Crítica: Pantera Negra

Certamente, Pantera Negra é mais inteligente e maduro filme da Marvel até agora.

Lorenzo Duso
Acabou em Pizza
4 min readFeb 20, 2018

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Desde o início da produção de Pantera Negra, notícias apontavam que o traço de Jack Kirby, ícone do desenho em histórias em quadrinhos e criador do personagem, estava sendo usado como referência para montagem visual do longa. Após seu lançamento, percebemos que isso, de fato, é verdade. Pela primeira vez nos filmes da Marvel Studios, somos apresentados a uma obra que bebe inteiramente do universo das HQs tão amadas pelos fãs, buscando referências, sejam visuais ou sejam de roteiro, para compor, como disse Kevin Feige, o melhor filme do estúdio até agora.

A trama não dá muitos rodeios, sendo simples como a maior parte das tramas dos filmes solos de origem dos heróis. T’Challa, príncipe de Wakanda e o Pantera que vimos em Guerra Civil, deve suceder seu pai, T’Chaka, como rei do secreto país. Em meio a isso, vimos pela segunda vez o personagem de Andy Serkis, Garra Sônica, como o contrabandista de vibranium, metal precioso do reino, só que dessa vez acompanhado pelo vilão Killmonger, brilhantemente interpretado por Michael B. Jordan em uma perfeita redenção pelo seu papel nada marcante de Tocha Humana no último (e fracassado) Quarteto Fantástico. O enredo é simples: o vilão quer o trono para si, pois discorda da maneira diplomática que Wakanda lida com a opressão de seu povo mundo afora.

Porém, é na figura do vilão que o filme ganha o seu maior destaque. Pela primeira vez nesta trajetória de filmes de super-heróis da Marvel, ele ganha mais destaque do que o próprio herói, sendo a última vez que vi isso no famigerado Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan. No próprio prólogo a figura central é a do antagonista, trabalhando todo o seu fundo psicológico para justificar suas ações futuras na tomada do reino. Aqui, todas as suas motivações são humanas, e é até possível simpatizar com seus ideais ou até mesmo entende-los. A questão central é o grande embate sobre a resistência negra: enquanto o Pantera Negra segue uma linha de resistência pacifica para a comunidade, Killmonger mostra toda a sua raiva através da violência, que só os marginalizados sociais conseguem exprimir. É desse choque que nasce a beleza do filme, quase uma referência direta ao choque ideológico entre Marthin Luther King e Malcom X (cujo movimento era justamente os Panteras Negras). Logo, esse é o antagonista mais humano do universo Marvel, ganhando até mesmo do Loki de Tom Hiddleston em atuação e background.

No campo dos efeitos visuais, a fotografia e as cenas de luta são de tirar o fôlego. Os cenários africanos, com destaque para Wakanda, são de uma beleza singular, estampando toda a cultura do continente e mesclando com a tecnologia futurista do país fictício. O dinamismo das tomadas de ação é outro destaque, acompanhando a movimentação frenética do herói. Quanto à trilha sonora, outra dicotomia é notada. Nos momentos em que o foco é o Pantera e seu país, o filme é embalado por músicas mais tribais e com ritmos característicos da cultura africana, enquanto os momentos em que Killmonger rouba a cena são carregados por um ritmo pesado comum do rap de protesto, claramente montando na sonoridade uma dicotomia ideológica já mostrada muito bem pelas atuações.

Pantera Negra pode ser considerado um filme de super-herói, mais um da demanda crescente por adaptações de quadrinhos em forma de blockbusters que estamos fielmente acompanhando desde o primeiro Homem de Ferro, porém seu impacto no público é muito maior que isso. Ao nos apresentar um herói africano e toda a cultura a sua volta, o filme é um banho de representatividade. Logo nas cenas do mundo comum do herói, o país escondido Wakanda, a cultura africana ganha vida através dos figurinos e das tradições tão bem trabalhadas. Além disso, o destaque é o elenco, com atuações impecáveis, não somente dos protagonistas, mas de todo o apoio do herói, principalmente nas figuras femininas, com destaque para Danai Gurira, como Okoye, general de Wakanda, Lupita Nyong’o, como Nakia, uma espiã do reino, e Letitia Wright, irmã do príncipe T’Challa e inventora tão boa quando Tony Stark. Dessa forma, o que era um simples filme de herói tornou-se um manifesto, uma representação daqueles que não são usualmente representados nas telas de filmes de heróis com esse peso.

Assim, o filme resgata toda a ousadia da representatividade, motor da criação do personagem por Stan Lee e Jack Kirby, quando no auge dos anos 60 inventaram um herói negro, cujo nome era referência a um movimento de contestação social. Conseguimos aqui perceber a evolução e o amadurecimento da “fórmula mágica Marvel”, desta vez usada para inovar em todos os aspectos possíveis, ratificando o que Kevin Feige, sendo talvez não o melhor, pois é um páreo duro com outros grandes filmes do estúdio, mas certamente o mais inteligente e maduro filme da Marvel até agora.

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