Impostos a nós

Quais são e o que devemos esperar em contrapartida dos impostos que recolhemos na sociedade brasileira

Anderson de Andrade Cardozo
Acabou em Reportagem
7 min readMay 21, 2018

--

Quando começamos a adquirir consciência, após o nosso período como bebês reativos, começamos a entender — mesmo que não propositalmente — o conceito de individuo. Começamos a reconhecer determinado individuo como ‘Mãe’, outro como ‘Pai’ e outros como ‘irmãos’, ‘tios’, ‘primos’, ‘avós’, tomamos ciência do coletivo familiar, entendemos o conceito de amizade, e mesmo que o termo contribuinte não se contextualize diante da mente infantil nos primeiros anos do desenvolvimento da mente humana, todos nós, indivíduos em uma sociedade gregária de colaboração mútua, somos contribuintes. Itens como fraudas, mamadeiras, leites especiais, papinhas industrializadas e roupinhas de nenê, — assim como absolutamente todos os itens adquiridos ao longo da vida de um individuo — já possuem incidência de alíquotas de imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), e imposto sobre produtos industrializados (IPI).

Um estado soberano recolhe diversos impostos das pessoas físicas e jurídicas que devem receber em contrapartida serviços públicos como saúde, segurança, educação, transporte, cultura, pagamentos de salários de funcionários públicos, entre outros. Pelo menos no Brasil, a Constituição Brasileira diz que estamos em “um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”. Os impostos, em parte, financiam este Estado que tem a obrigação de nos garantir tais direitos.

Fonte: br.freepik.com

Segundo o ranking da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil é o décimo segundo colocado entre os países com as maiores cargas tributárias do mundo, tendo 34,4% do produto interno bruto (PIB) vindos do recolhimento de impostos. Países com altas taxas de recolhimento tem como característica similar o fato de possuírem índices mais elevados de qualidade de vida. O Brasil, porém, não compartilha destas peculiaridades. O ranking internacional de índice de desenvolvimento humano da Organização das Nações Unidas (ONU), combina três fatores: expectativa de vida ao nascer, o acesso ao conhecimento e o PIB per capita (PPC), tais dados combinados geram o IDH. Nos dados de 2017 das Nações Unidas, a Áustria possui um IDH de 0,885, que é o vigésimo terceiro maior do planeta, o país se encontra na décima primeira posição no ranking da OCDE em recolhimento de impostos, enquanto o do Brasil é de 0,754, número que deixa o país na posição de número setenta e nove no ranking da ONU.

De acordo com um analista no Tribunal de Contas do Estado Rio Grande do Sul, que não quis se identificar. O sistema de tributação brasileiro acaba onerando principalmente os mais pobres. “Em países desenvolvidos, existem sistemas de ‘imposto único decrescente’, aonde as pessoas pagam impostos de acordo com suas rendas, o que cria um sistema mais justo do que o encontrado aqui.” O sistema de imposto único taxa o cidadão de acordo com os seus rendimentos. No Brasil, contribui-se independente dos vencimentos o mesmo montante de impostos em todas as faixas da sociedade. O analista também menciona o fato de que apesar de existir uma Lei de Responsabilidade Fiscal para impedir que os Governantes usem as verbas de maneira irresponsável, a máquina pública ainda é muito cara no País, “O Governo Federal tem gastado, em média, quase 40% do seu orçamento com a sua folha de pagamento. Os valores são extremamente elevados se considerarmos a forte desigualdade que existe no Brasil. Este dinheiro deixa de ser investido em outros segmentos da sociedade.”

O Brasil tem um sistema de recolhimento de forma Direta ou Indireta, e as arrecadações são feitas em todas as esferas da União, sendo elas: Municipal, Estadual e Federal.

Os impostos diretos têm incidência sobre propriedade, renda e operações bancárias e de crédito. As alíquotas variam de acordo com a localidade do recolhimento, valor do produto e instituição financeira.

Os impostos indiretos têm incidência sobre produtos, e serviços e as alíquotas também variam de acordo com a localidade e ao tipo de produto adquirido. Já o imposto sobre serviço tende a girar em torno dos 5% nas maiores cidades brasileiras.

Mas, afinal de contas, quanto paga de impostos o cidadão comum ?

Durante o período de sete dias guardei todas as minhas notas fiscais com a intenção de identificar o valor dos impostos pagos pelo cidadão comum em uma semana. A semana escolhida coincidia com os pagamentos de energia elétrica e de internet, ambos serviços com reajustes recentes na tributação. A minha principal surpresa foi que, em pleno ano de 2018, encontrei dificuldades em alguns estabelecimentos para conseguir as minhas notas fiscais. Não sei se somente por problemas técnicos, ou por atividade suspeita, porém, na semana entre os dias 30 de maio e 6 de Abril, gastei aproximadamente trezentos e cinquenta reais entre combustível e alimentação sem adquirir notas fiscais, alguns postos parecem não estar preparados para a operação, o tempo de espera torna a ação de solicitar a nota um quase pecado. Pareço estar fazendo algo errado em pedir. Algumas lancherias e mini-mercados não possuem a “cultura da nota”, não sei se por serem “de bairro” e ninguém solicitar, se cria um costume de nem gerar o documento, muitos destes lugares nem possuem os caixas registradores conectados a uma rede. As justificativas foram diversas:

  • “O sistema da receita está fora do ar.”
  • “O gerente que emite as notas, mas ele não ta aí.” -
  • “Tu precisa mesmo? Não tá saindo aqui.”

Em uma farmácia, perto da minha residência, esperei por aproximadamente vinte minutos enquanto as duas atendentes no local se revezavam entre atender os outros clientes e tentar ‘achar’ a minha nota no computador. Foi estranho o fato de nenhuma nota sair automaticamente da máquina após a efetuação do pagamento. Cansado das caretas de irritação direcionadas a mim, disse que não precisava mais e saí da farmácia envergonhado, entre os olhares dos outros clientes.

Por trabalhar como motorista de aplicativo, meu consumo de gasolina é elevado e alguns postos da capital gaúcha demonstram dificuldade na hora de emitir uma nota fiscal. Algumas cafeterias também parecem não ter o costume de gerar o documento. Quando precisei efetuar um reparo em um pneu do meu carro, a borracharia escolhida para fazer o serviço não me forneceu absolutamente nada que atestasse o serviço.

Ao longo da semana foram recolhidas quatorze notas fiscais, uma conta de luz e uma fatura do meu provedor de internet, às agrupei da seguinte maneira: Serviço, Consumo e Provedores.

Serviço

Os únicos serviços que utilizei ao longo da semana, com exceção do reparo no borracheiro — sem sucesso no recolhimento de nota fiscal — foram dois estacionamentos em shoppings de Porto Alegre em datas distintas. Nas duas notas constam 5% da alíquota de ISS, os valores das alíquotas agregados foi de R$0,90. Na nota Fiscal de um restaurante de comida japonesa, o imposto recolhido não é especificado, mas a arrecadação foi de R$46,82, para uma conta de R$144,89.

Total de impostos em serviços na semana em questão: R$47,72

Consumo

Dentro das notas de consumo, agrupei as de combustível, mercado e outras duas ocasionais que aconteceram na semana; uma de livros e a outra com algumas peças de roupas. As alíquotas de ICMS estadual e federal nas notas fiscais de mercado somaram R$43,99 arrecadados, já as de combustível somaram R$83,85 entre alíquotas de ICMS estadual e federal arrecadados. Os tributos da nota da livraria somaram R$72,20 e o da loja de roupas, R$13,45, apesar de a nota fiscal da loja de roupas apresentar algo peculiar, somente a tributação federal consta no documento.

Deixando assim o total de impostos em consumo da semana em: R$213,49

Provedores

A energia elétrica vem acumulando aumentos no Brasil. Recentemente a Companhia Estadual de Energia Elétrica — CEEE recebeu autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e aplicou um reajuste de 29,9% para os consumidores pessoa física. A alíquota de ICMS na conta de luz é de 30% e o PIS/Cofins corresponde por 5,54% da fatura. R$51,53 da minha conta de luz foram impostos e na fatura de meu provedor de internet o recolhimento ficou em R$50,14.

Assim o total de impostos nos provedores é: R$101,67

Assim, em uma semana, este cidadão comum recolheu somente em impostos indiretos R$362,88. Vale lembrar que algumas notas não foram fornecidas pelos empreendimentos que consumi ao longo da semana de experimento, e que é obrigação de qualquer prestador de serviço ou estabelecimento fornecer notas fiscais ao seus clientes. O não fornecimento pode caracterizar em crime de sonegação, e a pena prevista é de detenção de seis meses a dois anos, e multa. No caso de o condenado ser primário, a pena será apenas multa, cujo valor será 10 vezes o valor do tributo.

--

--