EDUCAÇÃO

O palco da sala de aula

As diferentes realidades que professores encontram na profissão

Maria Luiza Rodrigues
Acabou em Reportagem

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Educar, segundo o dicionário, significa transmitir saber, dar ensino, instruir, e é isto que o professor tem como objetivo. Seja lecionando português, matemática, história ou ciência. Segundo dados de 2017 da Fundação Lemann, há cerca de 2,2 milhões de docentes espalhados pelo país e cada um desses profissionais encontra uma realidade diferente no decorrer da carreira, seja por conta dos alunos, da escola ou da equipe diretiva.

O ensino das redes pública e particular, no Brasil — se difere em muitos pontos. As instituições particulares apresentam mais recursos — como bibliotecas, laboratórios, salas de informática — do que as públicas. De acordo com os dados de 2017 da Fundação Lemann, apenas 12% das escolas públicas têm laboratório de ciência. Ainda assim, é necessário levar em consideração como é para cada profissional trabalhar nesses diferentes ambientes, pois, mesmo que uma escola apresente uma boa infraestrutura, não necessariamente será o melhor lugar para lecionar. Segundo o professor de matemática e ciência, atual diretor da Escola Estadual de Ensino Médio Ponche Verde, Jotoar Tadeu, existem pros e contras nos dois tipos de escola. Deste modo, fica a pergunta: qual a diferença entre lecionar em uma escola pública e uma particular?

Patrícia

Levando nas costas 18 anos de experiência como professora de português, inglês e literatura, Patrícia Ferreira da Costa enfatiza a importância do profissional que tenha um olhar humano sobre seu aluno. Ela leciona na Sul Ensino, particular, e na Escola Estadual de Ensino Médio Ponche, ambas em Gravataí. “Existem inúmeros talentos escondidos na escola pública, mas muitas vezes, por uma inabilidade do professor, uma falta de um olhar mais longe, esse aluno se perde. E nós chamamos isso de falta de interesse ou falta de vontade, quando na realidade não é”, diz ela. É desafiador para o educador quando, em uma turma de mais de 30 alunos, algum estudante tem uma maneira diferente de aprender. Porque nesse momento vem o professor que precisa saber lidar com aquela diferença e, diversas vezes, em meio a um certo conservadorismo, diz que o indivíduo simplesmente não copia, que tem o caderno todo em branco. Segundo a professora, é preciso que ela esteja sempre se reinventando para trazer propostas diferentes aos alunos, principalmente àqueles que têm mais dificuldades, tentando auxiliá-los a encontrar uma nova maneira de aprender.

“Existem inúmeros talentos escondidos na escola pública, mas muitas vezes, por uma inabilidade do professor, uma falta de um olhar mais longe, esse aluno se perde. E nós chamamos isso de falta de interesse ou falta de vontade, quando na realidade não é.”

A instituição pública carece de muitos recursos. Falta tanto verba para comprar materiais para o laboratório, como pra contratar professores. Assim, para Patrícia, é nesse momento que o incentivo do professor conta mais . Independente da realidade da escola, seja aquela que tem tudo a oferecer ao aluno ou aquela em que o corpo docente precisa decidir aonde vai investir para dar conta de todos os problemas. “Quando a gente escolhe ser professor, é mais ou menos como um médico, não se sabe quando vamos ser chamados para socorrer alguém. Só que esse socorrer é no conhecimento.”

Jotoar

Jotoar Tadeu Tomaz, atual diretor da Escola Estadual de Ensino Médio Ponche Verde, ao lembrar de escolas em que lecionou, conta como foi relevante a experiência para sua vida profissional. A Fundação Bradesco, onde ensinou ciência e matemática, possuía uma infraestrutura que o professor recorda até os dias de hoje. Reuniões pedagógicas com os docentes todos as semanas, recursos em laboratórios de ciência e informática, bons materiais e possibilidade de trabalhar com o audiovisual na sala de aula. Em contrapartida, o cumprimento das normas do Conselho Estadual de Educação (CEED), que são as leis que regem a educação gaúcha e brasileira, não se dava como na instituição pública. As salas de aula chegavam a comportar 53 alunos, onde, normalmente, deveria ter no máximo 30 ou 35. Coisa que não acontecia nas escolas públicas, em que ele trabalhou. Havia também excessos por parte dos alunos na escola particular, como comentários ou insinuações de que o professor precisa fazer com que o estudante aprendesse o conteúdo, pois estava sendo para isso. Segundo Jotoar tudo é uma via de mão dupla. Precisa haver um respeito mútuo dentro da sala de aula.

A falta de pessoas para realizar tarefas como cuidar do pátio e do portão de entrada, trabalhar na biblioteca e nos laboratórios, substituir algum professor em caso de ausência, dentro da instituição em que ele atua como diretor, reflete diretamente no aluno. Contudo, para o professor, o ensino vai ser absorvido se o estudante tiver interesse de aprender. “A diferença está no aluno, se ele querer ou não.” A vontade apenas do profissional de passar um bom conteúdo não adianta se o seu maior foco, que é o estudante, não estiver disposto a isso.

Escola Estadual de Ensino Médio Ponche Verde. Foto: Maria Luiza Rodrigues.

Fabiana

Formada em química industrial, Fabiana Santos Silveira deixou-se levar para dentro da sala de aula quando entendeu que simpatizava com esse meio, principalmente por causa do retorno que consegue ter nos estudantes. Ela leciona em três escolas, duas públicas — José Mauricio e Carlos Bina — e uma particular — Adventista. Para a professora, a escola particular traz muita facilidade ao aluno. Ele não precisa deter-se a apenas copiar, porque lhe são disponibilizados outros recursos, como apostilas, o online (compartilhamento via e-mail ou pelas salas de aula virtuais de materiais didáticos) ou o audiovisual. Inclusive a disciplina de química, que ela leciona, possui mais períodos semanais no colégio privado — quatro períodos de 45 minutos — do que nos públicos — apenas dois.

De acordo com Fabiana, muitos alunos das escolas Carlos Bina e José Mauricio, em Gravataí, vivem uma realidade difícil e, muitas vezes, não tem nem ao menos incentivo para estudar dentro da família. Inclusive estas duas escolas públicas diferenciam-se muito entre si. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) de 2015, a cada 100 alunos do Carlos Bina, 15 não foram aprovados. As taxas de aprovação do 6º ano são de 77,9%, enquanto do 9º ano são de 91,7%. No José Maurício, a cada 100 alunos 25 não foram aprovados no mesmo ano. “A gente tem muito aluno carente, muitos que têm pai ou mãe presidiário. O aluno vem com menos vontade de estudar”. Essa realidade, que para ela é um diferencial na aprendizagem, também se repete na particular, mas em menor quantidade. Ainda assim, a procura se dedicar igualmente em ambos ambientes.

No estado, a aula é mais livre, diz a professora. Como nas escolas particulares o uso do material disposto é obrigatório, o profissional fica detido àquela metodologia. No entanto, por mais que tenha menos períodos nas escolas estaduais, como no caso de Fabiana, cabe ao educador montar sua própria aula. No início do ano, a Secretária Estadual de Educação envia as instituições cronogramas citando os conteúdos que devem ser passados ao longo do ano letivo. Entretanto, o profissional tem autonomia para decidir como ministrar essas aulas.

Segundo dados de 2017 da Fundação Lemann, há no país 48,8 milhões de alunos na educação básica, sendo que 39,8 milhões estão matriculados na rede pública. E mesmo com todos os desafios que encontram para lecionar, seja qual for o ambiente, os profissionais ainda assim estão lá, prontos para a realizar seu trabalho.

Apoio ao ensino

Apesar de todos as diferenças no ensino no país, a Fundação Lemann e a Associação Nova Escola são exemplos de organizações sem fins lucrativos que visam um ensino público de qualidade, trabalhando através da internet e também pessoalmente. Não possuem sedes no Rio Grande do Sul, mas a plataforma digital Nova Escola, ligada a Associação Nova Escola, oferece planos de aula e cursos online para gestores e professores para auxiliar no aprimoramento do ensino, mostrando que com todos os problemas da educação do país, há quem esteja disposto a contribuir para um ensino melhor.

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