica pode ser algo assim:

  1. Yahweh disse a Abraão que medisse o templum dos céus, e disse-lhe que seus descendentes seriam daquela maneira. Seriam um povo terreno em um espaço terreno correspondendo ao templo dos luzeiros celestes; seriam um povo-templo, incomensurável.
  2. Moisés e Davi, Ezequiel e João, tiveram um vislumbre de além do firmamento, mas o que viram foi o padrão de um povo. Os santuários celestes eram o céu-na-terra; também representavam arquitetonicamente o povo de Yahweh.
  3. Assim, temos três camadas: o original espaço-medido no céu dos céus é refletido no firmamento do céu, e ambos são representados no espaço-medido terreno dos edifícios sagrados.

A discussão de Steindl-Rast sobre o templum faz parte de uma consideração da contemplação, que contém a mesma raiz. Moisés, arrazoa ele, é um contemplativo precisamente em seu recebimento do padrão do tabernáculo:

Moisés “sobe a montanha rumo ao reino mais elevado; submete-se à visão transformadora […] e faz descer ao povo não apenas a lei, mas o plano de construção do templo. Repetidas vezes, a Bíblia enfatiza que Moisés construiu o tabernáculo precisamente segundo o padrão que lhe fora mostrado na montanha. E a lei deve ser compreendida como um tipo de plano segundo o qual o povo deve ser edificado como um templo do Deus vivo. Eles tornam-se pedras vivas erigidas para corresponder à visão de uma ordem divina que, por fim, deve romper com todas as medidas” (p. 65).

Essa compreensão da contemplação rompe a divisão tradicional entre a vida ativa e a contemplativa. A contemplação do padrão celeste revela-se genuína somente quando o templo é construído.

Em suma, “A contemplação une a visão e a ação; ela põe a visão em ação”. Quando nós contemplamos o espaço-medido do céu, somos inspirados a replicá-lo na terra.

Quanto mais profundamente contemplamos, tanto mais embriagados somos pela beleza da cidade celestial, tanto mais insatisfeitos nos tornamos com a cidade terrena e tanto mais enchidos somos do ardor do Espírito, de ver o céu na terra.

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