Crítica — Assunto de Família
Vencedor do Palma de Ouro no Festival de Cannes 2018 e representante do Japão na disputa pelo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, Assunto de Família (Shoplifters) emociona com um retrato simples, porém forte e contundente, de uma família nada tradicional japonesa. Dirigido e roteirizado por Hirokazu Koreeda, o filme explora, assim como outras obras do diretor, as nuances dos vínculos familiares e nos leva em uma belíssima viagem de reflexão introspectiva.
Já na primeira cena o espectador se afeiçoa a dois dos personagens: ao som de uma música descontraída, Osamu (Lily Franky) e seu filho Shota (Jyo Kairi) furtam produtos de um supermercado. É desde então que se pode perceber o tom nada moralista do longa. Devido à trilha, ao óbvio carisma dos personagens e à direção inteligente de Koreeda, não há espaço para julgamentos e as ações ilícitas se tornam divertidas e até justificáveis. Queremos gostar dos personagens e imediatamente o fazemos. Ao voltar para casa, eles se deparam com uma garotinha aparentemente desamparada e, sem relutâncias, levam-a com eles. No cubículo bagunçado e atulhado — concebido com excelência pela direção de arte, — as três mulheres que também moram ali não se demoram em acolher a criança de braços abertos. Assim, Nobuyo (Sakura Ando) passa a desempenhar o papel de mãe da garota, Yuri (Miyu Sasaki), e a relação de afeto entre todos os personagens fica evidente.
Com fortes atuações, principalmente de Ando e de Kirin Hiki, que interpreta a Vovó, o filme trabalha maravilhosamente bem os seus personagens, desenvolvendo “gente como a gente” e criando laços convincentes entre eles. A câmera parada do diretor de fotografia Ryûto Kondô estabelece o tom de constante contemplação e quem assiste tem seu foco voltado para os diálogos bem construídos e para os detalhes sutis das cenas. Em ambientes dinâmicos, o longa se desenrola fluidamente e a narrativa vai se tornando mais profunda e complexa ao longo do tempo.
Apesar do final um pouco corrido e, para alguns, talvez demasiado explicativo, o roteiro é finalizado de maneira inteligente e bem costurada. A aparente simplicidade do filme acaba por revelar um intuito provocador por parte do roteirista, que questiona o verdadeiro significado de família e deixa, nos espectadores mais conservadores, um gostinho de desconforto. Sendo um grande possível concorrente do Oscar 2019, Assunto de Família entrega um prato cheio de sensibilidade e carisma, atingindo excepcionalmente tudo o que propõe.
