Decapitados em presídio e caviar no governo

Onda de violência no Maranhão expõe resquícios históricos do Brasil que ainda estão longe de serem superados

Alexandre Spengler
Accent Brasil

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Em ano de Copa do Mundo, nem só de protestos e estádios vive a imprensa que acompanha o Brasil. Mortes violentas e corrupção, comuns nos noticiários do país, estão ganhando novas manchetes intrigantes nos últimos dias. Desta vez o palco é o emblemático Estado do Maranhão, um dos mais pobres da Federação e que vem sendo governado pelo “Clã Sarney” há décadas.

O ano de 2014 começou com violência nas ruas e presídios de São Luís do Maranhão

Uma onda de violência nos últimos dias resultou em ataques pelas ruas de São Luís, que incluíram tiros contra delegacias de polícia, quatro ônibus incendiados e a morte de uma menina de seis anos. A ordem para os ataques pela capital partiu dos presídios locais, onde a disputa entre facções criminosas pelo controle do tráfico de drogas no estado já matou 60 detentos somente em 2013.

Não bastasse a crise humanitária e política gerada pela violência que transbordou dos presídios e resultou inclusive em protestos da ONU, denúncias de corrupção nas licitações públicas do governo tornam o cenário ainda mais simbólico. Em meio a notícias de assassinatos e mostras de força do poder paralelo, veio à tona que o governo do estado abriu licitação no valor de R$1,3 milhões (AU$650,000) para comprar caviar, lagosta, uísque escocês e outras iguarias para recepções e festividades bancadas com dinheiro público.

Um jantar no Brasil, Jean Baptiste Debret (1827)

Para além dos fatos noticiados pela imprensa que ressaltam, mais uma vez, o descontrole do sistema carcerário. Os acontecimentos no Maranhão são exemplos de outros problemas estruturais graves:

  • Escancaram o desrespeito do Estado brasileiro aos direitos humanos de presos, assim como de outras minorias brasileiras
  • Revelam o populismo e o paternalismo que ainda estão fortemente arraigados no cenário político brasileiro
  • Demonstram que o apartheid à brasileira tem um lastro centenário materializado na cor e classe social da população carcerária.
O Jornal Folha de São Paulo, em sua versão digital, alerta os leitores para as imagens chocantes dos corpos mutilados

Como em todo cenário emblemático que se preze, a governadora Roseana Sarney nos brindou com uma análise que dá o nível do drama maranhense. Segundo a filha do ex-presidente do Brasil, o Maranhão está mais violento porque está mais rico e o número de mortes até então dentro das penitenciárias estava dentro do esperado. Declarações que só não foram mais chocantes que as imagens divulgadas pelos próprios presos (através de seus aparatos digitais!!) mostrando colegas de cela decapitados e exibidos como caças enquanto o governo prepara seu pregão de vinho tinto importado.

O tinto nacional só é bom pras manchetes de jornais.

Alexandre Spengler é jornalista, cientista social e imigrante brasileiro na Austrália

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