Acessibilidade na Experiência de Usuário: Quem estou excluindo do meu Design?

Thales Silva
Academy@EldoradoCPS
8 min readJul 3, 2020
Ilustração feita por pch.vector

Acessibilidade é um dos temas que mais vem sendo discutido por designers em todo o mundo. Esse fenômeno é compreensível quando entendemos o que essa palavra significa e qual é o papel do Designer, aqui com um foco especial no design de experiência.

Em seu artigo “UX Designer: Quem é este profissional e qual é a sua formação e competências?”, Manuela Quaresma afirma que:

“novos componentes da interação além das medidas de usabilidade começam a ser questionados, como prazer, emoção, afetividade, encantamento, etc.”. (QUARESMA, 2017)

A partir disso, podemos afirmar que papel do Designer de Experiência é de desenvolver soluções que não apenas sejam eficientes e eficazes mas que também ofereçam ao usuário sensações, emoções, prazer. Estes profissionais constroem como deve ser a experiência de uma pessoa em todos os momentos, antes, durante e após o uso de sua solução, e cabe a eles também garantir que todos possam ter acesso e fazer uso dela, sendo assim, um elemento democratizante.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), “a definição de acessibilidade é o processo de conseguir a igualdade de oportunidades em todas as esferas da sociedade”. Ela se refere à capacidade de se acessar algo, seja um espaço físico, produto, sistema… por qualquer pessoa, levando em conta especialmente aquelas com algum tipo de deficiência ou necessidade especial.

“As pessoas deficientes lutam pelo direito ao exercício da cidadania, pela autonomia individual, pela plena e efetiva participação e inclusão na sociedade.” (ULBRICHT, 2017).

É fácil entendermos porque a acessibilidade é fundamental para um bom design, mas nem sempre ela é levada em conta como deveria. Seja por questões orçamentais, inexperiência, por não querer modificar a experiência para a maioria ou simplesmente por não considerar essas pessoas como possíveis usuários.

Quem estou excluindo do meu Design?

Embora discuta-se muito sobre acessibilidade e sua importância, é fácil encontrar produtos que oferecem mínimo ou nenhum suporte para os usuários que o necessitam, e mesmo quando possuem, percebe-se muitas vezes que a solução foi simplesmente adaptada para essa finalidade, o que faz com que a experiência durante sua utilização seja comprometida.

“As pessoas querem mais do que usabilidade na interação, elas querem ter prazer nessa interação.” (QUARESMA, 2017)

Segundo a WHO (World Health Organization), existem mais de 1 bilhão de pessoas, o que corresponde a aproximadamente 15% da população mundial, com algum tipo de deficiência. Por isso, devemos sempre nos questionar quem são aquelas pessoas nas quais não pensei? Quem são aquelas que eu deixei de fora do meu planejamento? Ter a acessibilidade em mente desde o princípio da ideação, é uma responsabilidade ética do Designer.

Atualmente devido ao avanço tecnológico, dispomos de diversas ferramentas par nos auxiliar a desenvolver projetos de maneira acessível. A Apple é uma empresa que vem a cada ano expressando maior preocupação com o tema e tem direcionado esforços afim de oferecer produtos que sejam universais.

Para deficientes visuais por exemplo, o Voice Over é uma ferramenta que permite que tudo que se encontra presente em uma aplicação seja narrado. Isso combinado com os diferentes métodos de interação, tornam possível a utilização e navegabilidade. Para aqueles que possuem dificuldades de audição, o recurso Ouvir ao Vivo ajusta seu aparelho auditivo feito para iPhone ou AirPods para você escutar com mais clareza. Também existem ferramentas como o o Controle por Voz que faz com que todas as ações possam ser executadas a partir de comandos vocais, auxiliando assim aquelas pessoas que possuem deficiências de mobilidade.

Vale lembrar que embora aqui estejamos tratando especialmente do Design de Experiência, a discussão sobre acessibilidade se estende muito além. Se quiser se aprofundar mais no tema, recomendo a leitura destes 2 artigos:

Como criar interações online acessíveis. da Bruna Villa

Acessibilidade na Interface do Usuário: “Quem estou excluindo com meu design?” do Victor Mozetto

Imagem de pessoa com deficiência motora utilizando recursos de acessibilidade no MacOS. Fonte macmagazine

Design Universal

O termo “Design Universal” foi cunhado pelo arquiteto americano Ronald Mace, na década de 70. O conceito por trás é criar projetos que sejam acessíveis por absolutamente todas as pessoas.

Mais do que simplesmente um método, ele configura uma filosofia, uma perspectiva sobre como deve ser o processo de Design. Afim de oferecer uma base para ser pensado, o Center Of Universal Design, localizado na Universidade da Carolina do Norte criou 7 princípios do Design Universal que serão rapidamente expostos aqui, e também iremos explorar um pouco de sua aplicação nos meios digitais.

Uso Equitativo

  • Garantir que é utilizável e e pode ser comercializado a qualquer pessoa. Não apenas funcional, ele também deve ser desejável, sem segregar seus usuários e garantindo facilidade no uso. No mundo digital isso quer dizer que qualquer um será capaz de navegar pela sua aplicação e que ela será capaz de realizar o que se propõe, independente das condições, além de se manter interessante e relevante.

Flexibilidade no uso

  • As pessoas utilizaram seu produto de inúmeras maneiras, é importante garantir que independente de suas preferências pessoais e seus costumes, ele ainda funcionará com eficácia e eficiência. Quase todos os dispositivos atualmente oferecem algum tipo de configuração de acessibilidade, podendo personalizar a maneira como as informações são percebidas e como interagimos com elas.

Simples e intuitivo

  • O produto não deve ser difícil de ser compreendido, se a curva de aprendizado for grande demais, o usuário perderá o interesse sem nem ao menos usufruir do potencial de sua solução. Este princípio é aplicável independente do meio para o qual sua solução foi criada, se seu site por exemplo for confuso e difícil de se utilizar, isso gerara desconfiança e desconforto.

Informação perceptível

  • As informações que são essenciais devem estar bem claras e fáceis de se perceber. Devem ser levadas em conta as condições do ambiente e das pessoas que utilizarão seu produto. Nas plataformas digitais existem inúmeros recursos que facilitam nesse aspecto, ajustes de contraste e iluminação de acordo com o ambiente, utilização de ícones, textos e texturas para reconhecimento e diferenciação.

Tolerância ao erro

  • Erros irão ocorrer durante o uso de qualquer aplicação, é importante não só preveni-los, mas ser tolerante a eles e oferecer métodos de se recuperar. Alertas sobre a ação que está sendo executada, possibilidade de desfazer ações, utilização de cores e outros signos para comunicação do status do sistema…

Baixo esforço físico

  • O uso deve ser confortável e eficiente. Reduzir ações desnecessárias e garantir um uso anatômico simples. No mundo digital, a maior parte das ações não exigirá aplicação de força, mas demandam as vezes demandam em precisão por usar objetos para interação que são pequenos de mais ou demandam uma interação muito complexa.

Tamanho e espaço para acesso e uso

  • Todos os elementos utilizados devem ter tamanho e espaçamento suficiente para serem percebidos, diferenciados e utilizados, independente de dificuldades motoras. No ponto de vista das aplicações digitais isto está relacionado com o aproveitamento do espaço disponível em uma interface. Hierarquia, organização, posicionamento, todos esses aspectos são importantes para melhor aproveitamento das interfaces.

Mas então, o que fazemos?

ilustração de rawpixel.com

Por ser uma questão extremamente complexa, não existe uma solução mágica para que seu produto seja magicamente acessível. Porém, a questão já foi abordada por inúmeros pesquisadores pelo mundo e existem pontos de referência que podemos usar para nos orientar e para utilizar como um ponto de partida.

Os 7 princípios do Design Universal são um desses pontos de partida, articulando o pensamento crítico e nos fazendo refletir sobre o tema. Há também diretrizes como a WCAG que descrevem critérios de acessibilidade em vários níveis hierárquicos, tratando principalmente das interfaces digitais e as 10 heurísticas de Nielsen, que são fundamentais para qualquer design de experiência. Essas heurísticas foram criadas afim de facilitar e orientar designers e desenvolvedores no processo de criação, elas estão intimamente ligadas com os princípios do Design Universal, já que nelas a perspectiva é criar uma experiência democrática, fácil, eficiente e prazerosa a todos, levando em conta as necessidades e especificidades de cada usuário.

Segundo Jordan(1999), Todo ser humano vive em busca de prazer e esses prazeres se expressam de diferentes maneiras, ele descreve especificamente 4 tipos:

  • Prazer fisiológico. Está intimamente ligado aos nossos sentidos. em um trabalho posterior (JORDAN, 2000) o autor exemplifica os prazeres fisiológicos em seu caso através do permanecer em boa forma física, do relaxamento físico e de embriaguez de vinho.
  • Prazer social. Abrange a satisfação por pertencimento, status e relações interpessoais positivas. Como a conversa com um amigo ou fazer parte de um grupo.
  • Prazer psicológico. Está presente na realização de tarefas ou conquistas. Também está ligado a excitação ou relaxamento.
  • Prazer ideológico. Aqueles advindos de ideias e pensamentos. Músicas, livros poesia ou até num discurso político. Aparece quando há uma compatibilidade entre os ideais da pessoa e aqueles presentes no produto.

“Produtos podem ser entendidos como “objetos vivos” . Eles têm personalidade própria… as pessoas projetam características humanas em produtos… Os trabalhos de Patrick Jordan, nesse sentido, podem ser considerados marcos estruturantes para a área de Design Emocional. Eles contribuíram não apenas para a compreensão de como o design pode despertar prazer nas pessoas, mas também no desenvolvimento de técnicas de trabalho para os profissionais interessados na área.” (TONETTO, 2011)

É trabalhoso concebermos uma experiência de usuário adequada e prazerosa quando não somos capazes de compreender completamente as condições e desafios enfrentados por ele. Essas ferramentas são essenciais e extremamente úteis, mas é fundamental que encontremos maneiras de fazer com que essas pessoas estejam cada vez mais próximas do processo de Design, mais do que simplesmente imaginarmos como seria uma experiência ótima para eles, temos de ouvir o que eles tem a nos dizer, testar, pesquisar e oferecer ferramentas para que eles sejam também capazes de criar aquilo que desejam e que é capaz de solucionar suas dores.

Por fim, devemos ressaltar que mais do que ético, pensar em acessibilidade quando projetando experiências nos permite oferecer produtos que são melhores para TODOS, fazer design se trata completamente das pessoas.

Recentemente o jogo “The Last Of Us Part II” foi lançado e surpreendeu não apenas por seus gráficos e história envolventes, mas também pelos inúmeros recursos de acessibilidade e a atenção dada para a experiência destinada a esses usuários. Basta ver essa reação de Steve Saylor, um jogador cego, ao ser apresentado ao jogo para compreender o porque da importância de criarmos e pensarmos em acessibilidade.

Para saber mais sobre mim e o meu trabalho, não deixe de visitar meu perfil no LinkedIn e dar uma olhada em meu portfólio no Behance.

Se gostou do artigo e quiser aprofundar mais seu conhecimento em Design e acessibilidade, recomendo este artigo da Bruna Villa sobre Como criar interações online acessíveis.

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