Arte

Acessibilidade cultural em cena

Grupo Signatores promove teatro para surdos em Porto Alegre

Luana Schwade
Acabou em Reportagem

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Alice no País das Maravilhas / foto: Fabrício Simões

Caso você tenha a capacidade da audição, imagine como seria se não pudesse ouvir. Qual seria sua opinião sobre seus filmes e séries preferidos se tivesse que assistir sem trilha e efeitos sonoros? Ou, ainda, como seria nunca mais poder escutar sua música preferida? Como seria não poder ouvir sequer a si mesmo e, por isso, ter dificuldades também na fala? Com certeza existiriam diversos obstáculos nas tentativas de comunicação. Muitas pessoas passam por isso todos os dias, e são raras as vezes em que alguém resolve tomar uma iniciativa que ajude, de alguma maneira, a melhorar a qualidade de vida delas. Em Porto Alegre, porém, uma dessas iniciativas foi tomada há oito anos.

O teatro nas escolas geralmente é aproveitado apenas como recurso educativo nas comemorações de datas festivas, mas sua expressividade também se faz presente na Língua Brasileira de Sinais. Foi pensando nisso e nas possibilidades de acessibilidade cultural que o Grupo de Pesquisa Teatral Signatores foi criado em 2010, com o objetivo de investigar o processo de criação da linguagem teatral na cultura surda. Nesses oito anos de existência, o Signatores vem oferecendo oficinas de teatro e realizando a montagem de peças para a comunidade surda da capital gaúcha. Desde então, já foram agraciados com diversos prêmios, sendo o maior deles o Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural (Fumproarte), que presta apoio financeiro a projetos artísticos e culturais. Além disso, quatro peças teatrais já foram exibidas ao público da região metropolitana: Aventuras no Reino Surdo, em 2011; Memória na ponta dos dedos, em 2012; O ensaio de Alice, em 2013; e Alice no País das Maravilhas, em 2015.

Adriana Somacal, a idealizadora do grupo, relata que desde criança se via instigada pela comunicação e expressão de pessoas surdas. “Eu estudava numa escola que ficava na frente de uma escola de surdos, então esse primeiro contato desde a infância me proporcionou essa experiência e essa curiosidade”, diz ela. Depois de anos estudando teatro e trabalhando com surdos, a atual coordenadora geral, diretora e professora-pesquisadora do Signatores decidiu dar início ao projeto. Unindo esforços com Sérgio Lulkin, ator e orientador pedagógico, que já a havia orientado em seu Trabalho de Conclusão de Curso na graduação, e Ângela Russo, pesquisadora, tradutora e intérprete, criou-se o grupo. O nome escolhido vem da união das palavras “signo” e “atores”, fazendo a ligação entre a atuação por meio da Língua de Sinais. Além disso, o prefixo “sign” também faz referência às palavras “signatário” e “signatura”, relacionando-se com a assinatura do ator com seu trabalho. A equipe atual da companhia conta ainda com Augusto Schallenberger, professor-pesquisador, e Daniela Lopes, responsável pelo planejamento cultural, compondo um time de profissionais das áreas da arte e educação.

Prêmios

Ao longo de seus oito anos de existência, o grupo já foi agraciado diversas vezes:

  • Concurso Décio Freitas da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre (2010)
  • Programa Sulgás de Patrocínio Cultural e Esportivo (2011)
  • duas categorias no prêmio “Agente Jovem da Cultura: diálogos e ações interculturais” (2012)
  • patrocínio AGCO Brasil pela Lei de Incentivo à Cultura
  • Fumproarte

Diálogo e determinação

Adriana relata a transparência com a qual as decisões são tomadas dentro do grupo. De acordo com ela, o diálogo é a principal ferramenta utilizada, oportunizando a conversa e a troca de ideias. É também a partir do diálogo que são escolhidas as peças a serem montadas pelo grupo. Cada montagem surgiu de anseios dos próprios integrantes, dos assuntos que mais os interessavam e que despertavam maior mobilização. Escolhido o tema, então, se iniciava o processo de criação. Essa técnica costuma passar pela prática das oficinas, pelos ensaios para o espetáculo em si, culminando na apresentação. Todo o processo dura, em média, dez meses. Ainda segundo o relato da criadora do grupo, ele nasceu a partir de um prêmio de pesquisa. Com isso, eles realizam projetos, oferecem oficinas e desenvolvem sua ideia inicial. Apesar disso, a falta de incentivo também atingiu o grupo: “Nós conseguimos financiamento público pra construir e apresentar as peças de teatro, e nos últimos anos, como os outros grupos, a gente também sofreu com a questão dos cortes orçamentários”, comenta ela. Por essa razão, no ano de 2018, o grupo não está desenvolvendo as oficinas semanais como ocorreu nos anos anteriores, mas a expectativa é de poder retomar a frequência dos encontros.

Além disso, grande parte das leis vigentes que determinam a existência de editais públicos que atendam a demanda da acessibilidade cultural só estão em vigor graças ao esforço de grupos de surdos e da comunidade que, em conjunto, batalharam por elas. Um ponto muito destacado pela pesquisadora, ainda, é importância do envolvimento do público com a iniciativa. Segundo ela, o “boca a boca”, realizado pela plateia, é essencial na divulgação do grupo, pois ajuda no reconhecimento do mesmo pela comunidade surda. Os contatos recebidos são sempre motivo de alegria, e os únicos pré requisitos para se aproximar do Signatores são o comprometimento e a parceria: “A gente acredita em fazer um teatro de qualidade, fazer um teatro que realmente toque as pessoas da plateia, porque, acima de tudo, se uma pessoa vai no espetáculo, assiste a uma peça e se encanta com aquilo, quando ela encontrar um surdo em qualquer outra situação ela não vai olhar pra ele da mesma forma; então esse é o nosso objetivo, sensibilizar pra esse olhar”, avalia Adriana. A motivação dela é, afinal, fazer com que as pessoas criem empatia com os membros da comunidade surda e, consequentemente, desenvolvam uma visão mais humana e respeitosa acerca da condição.

Visibilidade

Datas comemorativas marcam o mês de setembro como protagonista para a visibilidade surda

  • 10/09: Dia Mundial das Línguas de Sinais
  • 19/09: Dia Nacional do Teatro Acessível
  • 26/09: Dia Nacional do Surdo
  • 30/09: Dia do Tradutor e Dia Internacional do Surdo

A surdez ao longo dos séculos

Em sua dissertação de mestrado, Adriana formula um traçado histórico acerca da condição de surdez. De maneira sucinta, ela esclarece a visão da sociedade em relação às pessoas surdas conforme o passar dos séculos. Já no segundo parágrafo, ela contextualiza a situação durante a antiguidade clássica: “Na Grécia e Roma Antigas, a surdez era considerada como a falta da capacidade de pensar. Para Aristóteles, o que caracterizava o ser humano era a linguagem, identificada apenas na fala; logo, aqueles incapazes de falar não eram considerados cidadãos e, em decorrência disso, não tinham quaisquer direitos. Não há registro da Antiguidade de reconhecimento de que os surdos utilizavam alguma forma de comunicação, e apenas os que perderam a audição ao longo da vida eram ainda considerados capazes de pensar, pois podiam falar”.

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Luana Schwade
Acabou em Reportagem

Jornalista pela UFRGS, alumni Universidade do Algarve e apaixonada por cachorros