Do drama ao sucesso: a redenção do Caxias do Sul Basquete

HDL
Acabou em Reportagem
6 min readMay 12, 2018

A equipe gaúcha demonstrou poder de reação ao fazer, no ano seguinte ao seu rebaixamento, a melhor temporada de sua história. A evolução não foi só dentro de quadra, mas também fora dela

Foto: Rodrigo Onzi

O silêncio imperava no Ginásio do Vascão. As lágrimas eram de tristeza. Os dois anos de Novo Basquete Brasil (NBB), principal divisão do basquete no país, trouxeram lições para o Caxias do Sul Basquete. Não se imaginava, porém, que a caminhada do time no torneio seria tão breve. Era uma noite de março de 2017, e a única equipe gaúcha da competição estava rebaixada para a Liga Ouro, equivalente à segunda divisão nacional. Tão imprevista quanto a queda era a manutenção no NBB de 2017/18. E ela aconteceu. Um ano depois do tombo, a ascensão: o Caxias surpreendia ao ficar entre as cinco melhores equipes do torneio.

O Ginásio do Vascão pulsava. As lágrimas, dessa vez, eram de realização. O Caxias Basquete terminou a temporada regular do NBB 10 na quinta colocação. À frente de grandes equipes, como o campeão do NBB 9, Bauru Basket. A eliminação nas quartas de final, no dia 23 de abril de 2018, diante do Mogi, doeu como qualquer outra, mas foi recheada de orgulho. Ao final da partida, em entrevista ao repórter Rodrigo Cordeiro, do SporTV, o ala-pivô Alexandre Paranhos, do Caxias, não segurou o choro. A cena foi comum também entre os torcedores, que acompanharam a reviravolta de perto e foram fundamentais no processo.

QUEDA E ESPERANÇA

Em nenhum momento imaginou-se que o Caxias do Sul Basquete chegaria com facilidade aos playoffs do NBB 9. Também não se pensava que o rebaixamento era uma realidade — até que a ficha começou a cair. Na reta final da temporada de 2016/2017, com quatro vitórias em 24 partidas na competição, era crucial vencer dois dos próximos três jogos para escapar da queda à Liga Ouro. O triunfo no Rio de Janeiro, frente ao Vasco, deu inócuas esperanças à equipe. Pena que os dois duelos seguintes, em Caxias do Sul, não tiveram o mesmo desfecho: primeiro uma derrota dolorida, por dois pontos, contra o Paulistano. O duelo posterior culminou no descenso.

Eduardo Costa, jornalista da Rádio Caxias que já participou de transmissões como repórter e hoje é narrador, sentiu que a situação no NBB 9 poderia prejudicar o futuro do esporte na cidade. “Eu estava no ginásio no jogo decisivo e fiquei bastante ressentido. Com o rebaixamento, provavelmente seriam diminuídas as transmissões dos jogos do time na Liga Ouro — o que seria ruim para o nosso trabalho e para a cidade de Caxias”, destaca. Mesmo brigando do início ao fim, o Caxias não foi páreo à Liga Sorocabana e acabou derrotado por 69x57. O resultado rebaixou o time à segunda divisão.

Sorte é a única palavra capaz de descrever o que ocorreu na sequência. Menos de três meses depois, o Brasília, tricampeão do NBB, anunciou sua desistência da competição. A equipe não conseguiu as garantias financeiras requisitadas e sua vaga foi repassada ao Caxias do Sul. Agora, a luta pela permanência na principal divisão nacional não era mais nas quadras, mas sim fora delas. Técnico e gestor da equipe desde sua fundação, em 2006, Rodrigo Barbosa foi um dos responsáveis por garantir o Caxias no NBB 10. “Os contratos de patrocínio têm datas de término pré-determinadas, então acabamos a temporada sem dinheiro no caixa. Precisamos recomeçar tudo do zero. Após garantirmos os valores, fomos ao mercado e conseguimos montar um grupo novo”, comenta.

SURPRESA DO NBB 10

Com os recursos em mãos, o Caxias do Sul Basquete teve pouco mais de um mês para montar o grupo que disputaria o NBB da temporada de 2017/2018. A reestruturação foi total: oito atletas foram contratados. “A maioria dos clubes contratou jovens e estrangeiros. Isso fez com que vários atletas experientes, de qualidade, estivessem no mercado. Identificamos um perfil para os jogadores e fomos buscá-los”, afirma o treinador Rodrigo.

Com mais de 50% do grupo composto por jogadores novos, o time deve ter demorado até atingir um bom nível de entrosamento. Correto? Não. O primeiro jogo na competição provou isso. Contra o campeão da edição anterior, Bauru Basket, o Caxias fez um jogo homérico e venceu por 70x69. Um dos grandes destaques da partida foi Cauê Borges, que estreava pela equipe caxiense. “A forma como o elenco foi montado nos ajudou bastante. Foi implantado um sistema que favoreceu cada jogador — todos sabiam o que tinham de fazer em quadra -, e isso colaborou com o nosso rendimento”, explica o atleta.

Cauê Borges foi o grande destaque da equipe na competição. Foto: Rodrigo Onzi

Cauê Borges, ala-armador de 27 anos, não foi o destaque somente do primeiro jogo. Ao longo de toda a competição, foi se firmando como o principal jogador da equipe — e também do campeonato. Participou como titular do Jogo das Estrelas do NBB e, para muitos, deve ser coroado como o MVP da temporada (do inglês, jogador mais valioso da liga). “Nos anos anteriores, eu não recebia tanto tempo de quadra. A comissão técnica me deu esse voto de confiança e eu consegui ajudar bastante o time.” Com médias de 16.1 pontos, 4.9 rebotes e 3.4 assistências por jogo, além de dois roubos de bola, não só ajudou como também orquestrou o Caxias em busca da melhor campanha de sua história. E ela veio.

Em relação aos dois últimos campeonatos, respectivamente, o Caxias do Sul venceu sete e onze partidas a mais: foram 16 vitórias em 28 jogos. Nos playoffs, bateu outro recorde da equipe ao varrer a série contra o Botafogo, num melhor de cinco, pelas oitavas de final, vencendo três jogos em sequência. Na eliminação para o Mogi das Cruzes, nas quartas de final, caiu de pé. Levou a série para o quarto jogo ao bater o adversário em São Paulo, mas acabou perdendo em Caxias, no Ginásio do Vascão, por 80x70. Como foi durante o campeonato inteiro, a casa da equipe gaúcha não parou de pulsar por um instante, mesmo depois da derrota. Um reflexo da campanha que vislumbrou até o torcedor mais otimista.

FORÇA DA ARQUIBANCADA

Os gritos de “Caxias, Caxias!” ecoarão na cabeça dos personagens da trajetória vitoriosa do time por sucessivos anos. No Ginásio do Vascão, casa do Caxias do Sul Basquete durante a competição, a equipe foi mais forte: foram 12 vitórias em 16 jogos. Na temporada regular, foram somente duas derrotas. A torcida teve grande papel nisso. “O clima do Vascão influenciou muito. Jogar lá trazia uma energia espetacular à equipe. Sempre que vinham à Serra Gaúcha, os adversários valorizavam a força do Caxias no seu território, ao lado de sua torcida”, comenta o narrador Eduardo Costa, que também destaca que perdeu sua voz várias vezes ao término das transmissões, já que precisava “rivalizar” com o escarcéu feito pelos torcedores.

Vascão, lotado, pulsa com cesta de Alex: cena foi comum ao longo da temporada. Foto: Rodrigo Onzi

Na temporada de 2017/2018, foram 18 jogos em Caxias do Sul — além dos 16 no Ginásio do Vascão, dois foram no Ginásio do Sesi. A média de público foi de 1.140 torcedores por jogo — a quinta maior do NBB. O número surpreende ainda mais se comparado com os do futebol: a S.E.R. Caxias, instituição com 83 anos de história, teve, no Gauchão de 2018, um jogo nos seus domínios com 1.103 espectadores, contra o São Luiz de Ijuí. Ou seja, menor que a média de público, na mesma cidade, de um esporte ainda emergente no país. Ciente do seu papel na comunidade, o Caxias do Sul Basquete realizou projetos de cunho social que obtiveram sucesso. Entre eles, visitas para entregas de doações ao Banco de Alimentos, a casas de repouso e a centros assistenciais.

Para o NBB 11, espera-se um apoio similar da torcida. Outras características da temporada anterior devem ser repetidas. “A experiência adquirida nos últimos anos nos ajudará muito. Vamos tentar manter o perfil de atletas para a próxima temporada e esperamos fazer um bom campeonato. Sabemos do tamanho e da dificuldade do NBB, então vamos trabalhar tão duro quanto nos outros anos”, comenta Rodrigo Barbosa.

O Caxias do Sul Basquete pretende se manter por muito tempo entre os maiores clubes do esporte no país. Após reviravoltas como essa, o objetivo não parece nem um pouco improvável.

Reportagem realizada para a disciplina Fundamentos da Reportagem do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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