Dear ghost of implicit bias… | Caro fantasma do preconceito inconsciente…

Bárbara Cruvinel Santiago
accent
Published in
11 min readDec 27, 2016

By Bárbara Cruvinel Santiago, PC’17

Bárbara Cruvinel Santiago PC’17 describes how her life as a female Physics major has more similarities to Brazilian politics than one would expect. In order to do that, she writes a letter to the “ghost of implicit bias”.

ORIGINAL

Caro Preconceito Inconsciente,

Tem muito pouco de mim em física, mesmo que haja muito de física, o curso que escolhi na universidade, dentro de mim. Também há pouco de mim na política, em posições na indústria, nas Nações Unidas. Em resumo, há pouco de mim em muitas coisas. Porque eu sou mulher. Mas, com a certeza de que todos os seres humanos são igualmente capazes, tem que haver algo que faça com que, em pleno século XXI, tantas pessoas não sejam representadas em esferas políticas, sociais ou profissionais. Você, Preconceito Inconsciente, é uma das principais razões por tudo isso acontecer. É por isso que eu lhe escrevo esta carta.

Quando eu era criança, eu li os livros da série Harry Potter. Neles, viviam testrálios, criaturas mágicas que só podiam ser enxergadas por aqueles que já viram a morte. Você é como um desses testrálios, porque só consegue lhe ver quem já foi afetado pela sua presença. Se me permite dizer, para mim, você é um fantasma que assombra a minha vida, o fantasma do preconceito inconsciente. Você faz com que a minha vida estudando física seja mais complicada do que deveria ser e que a minha representação na política do meu próprio país seja quase nula. Isso pode não fazer muito sentido para você agora, mas deixe que eu me explique.

Em maio deste ano, eu voltei ao Brasil para visitar minha família por uma semana. Entre o momento em que eu embarquei naquele avião e aquele em que eu aterrissei, muita coisa tinha mudado. A nossa então presidente tinha sido posta em um processo de impeachment e nosso então vice-presidente, tomado seu posto. Mas eu não estou escrevendo para discutir política; podemos discutir isso outra hora. Eu venho aqui para lhe falar o quão decepcionada eu fiquei com a nomeação dos 24 ministros, todos homens, todos brancos, para o novo gabinete presidencial. Isso não acontecia desde a ditadura militar na década de 70. Representatividade importa, mas poucos ao meu redor no Brasil pareciam entender um fato tão simples. Falavam de meritocracia, mas pareciam esquecer que meritocracia só existe quando os realmente mais qualificados são reconhecidos, não só indivíduos que representam menos de 25% da população. Pensei que estava em um pesadelo, mas era a vida real, tão real quanto o que eu tinha passado até então como uma mulher estudando física.

Na minha primeira aula de física na faculdade, o professor pediu que ao fim da aula todos fossem falar com ele para ver se podíamos continuar no curso. Ao falar o que eu já tinha estudado em física e qual aula de matemática eu estava fazendo, consegui a seguinte resposta: “Essa aula vai ser muito difícil para você. Você talvez deveria fazer uma aula de nível mais baixo.” Um aluno do sexo masculino foi em seguida falar com o professor, contou a mesma história que eu contei, que estava fazendo o mesmo nível de matemática que eu, mas recebeu um enfático “Ah! Você vai se sair super bem na aula.” Não esqueço disso. Até hoje. As únicas coisas que nos diferenciavam eram nosso gênero e nacionalidade. Eu não acho que esse professor tenha notado o que se passou, mas algo fez com que ele me percebesse como menos capaz que o outro aluno sem nem me conhecer. Por quê? Por culpa sua, Preconceito Inconsciente.

Eu faço parte de uma minoria em física. Só cerca de 20% dos alunos de física nos Estados Unidos são mulheres. Esse número é ainda menor entre doutores e professores. Então não é nenhuma surpresa que o cérebro da maioria das pessoas esteja condicionado a erroneamente acreditar que laboratório é coisa para homens. Pesquisadores aqui de Yale mandaram de maneira aleatória dois currículos idênticos, um com o nome Jennifer e outro com o nome John, para mais de cem físicos, químicos e biólogos ao redor dos Estados Unidos. Os cientistas deveriam avaliar o currículo e falar o quanto pagariam de salário para cada pessoa. Homens e mulheres não só avaliaram John como mais competente, como também ofereceram, em média, 13% a menos como salário para a Jennifer. Mas aqui vai o problema: os currículos eram exatamente os mesmos! O John e a Jennifer eram igualmente capazes! Consegue entender o que significa preconceito inconsciente? Isso só será mudado quando todos nós reconhecermos que sim, todos nós somos preconceituosos, mesmo sem saber, e começarmos a ser expostos a um grupo mais diversos de cientistas, políticos, executivos, etc.

Todos os seres humanos, independente de raça, gênero, religião ou orientação sexual, são igualmente capazes e inteligentes. Então não venha me falar de meritocracia se a demografia da sociedade não está espelhada na composição de um determinado espaço. Se todos se sentem confortáveis, aí sim podemos falar em mérito, porque temos a garantia de que todas as pessoas se sentem bem-vindas e as melhores delas são recrutadas independente de quem elas são. Quando reconhecemos a sua existência, fantasma do preconceito inconsciente, conseguimos corrigir nossos erros e fazer um esforço consciente para aumentar a diversidade de pessoas em determinadas áreas. Com maior representatividade, o ambiente se torna menos hostil a certos grupos. Com um ambiente melhor, aumenta a representatividade. É como um ciclo. Se esse ciclo fosse posto em prática, eu não seria obrigada a ouvir uma piada de conotação sexual quando eu era a única pessoa na monitoria de física, eu não teria minhas ideias subestimadas em grupos de estudo compostos por homens no meu primeiro ano de faculdade, uma deputada não receberia cantadas ao subir no palanque para votar no impeachment da ex-presidente Dilma, o congresso brasileiro, portanto, não teria só cerca de 10% de representação feminina, e os ministérios… ah, os ministérios… não teriam sido ocupados unicamente por homens brancos.

O departamento de física aqui, apesar de ainda ter suas falhas, melhorou muito nos últimos anos. A minha vida, com isso, melhorou muito também, porque agora eu tenho mentoras e mentores que me proporcionam um ambiente no qual eu posso me preocupar menos com o meu gênero e mais com a física que eu estudo. O governo brasileiro, por outro lado, foi de mal a pior. Um homem engenheiro não saberia como projetar um absorvente mais confortável, porque ele nunca menstruou. Uma mulher engenheira não saberia necessariamente onde é mais conveniente construir um mictório, porque ela nunca teve que usar um. Um deficiente físico sabe como é mais prático usar uma cadeira de rodas. Por aí vai e por isso precisamos de times diversificados. Esses são exemplos práticos, mas o mesmo raciocínio se aplica a políticas sociais e econômicas que afetam a vida de pessoas tão diferentes ao redor do Brasil. É por esse e tantos outros motivos que é muito importante que os nossos ministros, deputados e senadores não só nos ouçam, mas sim representem a diversidade da nossa sociedade. Se seu argumento contra isso é que há mais homens na política e, portanto, homens serão escolhidos, pare. Leia de novo sobre como só quando a representatividade política for mais diversa que mais mulheres e minorias são atraídas para a vida pública.

Quando um presidente aponta seus ministros, ele passa uma mensagem subliminar para a população e, se nós não vemos certos grupos representados, a mensagem é de que a política não é lugar para eles. Se não fizermos um esforço para passar a mensagem certa, ou melhor, para nomear mulheres, negros, gays, descendentes de populações indígenas, entre outros perfeitamente qualificados, isso nunca será mudado. Se não fizermos isso agora, quando será feito? Quando será o Brasil realmente um país de todos? Um primeiro passo adiante é necessário, mas parece que demos um passo para trás.

Fantasma do preconceito inconsciente, obrigada por ter lido até aqui. Eu tinha mais a falar, mas não há mais espaço. Porém, esta nunca foi uma carta para você. Na realidade, escrevi este texto para aqueles que se recusam a reconhecer que você existe. Infelizmente, eles não conseguem enxergar sua imagem fantasmagórica da mesma forma que eu, porque você é como um testrálio e nunca os assombrou como assombra a minha própria vida.

Atenciosamente,

Uma mulher à procura de direitos iguais, mas não só no papel

TRANSLATION

Dear Implicit Bias,

There’s very little of me in Physics, even though there’s lots of Physics, the major I chose in college, in me. There’s also very little of me in politics, in industry positions, in the United Nations. In short, there’s little of me in many things. Because I’m a woman. But, assuming that every human being is equally capable, there must be something out there, even in the 21st century, that causes so many people to be denied their representation in political, social and professional spheres. You, Implicit Bias, are one of the major causes. That’s why I’m writing you this letter.

When I was a child, I read the Harry Potter series. In them, there were thestrals, magical creatures that only those who witnessed death could see. You are like one of these thestrals, because only those who have been affected by your presence can see you. For me, you are a ghost that haunts my life, the ghost of implicit bias. You make my life studying physics way harder than it should be and my representation in my native country’s politics close to nothing. This might not make much sense to you now, but let me explain myself.

In May this year, I flew back to Brazil to visit my family. From the moment I embarked on that plane to the moment I landed, a lot changed. Our then female president had been put on an impeachment trial and our then male vice-president had taken her place. However, I’m not writing to discuss politics; we can do that some other time. I am here to tell you how disappointed I was with the nomination of 24 ministers, all male, all white, for the new presidential cabinet. This had not happened since the military dictatorship in the 70s. Representation matters, but few around me in Brazil seemed to understand this very simple fact. They talked about meritocracy, but seemed to forget that meritocracy only exists when the ones who are truly more qualified are recognized, not just individuals who represent less than 25% of the population. I thought I was in a nightmare, but that was real life, as real as what I have to go through as a woman studying physics.

In my first physics class in college, the professor asked that we come up to him at the end of class to talk about whether we could stay in the course. After I told him what I had already studied in physics and what math class I was taking, I got the following response: “This class will be too hard for you. You should take a lower level class.” A male student went right afterwards to talk to the professor and said the same things I did, but he received an emphatic “Oh! You’ll be absolutely fine in the course.” I can’t forget that moment, even now. The only things that differentiated us were our gender and nationality. I don’t think this professor noticed what he had done, but something made him perceive me as less capable than the other guy without even knowing me. Why? Because of you, Implicit Bias.

I’m a part of a minority in Physics. Only around 20% of Physics undergraduates in the US are female. This number is even lower among PhDs and professors. Thus, it’s no surprise that the brains of the majority of the people are erroneously conditioned to believing that a lab is a place for men. Researchers here at Yale randomly sent two identical CVs, one with the name Jennifer and another with the name John, to over a hundred physicists, chemists and biologists around the US, who then rated the candidates and said how much they would pay as a stipend for each person. Both men and women not only considered John as more competent, but also offered, on average, a 13% lower stipend to Jennifer. But here’s the problem: the CVs were exactly the same! John and Jennifer were equally qualified! Can you understand what implicit bias means? This will only change when all of us recognize that, yes, we are all prejudiced, even without knowing it, and when we start to be exposed to a more diverse group of scientists, politicians, executives, etc.

All human beings, regardless of race, gender, religion, or sexual orientation, are equally capable and intelligent. So don’t come talk to me about meritocracy if society’s demographics are not fully mirrored in the composition of a given space. Once all people feel comfortable, then we can talk about merit, because then we’re guaranteed that everyone will be welcomed and that the best of them will be recruited no matter who they are. When we recognize your existence, ghost of implicit bias, we can fix our mistakes and make a conscious effort to increase diversity in specific fields. With better representation, the environment becomes less hostile to certain groups. With a less hostile environment, representation gets better. It’s a cycle. If this cycle were put into practice, I wouldn’t have had to hear one of my Physics TAs make jokes with a sexual connotation when I was the only person in his session, my ideas wouldn’t have been underestimated in study groups composed by men when I was a freshman, a female lower house representative wouldn’t have been catcalled upon going up the stage to vote on former president Rousseff’s impeachment, the Brazilian congress would have more than around 10% female representation, and the Brazilian ministries…oh the ministries…they wouldn’t be occupied solely by white men.

The Physics department here, despite still not being perfect, got much better in the last few years. My life, because of that, improved a lot too, because now I have female and male mentors who build an environment in which I can worry less about my gender and more about the physics that I study. The Brazilian government, on the other hand, went downhill. A male engineer would not know how to design the most comfortable sanitary pad, because he’s never menstruated. A female engineer wouldn’t necessarily know where it’s more convenient to build a urinal, because she’s never had to use one. A person with disabilities would know better how to properly use a wheelchair. That’s why we need diverse teams. These are more technical examples, but the same reasoning is applicable to social and economic policies that affect the lives of so many different people around Brazil. This is one among many reasons why it’s so important that our ministers, lower house representatives, and senators not only listen to us, but also represent the diversity in our society. If your argument against this is that there are more men in politics and, therefore, men will be appointed, stop. Read this letter again: only when political representation becomes more diverse will more women and minorities be attracted to public service.

When a president appoints ministers, he sends an implicit message to the population and, if we don’t see certain groups represented, the message we get is that politics is not their place. If we don’t make an effort to send the correct message, or rather, to appoint perfectly qualified women, African-Brazilians, gays, and descendants of indigenous peoples, among others, our current situation will never change. If we don’t do it now, when will we? When will Brazil truly be a country for all? A first step forward is necessary, but it seems like we stepped backwards.

Ghost of implicit bias, thanks for reading up to here. I had more to say, but there’s not much space left. However, this was never a letter to you. In fact, I wrote this essay for those who refuse to recognize your existence. Unfortunately, they can’t see your ghostly figure in the same way I do, because you are like a thestral and you never haunted their lives the way you haunted my own.

Sincerely,

A Woman in Search of Equal Rights, but Not Only on Paper

--

--

Bárbara Cruvinel Santiago
accent
Writer for

Columbia PhD Student. Yale ’17. Feminist and physicist from Brazil. Talk to me about rock climbing, guitars, baking, woodworking and politics! (She/her)