Design para inteligência: a nova era dos smartphones

Gabriel Branco
Academy@EldoradoCPS
8 min readJul 2, 2020

Entenda como o design pensado para inteligência promete transformar o uso de dispositvos digitais.

Tela de bloqueio com sugestões inteligentes da Siri.

Desde o lançamento do iPhone, em junho de 2007, o mercado de aparelhos celulares se transformou. Mais de 10 anos depois, ser esperto não basta. O touchscreen e a conectividade consolidaram a constante busca por smartphones cada vez mais inteligentes. Mas como um sistema inteligente pode afetar a vida dos usuários na prática? E o que é essa tal inteligência e como ela funciona? Para responder essas perguntas, vamos explorar alguns conceitos trazidos pela Apple no WWDC 2020.

Inteligência e extensibilidade

in.te.li.gên.cia s.f. 1 capacidade de aprender, compreender e adaptar-se a novas situações. [1]

Um sistema operacional deve trabalhar em conjunto com os apps oferecidos para tornar o dia-a-dia de seus usuários mais fácil. A inteligência deve ser encarada como uma prática de design, partindo de um sistema intuitivo, visualmente consistente e que aprenda com você para te prover conveniência. É na manifestação das adaptações do sistema, ao seu uso, que a inteligência pode ser percebida.

Ao passar por uma experiência frustrante utilizando um app, não importa se a culpa é do sistema ou da aplicação. A sensação gerada é que algo parece não estar certo, que aquilo não é experto ou útil como deveria. Normalmente a frustração tem relação direta com a ideia, agora ultrapassada, que o funcionamento de um app ocorre desde a sua abertura, na tela de início, até ser fechado. O oposto acontece quando, ao se deitar, o relógio te lembra de ativar o alarme no horário certo. Assim como, ao tirar o carro da garagem, o mapa automaticamente avisa o tempo até o destino pela melhor rota. Enxergar aplicativos como caixinhas, limitadas por um ícone, vai na contramão da inteligência, justamente pela lacuna existente na relação com o sistema.

Extensibilidade é o termo adotado para empoderar um sistema inteligente. Ela permite interações rápidas, que poupam tempo ao integrar seus aplicativos, aparelhos diversos e o sistema operacional em uso. O objetivo da inteligência, emparelhada com a extensibilidade, é criar a sensação que o produto te conhece, assim como seus gostos, hábitos, interesses e relacionamentos. Fazer uso significativo dessa compreensão é proativamente antecipar algo que você tenha em mente, quase como um super-poder.

Quando as capacidades de um app se estendem ao sistema, sua interação é mais rápida, fácil e inteligente. Quando o sistema te entende, seu problema pode ser resolvido proativamente e sem grande gasto cognitivo. Ao sugerir aquele conteúdo, lugar ou app, exatamente no momento que você precisa, a solução e o sistema se tornam um só. Enquanto, pelo lado do usuário, a interação se mostra significativa, o aplicativo, por sua vez, cumpre seu propósito sem nem precisar ser aberto, ganhando inúmeras portas de entrada além da tradicional tela de início. Pareceu confuso? Calma. Colocando em prática faz muito sentido!

Experiência inteligente em prática

Conheça Lucas. O ano começou e aderir ao mundo fitness era sua principal meta. Ele encontrou um plano interessante, printou e, ao clicar no ícone de compartilhar, o primeiro contato sugerido era do Jonas, justamente o amigo que ele tinha intenção de enviar a imagem. Eles combinaram de fazer uma aula experimental juntos. Lucas mandou o endereço da academia por mensagem, mas quando Jonas foi abrir o mapa para pegar as direções, a sugestão do melhor caminho já estava lá, antes mesmo de digitar o destino.

Chegando na recepção, eles não sabiam exatamente quais eram as aulas disponíveis, mas havia um código de App Clip ao lado do balcão. Com um toque, eles tiveram acesso à programação das aulas, justamente a parte desejada do app da academia, sem nem precisar instalar o aplicativo. Jonas desistiu de seguir com a vida fitness, mas Lucas efetivou sua matrícula e acabou baixando o app completo para não perder nada.

Ao adicionar o widget correspondente em uma pilha de widgets na tela de início, sempre que algo relevante acontecia na academia, ele acabava sendo rotacionando para o topo do grupo. Sorte do Lucas, que sem precisar abrir nada, descobriu que a aula de spinning daquela semana fora cancelada, poupando uma ida desnecessária ao estabelecimento.

Depois de poucos dias, a rotina saudável estava bem estabelecida: saindo do treino era hora de checar o progresso no app de exercícios, pedir o delivery do jantar e voltar para casa. Quando Lucas achou que não poderia se surpreender, a Siri, sua assistente virtual, sugeriu a criação de um atalho, automatizando a visualização do progresso ao término do treino; em seguida sugeriu a comida do restaurante preferido pra ser pedida com um único clique e, por fim, mostrou a melhor rota para o retorno.

Mais uma vez: o objetivo da inteligência é transformar as interações do dia-a-dia, para que ela seja tão suave quanto possível, trazendo foco e poupando o tempo do usuário. E se uma história hipotética não convence que a transformação já começou, os fatos comprovam. Há algum tempo a Siri sugere proativamente o check-in para voos, direto na tela de bloqueio. Linhas aéreas compartilharam que 82% das notificações para check-in antecipado vem da Siri, sem que o usuário precise tomar qualquer ação para ser lembrado. [2]

Os atalhos permitem resolver tarefas com um único toque ou pela chamada da Siri. Sugestões relevantes aparecem no exato instante de necessidade. Os widgets são mostrados de maneira inteligente para poupar toques na navegação. Os contatos e grupos mais relevantes estão ali no topo do compartilhamento. A reserva no app do restaurante se torna automaticamente um evento no calendário, que manda notificação ao usuário para sair de casa de acordo com as condições do trânsito. Parece mágica, talvez até tenha um ar futurista, mas consolidar esse ecossistema pode ser mais simples do que parece.

Tela inicial exibindo exemplo de widget inteligente e caixa de diálogo do sistema para pedido de comida.

Por trás da inteligência

A essência de um design pensado para inteligência é o trabalho conjunto do sistema operacional com os aplicativos disponíveis. Para que isso aconteça, é necessário que se estabeleça uma comunicação através de uma linguagem comum entre ambos. Suprindo essa necessidade, a Apple construiu o framework de intenções, que através de três conceitos-chave, permite que o sistema se molde por quem o utiliza. Definir, aprender e executar é o passo a passo que promete revolucionar a maneira que a vida smart funciona.

Definir

Inicialmente, todas as ações que as pessoas realizam com determinado aplicativo devem ser mapeadas. Um exemplo disso seria um aplicativo de delivery listar todos os pratos disponíveis para serem pedidos. Essas possíveis ações são utilizadas para a elaboração de intenções, que, de maneira bem definida, unem a ação em questão aos seus parâmetros. No caso, a ação de pedir uma salada poderia ser especificada com restaurante desejado, o tamanho da salada e o molho que a acompanha. Com isso, já seria possível que o Lucas chamasse a Siri depois do treino para pedir uma salada média com molho de mostarda e mel no restaurante Ponto Verde. Como o app conhece o endereço de entrega e possui os dados do cartão, não é necessário nem desbloquear a tela para fazer o pedido! O reconhecimento facial assegura a segurança, e a mágica acontece dispensando qualquer toque.

Aprender

Parte chave da experiência proposta é a previsão das intenções como forma de conveniência. Para que o sistema aprenda sobre os hábitos, gostos e vontades do seu dono foram criadas as doações. Elas são cedidas pelo app e provém sinais das intenções para o sistema. Por sua vez, ele usa esses sinais para detectar padrões e permitir que a Siri preveja quando o usuário pretende executar uma ação, antecipando-a. As doações existem para gravar quando o Lucas faz um pedido, onde ele faz esse pedido, o que ele faz antes e depois de pedir, criando um contexto para sugerir a intenção certa no momento exato. Vale destacar que, dentro do ecossistema Apple, esses dados doados se acumulam e são processados no próprio aparelho, sem nunca deixá-lo, garantindo a privacidade do usuário. As ações se repetem, um padrão é estabelecido e, ao sair do treino, a Siri já sugere o pedido de salada, sem que o Lucas precise abrir o app, tocar a tela, ou até mesmo pedir. Uma confirmação passa a ser suficiente para que a comida desejada chegue em casa. O sistema usa as doações localmente para gerar uma experiência positiva, de forma personalizada e inteligente.

Executar

O último passo é garantir a melhor execução para a ação definida e aprendida. Sempre que possível, ela deve acontecer em background, ou seja, sem que o aplicativo que a executa seja visivelmente aberto. Assim, o sistema pode, por exemplo, abrir uma caixa de diálogo com o conteúdo necessário para executar a ação. Uma intenção pode ser executada a partir da Siri, da execução de um atalho ou também por meio de widgets. Elas garantem, por exemplo, que o widget exibido traga conteúdo relevante e as doações, por sua vez, rotacionam para o topo da pilha o widget ideal no momento. Com isso, a ação de checar os treinos oferecidos ao acordar faz com que o iPhone do Lucas use a intenção de ver o treino do dia para mostrar, pela manhã, o widget da academia, com a programação que seria observada dentro do app, direto na tela de início. Com diversas possibilidades de execução, os diferentes pontos de entrada oferecidos pelo sistema enriquecem a relação do usuário com o aplicativo e agregam valor à experiência final.

Quando a mágica acontece

Idealmente, um sistema inteligente deve passar despercebido por quem o usufrui. O que importa é a sensação gerada ao eliminar navegação desnecessária, transformando a experiência de usar um smartphone. O resultado final pode ser ainda melhor quando o Macbook e o Apple Watch trabalham juntos com o iPhone para trazer inteligência e entender as vontades do usuário. O aplicativo e o sistema, funcionando como um só, permitem surpreender e resolver problemas que as pessoas nem sabiam que tinham. Deste modo, o aparelho passa a parecer mágico ao realçar o mundo real em cada uso.

[1] Houaiss, Antônio. Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. 3ª edição. Rio de Janeiro, 2009.

[2] WWDC2020. Design for Intelligence. Apple Developer, 2020. Disponível em: <https://developer.apple.com/news/?id=mb3c4r4r> Acesso em 2 de julho de 2020.

Todas as ilustrações foram adaptações de imagens presentes nos vídeos de Design for Intelligence do WWDC 2020.

--

--

Gabriel Branco
Academy@EldoradoCPS

Estudante de engenharia da computação na Universidade Estadual de Campinas e de design mobile na Apple Developer Academy.