Crítica — Nasce Uma Estrela

Caroline Oliveira
Acabou em Pizza
Published in
5 min readOct 11, 2018

O longa mostra as alegrias e as dores da fama, o caminho para chegar lá e o que acontece depois que se chega.

Reprodução: WarnerBros

Dirigido e estrelado por Bradley Cooper, o longa conta com a participação inusitada de Lady Gaga no papel principal. A cantora dá vida a Ally, uma jovem que trabalha em um hotel para pagar as contas e, em algumas noites, se apresenta em um bar de Drag Queens, o único lugar que reconhece seu talento independente da aparência. O grande sonho de Ally é mostrar para o mundo sua música. Paralelamente, conhecemos Jackson Maine (Cooper), um cantor e compositor que tem sua carreira já consolidada, sendo capaz de arrastar multidões para os seus shows. A vida dos dois se cruza no bar em que Ally se apresenta. Jackson fica fascinado pelo talento da garota (e, acredito eu, pela personalidade também).

Jackson reconhece o potencial de Ally, tanto para cantar quanto para compor, e utiliza a sua visibilidade para lançar ela ao estrelato. Entretanto, Jack abusa, frequentemente, do álcool e das drogas, o que torna seu irmão Bobby (Sam Elliot) em uma babá. Ally e Jack se tornam, evidentemente, em um casal, os dois dividem os palcos e a cama. Contudo, em diversos momentos, fica visível uma dependência entre o casal: Ally precisa da confiança, experiência e do aval de Jack para tomar decisões referentes a sua carreira, enquanto que, ao menor sinal de distância (ou de sucesso) da amada, ele desconta suas frustrações na bebida e nas drogas.

Jack funciona como um mentor para Ally, enquanto ela representa seu ponto de equilíbrio ou, pelo menos, aquilo pelo que vale a pena lutar. O cantor faz uma crítica sobre a indústria da música e das letras vazias, que não emocionam nem comunicam nada a ninguém, mas fazem um sucesso estrondoso quando comercializadas pelos produtores certos. Ele relembra Ally da importância da composição das músicas, através das letras é possível dizer aquilo que você sente, aquilo que é necessário ser dito para o mundo. Nem sempre esse mundo está disposto para ouvir, mas, quando ele estiver, é preciso aproveitar esse momento, pois, ele não dura para sempre.

Reprodução: Jornal Jundiaí

Enquanto a carreira de Ally decola e o estrelato bate na sua porta, Maine vê a sua decair devido ao seus vícios. No pior momento de Jack, o amor entre eles fica estampado nas telas. A preocupação de Ally com sua saúde dele é maior que qualquer coisa, inclusive sua carreira. Nesse turbilhão, Ally se dá conta que o estilo musical que adotou não representa quem ela é de verdade. É um estilo extremamente pop e comercial, mas totalmente desprovido de essência. Apesar do título, no decorrer da história, tive a impressão que ela é mais focada nos sentimentos tumultuados do Jackson do que na ascensão da Ally. Os sentimentos dela são expostos em diálogos com Maine, enquanto que, os dele ficam visíveis em momentos em que o ator está sozinho ou acompanhado do seu irmão.

A história é uma adaptação de um filme de 1937, de mesmo nome, transformada para os dias atuais. O roteiro tem um eixo central que poderia ser clichê, afinal quantas histórias têm de uma garota que quer ser uma cantora famosa? Mas, a maturidade dos personagens leva o espectador a torcer pelo sucesso, sem deixar de se comover pelo caminho. As reflexões sobre o estrelato (e o preço dele) são necessárias para os dias de hoje, nos quais a música como mercadoria atua em primeiro plano, enquanto a música como arte é secundária. É preciso resgatar aquilo que tem de mais orgânico na arte: a alma do artista. A fama é apenas uma consequência disso e não a causa.

Reprodução: PapelPop

Cooper faz um trabalho excelente, tanto como diretor quanto ator. Ele transmite todas as instabilidades e excessos do seu personagem. Gaga foi uma surpresa como atriz, ela está totalmente diferente do que estamos acostumados a vê-la. De cara lavada, roupas comuns, franja repicada. Confesso que demorei a reconhecê-la. Nas cenas em que aparece nos palcos, a timidez inicial que ela demonstra é genuína, mas, passado isso, ela brilha ao cantar. Contudo, as cenas que seu lado dramaturgo mais aflora são aquelas com o Bradley. Os dois demonstram uma conexão, até mesmo nos desentendimentos do casal. Eu acredito que os dois serão candidatos ao Oscar, Cooper se não como melhor ator, como melhor direção.

Bradley aposta em planos mais fechados e mais intimistas. A fotografia do filme encanta e remete justamente ao clima dos shows. Mas o ponto alto é certamente a trilha sonora. As músicas encaixam perfeitamente na narrativa e são realmente muito boas. Um filme sobre música não poderia ser de outra forma, aliás. A trilha sonora é outra aposta para receber uma indicação ao Oscar. Ela merece uma atenção especial ao assistir o filme.

Nasce Uma Estrela mostra as alegrias e as dores da fama, o caminho para chegar lá e o que acontece depois que se chega. Um filme sensível que revela as perturbações da alma de um artista e o poder que a música pode ter quando é arte e não mercadoria.

ALERTA SPOILER:

Para mim, fica claro que a inconsequência da fala do assessor de Ally para Jackson teve efeito decisivo no seu suicídio. Jack estava em um momento frágil, em que ele precisava de apoio. Ele recebeu exatamente o oposto disso e o resultado foi trágico. Ally, ao contrário, entendeu que o alcoolismo e o vício em drogas são doenças e devem ser tratadas como tal.

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