A esperança dos sem-teto da capital gaúcha

A Ocupação Povo Sem Medo de Porto Alegre, surgida há oito meses segue agregando famílias e se torna ponto de referência na luta por moradia na cidade

Daniel Baptista
Acabou em Reportagem
5 min readJul 4, 2018

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Na madrugada do dia 9 de setembro de 2017, um grupo de aproximadamente 300 famílias organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) ocupou uma região no bairro Sarandi em Porto Alegre. Dentro de um contexto de refluxo dos movimentos sociais na cidade e poucos meses depois da violenta reintegração de posse da Ocupação Lanceiros Negros no centro da capital, a Ocupação Povo Sem Medo nascia na zona norte da cidade acendendo uma chama de esperança na luta dos sem-teto porto-alegrenses.

A ocupação se localiza na esquina da Rua Sergio Jungblut Dieterich com a Rua Severo Dullius, no bairro Sarandi, e é composta, em sua maioria, por ex-moradores das Vilas Dique e Nazaré. ‘‘Ela surge de demandas da população da Vila Nazaré, com a ameaça real de despejo’’, diz Eduardo Osorio, coordenador estadual do MTST-RS. Os moradores da região sofrem desde 2009 com a ameaça de despejo da prefeitura por conta das obras de ampliação da pista do aeroporto Salgado Filho. Mesmo padecendo com o descaso e abandono do poder público, os moradores da Vila têm preferência pela permanência na região, principalmente por estarem habituados e possuírem um sentimento de pertencimento ao local.

Com essa situação, caso ocorra a ampliação do aeroporto e o consequente despejo de milhares de famílias, a ocupação tende a crescer consideravelmente. De acordo com pesquisa realizada pela Ufrgs e acompanhada pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) em 2016, há 2.115 pessoas sem-teto em Porto Alegre

Os aviões que partem e chegam no Salgado Filho fazem parte da paisagem / Foto: Daniel Baptista

Cotidiano

Na ocupação, são servidas refeições coletivas, organizadas pelos líderes do MTST que contam com doações de colaboradores. A ocupação é também um espaço de aprendizado social para os moradores. Dentro da rotina da Povo Sem Medo, estão aulas de formação sobre o funcionamento da sociedade e rodas de debates entre os moradores, promovendo uma politização e criando, como chamam; ‘‘consciência de classe’’. Os moradores sempre buscam participar como podem dessas atividades, a disponibilidade varia com a questão do trabalho e das tarefas internas. Exibições de vídeos de líderes políticos como Guilherme Boulos (pré-candidato a presidente pelo PSOL e maior nome do MTST nacional) e músicas com cunho político de esquerda são comuns nas tardes da ocupação.

O terreno é dividido em 3 setores, em que cada um possui seus coordenadores e uma organizada divisão de tarefas. Moradores e organizadores estão constantemente realizando obras pela ocupação.

Moradores marcam presença nas reuniões e nas atividades / Foto: Daniel Baptista

Moradores

‘‘Fiquei sabendo da ocupação por meio da minha irmã, morava de aluguel com meu marido, mas o preço era muito alto’’, diz Rita Maria, que está há seis meses na ocupação junto com Carlos, seu esposo. Ambos se encontram desempregados no momento.

Com apenas 17 anos, Tiago ajuda ativamente nas tarefas da ocupação e se sente pertencente ao lugar: ‘‘Aqui todo mundo se ajuda. Se ganhar moradia, eu fico’’. O jovem foi para a ocupação junto com seu pai, que estava no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e sua irmã. Os três moram em casas separadas.

‘‘Tínhamos medo no começo, achávamos que era uma invasão, e em invasão tem tráfico… Depois que vi que não era isso’’, diz Leandro, que, junto com sua esposa, Caroline, foi para a ocupação há cerca de dois meses. Segundo eles, depois de todo esse período de convivência, sentem que podem considerar a convivência com os outros moradores como uma família. Ambos não tinham escolha e ficaram sabendo da ocupação por meio da assistência social.

Outros que não tinham opção foram a família formada por Maicon Luiz, Tainara e o garoto Mike, de 5 anos: ‘‘Morávamos de aluguel em Canoas, acabei perdendo o meu emprego e fui avisado pela minha mãe sobre a ocupação, aí viemos ocupar’’, diz Maicon, o pai da família que hoje trabalha com reciclagem. O objetivo deles é conseguir uma moradia e deixar de necessitar de doações.

Tainara, Mike e Maicon Luiz / Foto: Daniel Baptista

Luta e reivindicações

Nota-se nas falas dos moradores que a decisão por morar na ocupação se deu pela completa falta de escolha. Geralmente são pessoas que perderam o emprego, que não tinham mais condições de pagar um aluguel e viram na ocupação a esperança para conseguir uma moradia.

‘‘O nosso método de ocupação não é para apenas sair morando, não é criar moradia precária, é uma ocupação que busca ser provisória para reivindicar que o estado garanta o direito de moradia dessas famílias, que está previsto no artigo 6º da constituição’’, afirma Eduardo Osorio, que mostra a linha estratégica do MTST e como a Ocupação Povo Sem Medo de Porto Alegre se diferencia das demais.

Existe também a possibilidade de se conseguir moradia na própria região da ocupação, pois, caso o local se valorize com o tempo, a negociação com as autoridades pode chegar nesse tipo de mediação.

Para Osorio, a conjuntura política e social no Brasil teve uma mudança nos últimos anos, principalmente com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Antes a negociação com o governo era mais produtiva, principalmente por causa de programas como o ‘‘Minha Casa, Minha Vida’’. Para ele, os severos cortes sociais afetam diretamente a luta por moradia atualmente.

O MTST busca o diálogo com órgãos do estado para que seja resolvido o problema da moradia das famílias, porém sem sucesso até o momento. A Ocupação segue de pé e até então, sem nenhuma ameaça de reintegração de posse.

O que aparece na Constituição Federal de 1988

‘‘Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

(…)

IV — salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

(…)

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(…)

IX — promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

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