Museu Hipólito José da Costa: entre o passado e o presente

História e situação atual de um importante espaço cultural

filipepimentell
Acabou em Reportagem
6 min readJul 4, 2018

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Prédio histórico fundado em 1922 que abriga o Musecom / Foto: Filipe Pimentel

Problemas no Musecom

O Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa (Musecom), apesar de ser um espaço de referência para pesquisa, apresenta há anos problemas com questões elétrica, infiltração, reduzido número de trabalhadores, diminuição de recursos financeiros e falta de acessibilidade.

Durante a gestão de Yuri Victorino, em 2016, ocorreu o fechamento da área destinada à consulta de acervos, com a justificativa de que o museu, devido a problemas estruturais, oferecia riscos ao público. “Fechar totalmente a pesquisa é muito grave, porque muitos pesquisadores dependem estritamente do museu; deveria ter sido feita uma avaliação caso a caso, o que de fato não ocorreu”, diz Denise Stumvoll, coordenadora do Departamento de Fotografia do Musecom. Durante esse período, Denise afirma que foi retomado o trabalho de listagem, catalogação e organização de coleções que foram incorporadas às mais antigas.

Carlos Roberto Saraiva, coordenador do setor de Imprensa, acredita que os principais espaços culturais do Brasil enfrentam problemas, do Museu Nacional de Brasília à Biblioteca Nacional. Para ele, há falta de investimento no Musecom, e apesar disso, não se deve pensar em um culpado, mas fomentar a cultura, elemento de cidadania e inclusão, o qual pode superar o elitismo cultural da sociedade.

Surgimento do Musecom

O prédio em que o Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa está localizado — esquina das ruas Andradas e Caldas Junior, no centro de Porto Alegre — foi construído em 1922 e era sede do jornal “A Federação”, periódico que surgiu no dia 01 de janeiro de 1884 e disseminava ideias favoráveis à independência do Brasil. Destaca-se o estilo eclético e a arquitetura positivista da edificação, a qual é patrimônio histórico do Estado do Rio Grande do Sul.

Sérgio Roberto Dillenburg, jornalista que trabalhou no Correio do Povo nos anos 1970, descobriu ao produzir uma reportagem sobre o panorama histórico dos museus de Porto Alegre que várias publicações históricas degradavam-se no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, local em que foi convidado a trabalhar em 1973. A partir disso, o jornalista refletiu sobre a necessidade de um lugar que abrigasse jornais, revistas, áudios, imagens, publicidade e peças antigas de meios de comunicação.

O Musecom abriga uma grande coleção de jornais e revistas/ Foto: Filipe Pimentel

Sérgio conseguiu, através da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), na época sob a sua liderança e do jornalista Alberto André, promover campanhas que incentivavam a fundação de um espaço de guarda, preservação e difusão da memória dos meios de comunicação do Estado. Como resultado desse processo, surgiu, no dia 10 de setembro de 1974, o Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa, subordinado à Secretária de Estado da Cultura. Os acervos do local são organizados em cinco Departamentos: Imprensa (jornais e revistas), Publicidade e Propaganda, Cinema, Rádio e Fonografia e Fotografia.

O nome “Hipólito José da Costa”, atribuído ao museu, é uma homenagem ao patrono da imprensa brasileira que foi responsável por editar um dos primeiros jornais brasileiros, o “Correio Braziliense” — impresso em Londres, mas que circulava no Brasil de forma clandestina. O periódico abordava questões republicanas e sofreu censura da monarquia portuguesa.

Coleção de fotos em papel envelope (ideal para conservação) / Foto: Filipe Pimentel

Memórias de Pesquisadores

O Musecom, desde 1974, faz parte da vida de alunos, professores e pesquisadores de Porto Alegre, cidades vizinhas e de estudantes de outros países. A historiadora Aline Dubina Trusz, 49 anos, começou a realizar estudos no museu em meados dos anos 1990, quando ainda era bolsista da professora titular do Departamento de História da UFRGS, na época, Sandra Pesavento (1946–2009). Trusz desenvolveu pesquisas para instituições públicas municipais e estaduais e consultou os acervos durante seu mestrado, doutorado e pós-doutorado.

De acordo com a Aline, espaços de guarda e preservação de documentos históricos são importantes, pois, há pelo menos dez anos, ela tem dificuldade para realizar pesquisas sobre determinados temas e períodos da História devido à inexistência de fontes, causada pela circulação cada vez menor de jornais e revistas em razão dos seus estados de deterioração, provocado pela ação do tempo e pelo manuseio, processo que ela intitula como “destruição definitiva de nossa memória”. “Ao nos tornamos um povo sem passado, também nos incapacitamos a discutir o nosso presente e projetar o nosso futuro em melhores e mais justas bases”, diz.

Marlise Maria Giovanaz, historiadora e pesquisadora da área de Museologia, também realizou estudos no museu durante o seu processo de formação acadêmica. Marlise buscou fontes para a realização de uma pesquisa sobre o processo de consolidação, em Porto Alegre, da lei de proteção do patrimônio histórico de 1979. Por meio de periódicos que estavam no Musecom, a historiadora descobriu a existência de um movimento estudantil advindo do curso de Arquitetura da UFRGS que propôs a criação de seminários que abordassem questões sobre patrimônio histórico. Além disso, soube da existência de um grupo articulado, na mídia, que era contrário à preservação de bens materiais — indivíduos que chamavam quem fosse favorável à conservação e preservação material de “Barões do Rubi”, nome que remete à ideia de pessoas que conservam objetos velhos que deveriam desaparecer.

Para a pesquisadora, o local é constituído de um acervo rico, desde jornais operários até periódicos do movimento negro, o que torna a narrativa histórica muito mais eficiente e plural. Apesar da importância do Musecom, Marlise reconhece a falta de investimento. “O museu sofre os revezes de uma péssima política em relação à cultura, a qual não é nem um pouco estratégica, ou talvez seja superestratégica, a ponto de minar a história.”

Projetos e Objetivos

O local ocupado pela extinta Companhia Riograndense de Artes Gráficas (CORAG) foi incorporado ao Musecom no começo de 2018, processo que começou com reformas para ampliação do ambiente, com objetivo de tornar-se uma área adequada para acessibilidade. Atualmente, o lugar ocupado pela antiga loja da companhia — entrada pela Rua Caldas Junior — é um espaço para exposição sobre o jornalista assassinado José Antônio Dauldt. Quanto aos equipamentos modernos de digitalização que a CORAG possuía, estão ainda localizados na Avenida Aparício Borges, aguardando o processo de transferência para o museu.

Apesar de problemas estruturais, o Musecom continua o processo de auxílio a diversos projetos. O Departamento de Fotografia cedeu imagens para a Bienal de Artes Visuais de 2018 e para a exposição “Conflitos”, do Instituto Moreira Sales, no Rio de Janeiro. Como projeto futuro, esse departamento pensa em promover eventos sobre a conservação fotográfica e as novas tecnologias.

Carlos Roberto Saraiva, coordenador do setor de imprensa, conta que pessoas com penas leves e que precisavam prestar trabalho voluntário foram chamadas, no começo de 2018, para ajudar na organização dos acervos. “O museu está devendo muito para esses indivíduos que as pessoas olham com preconceito.”

Elizabeth Corbetta, atual diretora do Musecom, afirma que o principal objetivo de sua gestão é devolver o museu para a população, com possibilidade para estudantes e pesquisadores consultarem os acervos de terça a sábado, em um primeiro momento, e reabertura gradual para o público em geral. Ela acredita que a função de um gestor público é atender ao cidadão e, no seu caso, administrar um espaço cultural e tornar o conhecimento acessível a todos.

Equipamentos realocados devido à reforma feita para resolver à questão de acessibilidade / Foto: Filipe Pimentel

Dias e horários de funcionamento para pesquisa e consulta de acervos no Musecom:

- Departamentos de Imprensa, Fotografia, Cinema e Publicidade e Propaganda: terça-feira e quarta-feira, das 14 às 18 horas

- Departamento de Rádio e Fonografia: terça-feira e quarta-feira, das 13 às 17 horas

*Limite de quatro pessoas no mesmo espaço;

* Agendamento pelo telefone (51) 3224–4252 ou pelo e-mail (museu.hipolito@gmail.com )

Porto Alegre, 13 de junho de 2018

Reportagem e Fotografia: Filipe Pimentel

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