Como avaliar interfaces?

Basicamente podemos dividir os tipos de avaliação existentes em dois: os empíricos e os não-empíricos.

Os métodos empíricos envolvem usuários como avaliadores, pois nada consegue substituir a observação de um indivíduo tentando utilizar um determinado produto.

Esta observação nos fornece dados valiosíssimos, que poderão ser utilizados para validar e aprimorar o produto, e mesmo que durante o desenvolvimento da interface o designer tenha seguido diversas métricas de ergonomia e usabilidade, o esforço despendido para executar as tarefas só pode ser medido através da observação.

Existem diversos tipos de métodos que nos ajudam a integrar o usuário no processo de avaliação, como por exemplo o card sorting, avaliação cooperativa, questionários, co-descoberta, entrevistas, entre outros.

Ao longo do tempo iremos nos aprofundar nestes assuntos em outros posts, mas neste iremos nos focar nos métodos de avaliação não-empíricos.

Métodos de avaliação não-empíricos

Alguns métodos de avaliação de interfaces não utilizam participantes e são realizados por especialistas, que realizam checagens seguindo métricas.

Mas anteriormente nós falamos que: “o esforço despendido para executar as tarefas só pode ser medido através da observação.”, porque iríamos optar pela ausência do usuário neste processo?

Existem diversos motivos que justificam a utilização destes métodos:

  • Para evitar que erros básicos cheguem até os testes com usuários, sendo altamente recomendado aplicá-los em conjunto com os métodos empíricos;
  • O projeto pode possuir uma cláusula de confidencialidade, exigindo que o mínimo de pessoas possuam conhecimento do produto;
  • Dificuldade de encontrar usuários em potencial;
  • Pouco tempo para realizar diversas interações de testes com o usuário;
  • Pouco orçamento;

Um método que tem mantido o seu protagonismo no cenário atual, é a Avaliação heurística. Termo este cunhado por Jakob Nielsen e Rolf Molich, em meados dos anos 90, quando propuseram o método onde especialistas vasculham a interface buscando identificar problemas.

“A wonderful interface to the wrong features will fail.” — Jakob Nielsen

Este é um método valiosíssimo, pois padroniza a avaliação entre os especialistas, e é relativamente simples, rápido e possui a capacidade de ser aplicado em qualquer fase do projeto.

Passo-a-Passo

Para iniciar a avaliação é necessário conhecer as heurísticas e os níveis de severidade dos problemas, pois cada problema identificado será categorizado de acordo com a sua gravidade e associado a heurística que ele viola.

Níveis de severidade dos problemas de usabilidade

Existem 5 níveis de severidade, que são numerados de 0–4:

0 — Sem importância: Não afeta a operação da interface e possui baixíssima prioridade de resolução.

1 — Cosmético: Afeta apenas a aparência da interface, não precisa necessariamente ser resolvido.

2 — Simples: Problema simples de usabilidade, baixa prioridade de resolução.

3 — Grave: Dificulta a finalização da tarefa, mas com esforço é possível completá-la. Alta prioridade de correção.

4 — Catastrófico: É um problema que impede o usuário de finalizar a tarefa, Correção urgente.

Heurísticas de usabilidade

É importante ressaltar a importância de conhecê-las e tê-las em mente não apenas durante a avaliação, mas também enquanto projetamos a interface. As heurísticas serão grandes aliadas do designer, ajudando-o a construir uma interface clara, simples de usar e que se sairão muito bem na avaliação.

As heurísticas são :

Visibilidade do estado do sistema

O usuário deve ser informado pelo sistema em tempo razoável sobre o que está acontecendo. Os feedbacks devem ser constantes, claros e imediatos a ação na qual estão relacionados e podem ser desde um pop up com uma mensagem “Mensagem enviada com sucesso!”, até uma animação de um botão, que acontece sempre que é clicado/tocado.

É um efeito de ação e reação, onde toda a ação do usuário não pode ficar sem resposta. Se ele enviou um formulário, notifique-o sobre a conclusão. Se é uma tarefa extensa, mostre a evolução. Se for um download, mostre a porcentagem. Se o sistema tá carregando, deixe claro que não está travado. Imagine que o elevador não informa o andar em que ele está parado, como você saberia que já chegou ao seu destino?

Existem alguns tipos de Feedback: áudio, tátil, visual, ou combinações destes. Sem um Feedback sobre a ação, os usuários podem compreender de forma inadequada a execução de algumas tarefas, executá-las mais de uma vez ou não concluí-las.

Popup Feedback & Loader by Pedro Aquino FX

Equivalência entre o sistema e o mundo real

O modelo lógico do sistema deve ser compatível com o modelo lógico do usuário. Devemos sempre optar por uma linguagem natural e adaptada a realidade do usuário, para isso precisamos conhecer bem quem irá usar a aplicação, quais as suas limitações e respeitá-las.

Isso é aplicado em vários aspectos da interface, como por exemplo os textos, os ícones, as cores, ao modo como as tarefas são executadas, aos tamanhos dos elementos e etc.

Flash Messages by Panggih Giri Samudra

Liberdade e controle do usuário

O sistema deve tornar disponível funções que possibilitem saídas, o usuário deve ter liberdade de escolha, voltar, refazer ações, corrigir erros, apagar, avançar, finalizar e encerrar, a qualquer momento. Nunca devemos tomar decisões no lugar dos usuários, a postura correta é sugerir, nunca decidir.

Estas “saídas” devem ser destacadas e claras, não devem deixar espaço para dúvida, deixar o seu usuário enclausurado dará a sensação de sistema sufocador.

Benti — Creating New Project Wizard by Jakub Dziedzic

Consistência e padrões

Consistência, substantivo feminino, característica de um corpo do ponto de vista da homogeneidade, coerência, firmeza ou compacidade dos seus elementos constituintes.

O sistema deve ser consistente quanto à utilização de sua simbologia, suas cores, sua hierarquia, sua linguagem, suas metáforas e aparência. Padrões devem ser estabelecidos e mantidos ao longo de todas as telas de sua aplicação, pois o ser humano é ótimo em reconhecer padrões e aprender com eles, o usuário irá desenvolver uma expectativa de como o seu sistema funciona, sempre atenda esta expectativa, caso contrário, a interface será “estranha”, parecerá inadequada e insegura.

Shipp Calendar by Budi Harto Tanrim

Prevenção de erro

Com grandes poderes para os usuários, vem grandes responsabilidades para os designers. Ao dar liberdade para o usuário, temos que ter cuidado com ações que poderão prejudicá-lo e além disso, utilizar de todos os artifícios possíveis para que ele entenda o que está fazendo e como isso irá impactá-lo, principalmente se for uma ação “destrutiva”, como excluir itens ou perder informações.

Even better than good error messages is a careful design which prevents a problem from occurring in the first place. Either eliminate error-prone conditions or check for them and present users with a confirmation option before they commit to the action. — Jakob Nielsen.

Reconhecer ao invés de relembrar

As instruções para o bom funcionamento do sistema devem estar visíveis no contexto em que o usuário se encontra.

Isto possui o objetivo de minimizar a carga de memória do usuário, para isto torne visíveis objetos, ações e opções. O usuário não deve precisar lembrar informações de um contexto para o outro.

Use cores com cuidado, elas também passam uma mensagem. O usuário não deve aprender o que o seu ícone significa, seu ícone que deve possuir um significado claro. Tutoriais ou instruções de uso devem ser visíveis ou facilmente recuperáveis sempre que apropriado.

Ahch-To’s Weather IconSet by Kevin Aguilar

Flexibilidade e eficiência de uso

Sempre teremos leigos e usuários avançados, devemos prover ferramentas para auxiliar o usuário que é leigo e precisa de ajuda, ao mesmo tempo que usuários avançados podem optar por avançar essas questões.

Flexibilidade e eficiência é tentar prever ou modificar o sistema de acordo com o nível de proficiência do usuário, precisamos que a interface seja ágil e fácil, recursos como atalhos de teclados, preenchimento ou seleção automática a partir de dados anteriores e máscaras de campos são exemplos de itens que tanto auxiliam os usuários leigos, como agilizam as interações para usuários avançados.

Conditional Form Interaction by Yung Bean Dip

Estética e design minimalista

Minimalismo não é apenas uma estratégia visual, é um conceito de exibir a menor quantidade de informações possíveis, dando maior importância às informações mais relevantes, pois cada unidade extra de informação em um diálogo compete com as unidades relevantes da informação.

Create Password Form Validation by Emmanuel Torres

Auxiliar usuários a reconhecer, diagnosticar e recuperar ações erradas

Mesmo que existam esforços para que eles sejam evitados, erros irão existir e quando mensagens de erros forem necessárias, devem expressar em linguagem clara e indicar as possíveis soluções.

Flash Message Error & Success by Rebecca Stoehr

Ajuda e documentação

O melhor cenário é um sistema que funciona de maneira independente e não precisa de um manual ou documentação para auxiliar o uso, mas pode ser necessário fornecer ajuda e documentação. Qualquer informação desse tipo deve ser fácil de pesquisar, bem categorizada e resumida.

Avaliação

Nielsen sugere que a avaliação seja realizada por no mínimo três especialistas, através de estudos ele identificou que cada avaliador encontra em torno 35% dos problemas, aumentando o número de avaliadores também iremos aumentar a quantidade de problemas identificados, com três avaliadores a taxa sobe para em média 75%.

Estes números sofrem influência de diversos fatores, mas principalmente a experiência dos avaliadores é determinístico, então pratique bastante para possuir um amplo repertório, estude outros temas que cercam a experiência do usuário e conheça bem o público-alvo e como eles agem.

De uma forma simplificada podemos apresentar a primeira parte da avaliação da seguinte forma:

1 Preparação: Defina e organize as telas que serão avaliadas. Defina também os objetivos, estes estão ligados a diferentes tipos de aspectos da interface, podendo estar ligada a tarefas, níveis de abstração ou qualidade. Certifique-se que todos os avaliadores estão alinhados acerca dos objetivos.

2 Inspeção: A fase de inspeção é composta por dois momentos:

2.1 Coleta de Dados: Cada avaliador, individualmente, inspeciona cada uma das telas com o intuito de identificar se há alguma heurística violada. Ao encontrar um problema o avaliador inicia a classificação do problema.

Segundo Preece, Roger e Sharp, no livro Design de Interação — Além da interação humano computador, os avaliadores devem realizar, no mínimo, duas inspeções em cada tela: uma para se familiarizar, sentir a interação e ganhar uma visão geral da interface e outra para examinar com mais cuidado.

2.2 Classificação do problema: Categorize cada problema identificado associando-o a uma ou mais heurísticas, atribuindo a gravidade do problema e adicionando uma breve justificativa. Após esta etapa a Coleta de Dados continua.

3 Consolidação dos resultados: Ao final da fase de inspeção, os avaliadores se reúnem para discutir os resultados e apresentar um relatório consolidado único, com um consenso de todos.

O artefato resultante deste processo é um documento recheado de sugestões justificadas por especialistas de alterações priorizadas, que devem ser aplicadas ao produto.

Uma vez que este documento será apresentado para a equipe toda, os integrante precisam compreender a importância de implementá-las, todos estarão motivados e caminhando em conjunto para o objetivo de desenvolver um produto focado no usuário.

Não esqueça de praticar, ler e conhecer outros tipos de avaliação, só assim seu senso crítico estará apurado e avaliar ficará cada vez mais fácil! Até a próxima!

Referências

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