“O governo é refém dos setores mais retrógrados do Congresso - a bancada teocrata e a bancada do agronegócio”

De passagem pela Austrália, o intelectual brasileiro Idelber Avelar fala sobre literatura em contextos de conflito, do ressurgimento de um projeto da ditadura chamado Hidrelétrica Belo Monte, de mudanças positivas para o Brasil com a possível eleição de Marina Silva e do simbolismo existente no ataque homofóbico do candidato à Presidência, Levy Fidelix.

Alexandre Spengler
Accent Brasil
Published in
5 min readOct 5, 2014

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Idelber Avelar é um renomado acadêmico brasileiro especialista em Teoria Literária, Literatura Latino-americana e Estudos Culturais. Ele leciona como Full Professor na Universidade de Tulane nos EUA e foi um dos destaques do Simpósio Literature, Truth and Transitional Justice que aconteceu no dia 1 de outubro na Universidade de Western Sydney. Em bate-papo via Skype com o Accent Brasil no dia 30 de setembro de 2014, Idelber explica, entre outras coisas:

➤ como a literatura auxilia na superação dos traumas de regimes de exceção, como no caso da ditadura brasileira (1964–1985)

➤ como o atual governo brasileiro dá sobrevida a um modelo colonial de exploração da Amazônia gestado na ditadura militar

➤ porque a eleição de Marina Silva seria positiva para o Brasil

➤ porque a declaração homofóbica em rede nacional de Luis Fidelix simboliza o nível de violação dos direitos humanos no país.

Divida em 4 partes, a entrevista com Idelber inicia-se discorrendo sobre sua participação no Simpósio da UWS, onde ele falou sobre o modelo colonial que persiste ainda hoje na exploração econômica da Amazônia. Uma análise que parte das narrativas de resistência de povos indígenas, a exemplo do livro de Davi Kopenawa Yanomami, que viu seu povo ser massacrado tanto em tempos de ditadura quanto de democracia no Brasil.

Um dos projetos da ditadura era o da ocupação da Amazônia e da incorporação da Amazônia ao capitalismo brasileiro. Essa ideia de ocupação da Amazônia pressupunha, claro, que a Amazônia era um lugar vazio. O que não é verdade, existem povos que estão ali há milhares de anos. E além de conceber a Amazônia como um lugar vazio, a ditadura também concebeu a Amazônia como uma espécie de colônia energética. Um depositário de matérias primas que deveriam ser mobilizadas para o progresso do país. Essa concepção estava inserida dentro de um nacionalismo muito particular do regime militar que tinha várias coisas em comum, aliás, com o nacionalismo populista de esquerda na primeira metade da década de 60.

9' 32"

A partir dos projetos de governo para a Amazônia ao longo das décadas, no próximo trecho da entrevista Idelber explica como o pacto de classes do governo lulista - distribuir algo aos pobres sem mexer nos privilégios dos mais ricos - está chegando ao fim. Segundo ele, isso influencia diretamente na ascendência de setores retrógrados da sociedade brasileira ao poder, ao ponto de revivermos projetos gestados dentro da uma visão geopolítica da ditadura militar.

Só dá pra aumentar o pedaço do bolo do mais pobre, sem tirar nada do mais rico, se o bolo estiver crescendo. (…) Ao longo da década passada nós vivemos o “boom das commodities”, em que o preço da soja, do açúcar, do café, da carne — que o Brasil exporta em grande quantidade — tiveram uma alta muito grande e permitiu que o pacto lulista se mantivesse, proporcionando algum ganho aos mais pobres sem que o privilégio dos mais ricos fosse tocado. As condições econômicas para que esse pacto se mantenha erodiram. Ao mesmo tempo,…o setor mais reacionário dessa coalizão governista tomou as rédeas do processo.

Belo Monte é um projeto da ditadura militar que é desengavetado na década de 80 e derrotado pelas populações da região, naquela época com apoio do PT. Depois, durante o governo FHC, há uma outra tentativa de ressuscitar o projeto quando ele é derrotado de novo. E em 2005, quando acontece a crise do chamado “Mensalão” …Dilma é chamada à Casa Civil. Nesse processo ela desengaveta de novo Belo Monte e parece que dessa vez parece que eles vão conseguir construí-la.

5' 15"

Na terceira parte da entrevista, Idelber discorre sobre o pmdbismo e outros aspectos da democracia brasileira, como a falta de transparência e o conchavo.

Ele também critica os excessos autocráticos de Dilma e dá sua visão sobre os benefícios de uma eventual vitória de Marina Silva nas eleições presidenciais. Algo que, apesar de positivo, não transformaria estruturas tão “arcaicas, arraigadas e ossificadas como as da política e da sociedade brasileira”.

…pancadas na mesa, gritos, insultos, Ministro e Secretário expulsos da sala, palavras proibidas…Belo Monte é um expressão proibida no Palácio….esse tipo de tendência autocrática do Palácio do Planalto seria revertida (com a eleição de Marina) e isso seria muito positivo.

…nos tivemos nos últimos 20 anos uma alternância basicamente entre PT e PSDB no governo, fazendo alianças com as mesmas forças políticas. A Marina propõe um outro jogo…ela chama de os “melhores de cada partido” — que é uma forma meio Pollyanna de colocar a questão. Mas ela tem um cacife político e uma capacidade de diálogo que são triunfos importantes pra inventar uma outra forma de montar coalizão de governo no Brasil. É impossível dizer de antemão, mas acho que dificilmente teríamos a situação de hoje onde o governo é absolutamente refém dos setores mais retrógrados do congresso — a bancada teocrata, a bancada do agronegócio…os setores mais atrasados, mais retrógrados, têm dado as cartas no jogo parlamentar brasileiro sem que eles tenham tanta força assim. A bancada teocrata, ou fundamentalista, totaliza 66 num universo de 513 deputados. Mas eles chantageiam e jogam com uma desenvoltura que foram capazes, com a conivência do governo, de criarem esse grande mito: o da bancada fundamentalista imbatível.

12' 16”

E por falar em estruturas arcaicas, arraigadas e ossificadas da política e da sociedade brasileira, Idelber finaliza, sem economizar palavras, com um exame sobre o ataque homofóbico do candidato à presidência, Levy Fidelix (PRTB).

Foram as declarações de um boçal, de um cretino, absolutamente inaceitáveis. Foram as coisas mais horrendas e impublicáveis que eu já vi em um debate político em toda a minha vida de ativista…o que foi mais revoltante foi que nenhum candidato à Presidente da República levantou a voz pra dizer que aquilo era inaceitável. Fato que diz muito sobre o que é o Brasil hoje na questão dos direitos humanos.

3' 45"

Referência das fotos a partir da esquerda

1 — Divulgação University of Western Sydney sobre o Simpósio Literature, Truth and Transitional Justice

2 — Golbery do Couto e Silva — Aníbal Philot / O Globo
http://oglobo.globo.com/brasil/institutos-criados-por-golbery-financiados-por-empresarios-conspiraram-contra-jango-11891784#ixzz3FEKy1P6o

3 — Idelber Avelar
http://tulane.edu/liberal-arts/spanish-portuguese/idelber-avelar.cfm

4 — Urna eletrônica — José Cruz / AgenciaBrasil
http://pt.wikipedia.org/wiki/Urna_eletr%C3%B4nica#mediaviewer/File:Urna_eletr%C3%B4nica.jpeg

5 — Protesto contra a construção de Hidrelétrica de Belo Monte — Assessoria de Comunicação CIMI
http://www.cimi.org.br/site/pt-br/index.php?system=news&action=read&id=7611

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