O heroísmo além da ficção

O machismo no universo nerd e as evoluções da representatividade feminina dentro dele

Gabi
Acabou em Reportagem
6 min readJul 4, 2018

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Cosplay de Lady Loki, por Georgia Loureiro. Fotografia por: Bruno Antonucci

Atualmente as mulheres representam 52,6% do universo de jogos virtuais no Brasil, de acordo com a consultoria Game Brasil. Ou seja, elas são a maioria no meio, mas poucas conseguem entrar em um jogo com um nickname (o nome que o usuário coloca no personagem do jogo) feminino sem sofrer xingamentos por ser mulher. O machismo está presente em todos os setores do mundo nerd: nos animes, histórias em quadrinhos (HQs), séries, filmes, livros, entre outros. Como é algo que tem sido cada vez mais discutido, agora há uma crescente preocupação das empresas em inserir mulheres “empoderadas” em suas produções.

É difícil que meninas sejam inseridas nessa cultura. Video games são considerado como algo masculino, então geralmente quem os ganha de presente dos pais quando criança é o menino, a menina ganha uma boneca. E mesmo quando elas são apresentadas a isso, sofrem ataques por estar ali. E esse machismo não se limita aos homens. A estudante de informática, Carol Pellegrin,23 anos, de Santa Maria ( Rio Grande do Sul), conta que ao ganhar seu primeiro computador, começou a jogar RPGs ( Role-Playing-Game) e isso fez com que as meninas de sua escola não a aceitassem, porque ela gostava de “algo de menino”, o que fez com que ela acabasse criando mais amizades com garotos, por possuírem os mesmos gostos. Entretanto quando no meio deles ela tinha que provar que era fã mesmo, que realmente gostava dos jogos, ela era obrigada a provar que sabia tudo sobre cada personagem e cada história, enquanto que para seus amigos bastava jogar. O machismo nos jogos é um dos mais recorrentes, tanto que uma prática comum das mulheres quando jogam é utilizar nicknames sem definição de gênero e nunca utilizar o microfone para conversar. “Esqueci o microfone ligado uma vez, e falei com meu irmão. Eu estava em meio a uma partida, e o pessoal ouviu, então eles falaram: ‘meu, tu é guria?’, e eu disse sim, me mandaram lavar a louça e fui expulsa da sala.”, diz Shaiane Ethur, de 26 anos, costureira e maquiadora, de Porto Alegre.

Mas foi nesse mesmo universo de games que ela encontrou a inspiração para lutar pelo seu espaço. No jogo chamado Tomb Raider a personagem principal é uma mulher, Lara Croft, ela foi a primeira protagonista de real relevância na história dos jogos. Mesmo atualmente, não há personagem com uma franquia tão grande quanto a dela. Shaiane conta que quando fazia cosplay — que é a arte de de se transformar em um personagem utilizando maquiagem, vestuário e interpretação — sentia-se tão forte quanto a personagem, que “jamais iria aturar machistas idiotas”. Ela lembra que cada personagem que fazia a ajudava a enfrentar o machismo nos eventos de cosplay.

Cosplay de Lara Croft por Shaiane Ethur. Foto: Gabriel Ethur

É comum que, mesmo quando as mulheres têm contato com, por exemplo, filmes de super-herói elas não gostem tanto por não conseguirem se identificar. Sendo assim, não se aprofundam no assunto. A mídia possui um grande papel nisso, assim como empresas de produção audiovisual que costumam dar preferência para histórias com protagonistas masculinos. Nos últimos dois anos, no entanto, isso tem se modificado lentamente. Em 2017, foi lançado o filme solo da Mulher-Maravilha, que arrecadou 821,9 milhões de dólares em bilheteria, se tornando o filme de origem de super herói de maior bilheteria da história. O filme marcou um ponto de revolução na representatividade feminina dentro do cinema, abrindo espaço para as próximas gerações.

Cosplay de Mulher-Maravilha por Shaiane Ethur. Foto: Gabriel Ethur

A porta de entrada mais comum para o mundo nerd é ser apresentada a ele pela família e, algumas vezes, na escola. Conviver desde criança. É o caso da Geovana Costa, 19 anos, que estuda para o vestibular de Medicina, que mora em Santa Maria. Sua mãe gostava muito de super heróis e passou isso para os três filhos. Ela conta que a mãe os levava nas estreias dos filmes e os incentivava. Apenas achou estranho quando a filha começou a fazer cosplay porque acreditava que ela gastava muito dinheiro com isso. Entretanto quando viu que Geovana se empenhava em criar roupas, maquiagens e acessórios elaborados, colocando muito esforço naquilo, passou a incentivá-la. A mãe a ensinou a se inspirar em outras mulheres fortes. No caso da Shaiane foi o pai que a apresentou aos jogos de fliperama entre outros.

Personagem Laura, do jogo Street Fighter V / Google

Nos jogos, existe o mesmo problema de gerar identificação. Há personagens femininas, mas com um padrão de corpo irreal . Como por exemplo as personagens Laura, de Street Fighter V, e Mai, de The King of Fighters. Ambas, além de ter o corpo dentro de um padrão utilizam roupas hipersexualizadas.

Personagem Mai, do jogo The King of Fighters /Google

Georgia Loureiro, de 20 anos, que mora em Porto Alegre e estuda escrita criativa, relata seu desconforto: “Como eu sou muito seca, nunca vi nenhuma personagem que me representasse nesse sentido.” Ela inclusive acrescenta que, quando a personagem de fato possui, por exemplo, um corpo muito magro, é por ter características psicopatas, ou algo do gênero. “Até por fazer cosplay isso às vezes desanima, ou interfere bastante na auto estima da pessoa. Porque é complicado se esforçar pra caramba e nunca ficar satisfeita por ser tão diferente da personagem, ou ter aquele pessoal chato falando que tu não tem nada a ver e não deveria fazer o cosplay”, conta Georgia.

Um dos poucos jogos relevantes que tem modificado isso é Overwatch, lançado em 24 de maio de 2016. É um jogo eletrônico multijogador de tiro em primeira pessoa desenvolvido e publicado pela Blizzard Entertainment. Possui personagens de diferentes etnias e, portanto, não segue um padrão. Inclusive, há personagens que, pelo paradigma atual, seriam consideradas “cheinhas”.

Personagem Mei, do jogo Overwatch /Site da Blizzard Entertainment
Personagem Symmetra, do jogo Overwatch /Site da Blizzard Entertainment

Georgia menciona que, de fato, o lugar onde mais ocorre machismo e assédio é na internet. Geralmente nos eventos de anime os meninos costumam ser mais tímidos, ocorrem situações desconfortáveis, como chegar abraçando a menina pela cintura, tirando foto, mas não passa disso. Já online, a pessoa fica livre de identificação e isso facilita os ataques e comentários maldosos. “Já fui bastante chamada de ‘tábua’ em páginas online que postaram meu cosplay, ou diziam que eu era tão feia e diferente da personagem que ‘estraguei’ o personagem favorito da pessoa.”

Cosplay de Lady Loki, por Georgia Loureiro. Fotografia por: Bruno Antonucci.

O Machismo nos Animes:

As produções asiáticas refletem uma cultura milenar que sofreu poucas variações ao longo dos séculos. Majoritariamente favorecendo os homens, sendo assim os protagonistas de animes costumam ser homens, mesmo em animes do gênero romântico — shoujo — e quando as mulheres são personagens principais se dividem em dois polos, hipersexualizadas ou infantilizadas. Infelizmente a evolução que tem acontecido ainda não atingiu esse setor. As entrevistadas afirmam sentir constrangimento ao assistir animes, em pelo menos uma cena há humilhação, assédio ou objetificação da mulher. Elas concordam que ainda pode levar anos para que haja um avanço significante, pois, depende de transformações dentro da própria cultura do continente.

A evolução da representatividade atualmente

Série Jessica Jones, da Netflix /Google

Desde 2015 há cada vez mais mulheres protagonistas no cinema e nas séries. Tivemos Star Wars: O despertar da força, que estreou em 2015, saga onde o protagonista sempre foi um homem e agora é uma mulher. Séries como Jessica Jones e Supergirl, heroínas de HQs que nunca foram divulgadas antes.

Personagem Rey, de Star Wars: O despertar da força /Google

Agora há figuras para as meninas da próxima geração se inspirarem. Para fazê-las crescer sabendo que o lugar delas é onde querem. Que elas podem não só gostar desse universo, mas estar inserida nele e trabalhar com isso. Quanto mais mulheres na indústria, mais representatividade nas histórias.

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Gabi
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