Pesquisador e professor da capoeira na Austrália, Eurico Vianna Neto (Fotos, texto e áudio Alexandre Spengler)

Capoeira na roda da globalização -
da resistência ao mercado de consumo

Tradições inventadas, capoeira multimídia e o tempero brasileiro na multiculturalidade australiana

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4 min readSep 29, 2014

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Entrevista com Eurico Vianna Neto

Entre as muitas transformações possíveis da capoeira em sua difusão internacional, chama a atenção as novas narrativas históricas sobre a origem dessa prática considerada símbolo da cultura brasileira. Se as raízes históricas da capoeira era um terreno contestado já entre grupos liderados por brasileiros — com suas diversas rusgas, vertentes e versões — a expansão desse fenômeno cultural pelo mundo está levando a reinvenção das narrativas históricas a um novo patamar. Já há quem afirme, por exemplo, que a capoeira originou-se no Congo. Pelo menos menos é o que mostra um recente vídeo produzido pela BBC News, a rede estatal britânica (veja no pé da página — “Capoeira comes to Kinshasa”).

Contudo, mesmo sem embasamento, tais afirmações são reflexos da força da globalização da capoeira. É o que afirma Eurico Vianna Neto, pesquisador da capoeira, professor e imigrante brasileiro na Austrália.

Um estudo que eu acho válido pra quem estuda cultura popular e práticas culturais é o trabalho de Eric Hobsbawn sobre a invenção das tradições. Basicamente, a tensão que se tem na fala desse professor congolês é uma busca por autenticidade. E nessa busca, as pessoas tendem a remeter a uma raiz. Uma raiz normalmente mítica, idealizada e romantizada. Mas não acredito que tenha uma agenda embutida, e sim um fenômeno que faz sentido praquele professor que enxerga um contínuo da capoeira partindo da África e voltando pra África. Mas é uma supersimplificação que pode levar a conclusões não verdadeiras.

Trecho de 1 minuto e 15 segundos de entrevista ao telefone, no qual Eurico aborda origens mágicas do Berimbau

Eurico explica que é inegável a contribuição da cultura africana na criação e desenvolvimento da capoeira. Mas reitera que foi especificamente o contexto da escravidão no Brasil colônia que possibilitou a criação de plataformas de comunicação que resultaram na capoeira, prática que contou também com contribuições indígenas, portuguesas e árabes. Confira a explicação no áudio acima.

Neste trecho de 1' 25", Eurico explica que o registro histórico mais antigo do termo “capoeira” consta em obra elaborada pelo Pe. José de Anchieta em 1594

O próprio nome “capoeira”, segundo ele, é um termo tupi-guarani que significa “ilha de mato ralo”, “ilha de mato cortado” onde se treinava a capoeira, mas que também servia para identificar aqueles que resistiam à escravidão e outras opressões do regime colonial, conforme explica neste outro trecho da entrevista.

Como pesquisador, Eurico registrou e observou a prática da Capoeira em sete países diferentes. Conhecimento histórico e etnográfico que ele utiliza na base de suas ações comunitárias direcionadas a jovens na Austrália. Seu projeto mais recente envolve uma escola na região dos Rios do Norte, na costa leste. Com apoio do estado, a ideia é conectar jovens que chegaram sob o status de refugiados a jovens australianos de origem anglo-saxã, criando um espaço de interação lúdica que envolva música, movimento e cooperação em detrimento da competitividade. Ouça mais detalhes abaixo.

Além do aspectos multimídia da capoeira – orquestra, língua, canto e exercício físico –, Eurico aposta que essa prática brasileira com essência intercultural possa contribuir com o contexto multicultural australiano. O objetivo é produzir melhores relações interpessoais. Para ele, apesar do racismo e outros problemas sociais existentes no Brasil, existem aspectos positivos da cultura brasileira que agregam valor à riqueza étnica existente na Austrália. Para ele, a lição da capoeira para o mundo globalizado é justamente unir diferentes perspectivas através de uma atividade que já nasce da contribuição de diferentes culturas. No áudio abaixo, ele ilustra sua fala com a metáfora da “paleta do pintor”.

É quando você tem todas essas cores interagindo pra formar uma pintura, pra formar um quadro. Ali tá a obra de arte, ali tá a interculturalidade.

Mas os caminhos do pincel que expandem a capoeira pelo mundo também tem os seus pedágios. Em seus anos de prática e pesquisa por sete países diferentes, Eurico chama a atenção para a mercantilização da capoeira pelo ocidente e sua transformação pela lógica de mercado. Uma viagem que divulga uma das mais ricas manifestações da cultura brasileira pelo exterior, mas que cobra seu preço ao diluir valores capoeiristas tradicionais, como a cooperação e a família estendida, conforme ele explica abaixo.

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