Discipulado Mariano

Peter J. Leithart

Absalão Marques
Absalão Marques | Portfólio
3 min readDec 28, 2020

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Mosaico Bizantino do século IX, Hagia Sophia

Maria, e somente Maria, acompanha Jesus por toda a Sua vida. Ela concebe Jesus quando o Espírito desceu sobre ela, e dá à luz em Belém. Com José, escapa para o refúgio seguro do Egito. Ela cuida de Jesus quando retornam a Jerusalém.

Maria está com Jesus durante a Sua infância, adolescência e no início da fase adulta. Sabe de Seu ministério, e está entre os familiares que tentam encontrar Jesus (Mateus 12.46).

Ela vai com Jesus até à cruz (João 19.25–27), espera junto à Sua sepultura (a “outra Maria”, Mateus 27.61) e está entre as primeiras testemunhas de Sua ressurreição (Mateus 28.1). Está com os discípulos que recebem o Espírito no Pentecostes (Atos 1.14).

Em todos os momentos cruciais, a Mulher está com a sua Semente. Advento, Natal, Semana Santa, Sexta-Feira da Paixão, Páscoa e Pentecostes tanto honram o Filho quanto comemoram Maria. A humanidade de Jesus é de Maria, e Sua vida é também a dela.

Isso não se aplica a ninguém mais. José pode ter estado vivo no tempo da morte e ressurreição de Jesus, mas não faz aparição alguma depois da infância de Jesus (Mateus 1–2). Há um José junto à sepultura de Jesus, mas não o seu pai.

Os discípulos também não acompanham Jesus por todo o caminho. Não cumprem nenhum papel conhecido em Sua infância, e, o que é mais significativo, abandonam-no no Getsêmani, e não se reagrupam até a ressurreição.

Somente Maria está com Jesus durante a vida, a morte e a vida ressurreta no Espírito. Ela compartilha Seu sofrimento e alegria. A profecia de Simeão é veraz: Uma espada traspassa a alma dela (Lucas 2.35), cortando tão profundamente quanto a lança no lado de Jesus. Mas ela conhece a terrível alegria da Páscoa quando encontra seu Filho em carne glorificada (Mateus 28.8–10).

Sendo assim, é fácil entender como os cristãos católicos e ortodoxos chegaram à sua mariologia. Estende-se a trajetória bíblica: se Maria compartilha tanto com seu Filho, talvez ela compartilhe Sua ressurreição corpórea e esteja assentada com Ele, como Rainha do Céu. Se Maria sofre por seu Filho, talvez sua paixão de algum modo faça expiação. Se Jesus intercede, por que não Maria?

Contudo, essa não é a trajetória do Novo Testamento. Maria está no nascimento, na morte, no sepultamento e na ressurreição de Jesus. Ela está lá no Pentecostes. E então… desaparece. O nome “Maria” aparece apenas uma vez depois do capítulo 1 de Atos (Romanos 16.6), e é outra mulher.

Parece estranho. Maria seguia Jesus até agora; por que ela sumiria repentinamente? Mas a estranheza não é só dela. Praticamente todos os heróis secundários dos Evangelhos e de Atos desaparecem. Pedro deixa o relato de Lucas depois do Concílio de Jerusalém. Paulo chega até Roma, mas Lucas não finaliza sua história de vida.

Isso se deve em parte à progressão natural da história. Maria, Pedro e Paulo vêm, brilham e partem, dando lugar a uma multidão de novos líderes e evangelistas. Missionários vêm e vão, mas a Palavra é propagada.

Há, no entanto, uma razão mais profunda. Ao sumir da narrativa bíblica, Maria, Pedro, Paulo e o resto seguem o caminho que Jesus abriu. Ele é o primeiro a desaparecer, e uma nuvem O encobre “da vista deles” (Atos 1.9). Num último ato de humildade, o Filho encarnado deixa o palco para outros, para o Seu Espírito e para nós.

A partida de Jesus é a precondição da missão da Igreja. A menos que Ele vá, o Espírito não virá. A menos que Ele vá, Seus discípulos não farão as obras maiores que Ele promete (João 14.12).

Assim também conosco: um dia, o mundo terá de seguir sem você. Num dia você estará aqui; no outro, não. Isso acontece com todos, mas nós, cristãos, morremos assim como temos vivido: em Cristo. Prepare-se para que sua vida se encerre com um ato derradeiro de discipulado mariano — um ato de desaparecimento.

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