Metaverso! Parte 2

Lucas L. Galvão
Aceleradora ECO
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8 min readJun 1, 2022

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Internet do Dinheiro, foi aqui que paramos, certo? Em nosso artigo anterior começamos falando sobre Metaverso, as suas origens, entendendo que não se trata de um movimento recente, que a sua construção já se data desde, pelo menos 1984 com a obra Neuromancer.

Após, discorremos brevemente sobre a evolução da tecnologia sob o aspecto de infraestrutura; afinal, de uma internet rudimentar como no início dos anos 90, que existia toda uma geração de adolescentes que se conectavam à internet pelos seus computadores pessoais à meia noite de sexta-feira e só encerravam a conexão às 6h de segunda, por conta do pulso único telefônico, nos dias de hoje essa conexão é intermitente e se encontra nas palmas de suas mãos. Para esta primeira chamamos de Internet do Conteúdo, para então avançarmos até a Internet das Pessoas, da web 1 para a web 2.

Ainda na Web 2 tivemos movimentos de melhorias de integrações e automações, por isso chamamos de Internet das Coisas, conhecida como máquina-a- máquina (identificação, rastreamento, monitoramento, medição, automação, pagamentos, etc). Agora, o verdadeiro uso da internet é invisível para as pessoas, uma vez que existe uma comunicação máquina-a-máquina (M2M). Em outras palavras, é basicamente conectar qualquer aparelho, como um interruptor de liga e desliga, com a internet [1].

Beleza, falamos um pouco sobre esta evolução da infraestrutura da internet, e mas onde entra o Metaverso nisso?

O Metaverso já vem testando o seu funcionamento de tempos em tempos, como quando se popularizou no início da década 00 o jogo Second Life, mas não tínhamos toda a infraestrutura, a internet móvel era 3G, a banda larga de 1 a 10M, e isso para uma pequena parcela da população. Ainda faltou infraestrutura, e por isso é importante entendermos o que mais se passou.

Surgiu os quatro pilares da internet: SMAC (Social, Mobile, Análise — do Big Data e Inteligência Artificial — e Cloud computing):

O SMAC cria um ecossistema que permite que uma empresa melhore suas operações e se aproximem do cliente com uma sobrecarga mínima e alcance máximo. A proliferação de dados estruturados e não estruturados que está sendo criado por dispositivos móveis, sensores, redes sociais, programas de fidelidade e navegação no site está criando um novo modelo de negócios baseados em dados gerados pelo cliente. Nenhuma das quatro tecnologias pode ser uma reflexão tardia porque é a sinergia criada pelo Social, Mobile, Análise (do Big Data) e Cloud computing em conjunto, que cria uma vantagem competitiva.[2]

Em outras palavras, o negócio que agora se encontra na internet passa a ser fornecido por meio das mídias sociais como novas formas de alcançar e interagir com os clientes, ao mesmo tempo em que as tecnologias móveis mudaram a forma como as pessoas se comunicam, fazem compras e trabalham. A análise (do Big Data e da Inteligência Artificial) permite que as empresas compreendam como, quando e onde as pessoas consomem certos bens e serviços, para que possam ser mais inteligentes e até anteciparam algumas ações [3], e a computação em nuvem fornece uma nova maneira de acessar a tecnologia e os dados que uma empresa precisa para rapidamente responder a mercados em mudança e resolver problemas de negócios.

Ainda está um pouco complicado de entender, né? Vamos simplificar então!

Chegamos num ponto de infraestrutura em que tínhamos internet disponível em vários dispositivo, e todos eles coletando os nossos dados, porém estes dados são “sujos”, quer dizer, nada ordenados, e com pouca integração. Estávamos coletando muitos dados, e forçando (pela análise dessa Big Data e algoritmos de Inteligência Artificial) compreensão que fizesse sentido, com muita matemática, estatística, e assim por diante.

O resultado prático disso foi a vitória. Conseguimos! A gente já conseguia fazer predições assustadoras com poucos dados, conseguimos, destes dados individuais, montar avatares completos sobre cada pessoa na internet, e estes avatares, essas personas, que eram verdadeiras e fiéis representações de cada um de nós respondiam a qualquer coisa que fossem submetido: sobre os nossos gostos, sexualidade, time de futebol, amores secretos, corrupções que cometemos e deixamos os nossos rastros na internet, etc., absolutamente qualquer coisa, pois, diferente dos nossos eus físicos e verdadeiros, eles não mentem, nem escolhem o que querem responder ou omitir, e com isso a pessoa (ou empresa) detentora daqueles nossos dados podem saber qualquer coisa sobre cada um de nós.

Veja bem, querido leitor, não me refiro a uma teoria da conspiração. Refiro-me a uma tecnologia que existe, e foi amplamente usada. Na realidade, segue sendo usada até hoje.

E o ponto de explicarmos isso tudo neste conjunto de artigos é para, inicialmente, alertarmos sobre a falta de privacidade e controle. Já não há. E, por outro lado, para demonstrar que isso tudo foi alcançado na web 2, com dados sujos.

Metaverso é outra história.

A Web 3 tem dois pilares!

Metaverso é um ambiente inteiramente digital e controlado, todos os teus dados, ações, falas, absolutamente tudo está possibilitado e sendo rastreado de forma “limpa”. E aqui é onde queríamos chegar.

Se na web 2, com dados sujos, já foi possível chegar onde chegamos, chegar num ambiente com zero privacidade e nenhum controle, então como nos protegemos disso tudo e por que o Metaverso se mostra tão impactante?

Acredito que tenha ficado claro, para as empresas que estão no poder, passar a ter controle e acesso maior de dados (limpos) significa ainda mais poder. Em outras palavras, o metaverso, por si só, é uma realidade com objetivo claro. Afinal, já sabemos há décadas que os dados são o novo petróleo, nenhuma novidade aqui, então.

Mas não podemos ser negligentes, afinal a internet avançou novamente por meio de um grupo pequeno de Cypherpunks, tentando e tentando, até que aquele tal de Satoshi Nakamoto [4]inventou e lançou o Bitcoin [5], reinventando e trazendo todos nós para a era da Internet do Dinheiro.

E neste ponto vale à pena a gente aprofundar um pouco sobre seus ideais políticos, pois eles são, verdadeiramente, o contraponto ao Estado e proteção à privacidade. Ou seja, devido o seu amadurecimento desde a sua criação até os tempos presentes, e o encontro com oque se vem construindo em torno do Metaverso, a sua união vem sendo compreendida como os dois pilares da Web 3.

Por outro lado, como já dito, o surgimento das moedas digitais no início dos anos 1990 era ligado aos Cypherpunks, movimento que contava com forte ideologia libertária, fazendo remissão direta à filosofia de Mises e Hayek [6], que pregam justamente a descentralização do sistema bancário e, também, a descentralização do próprio sistema monetário. Ainda, em tempos da evolução da internet, a inquietação do grupo também dizia respeito à privacidade, sendo uma das maiores preocupações; os Cypherpunks tinham como proposta fazer uso da criptografia como forma de eliminar o controle Estatal, conforme seu manifesto:

Os cypherpunks assumem que a privacidade é uma coisa boa e gostaria que houvesse mais dela. O Cypherpunks reconhece que aqueles que querem privacidade devem criá-la para si e não esperar que governos, corporações ou outras organizações grandes e sem rosto lhes concedam privacidade por beneficência. [7]

Conforme narra Nicole Fobe, o que se iniciou como filosofia libertária rapidamente assumiu contornos anárquicos, por questões de algumas experiências iniciais que os provocaram a pensar num sistema que permitisse o completo anonimato, sendo elas o e-Gold e o Liberty Reserve [8]. Nesse sentido, o Bitcoin é a criptomoeda mais famosa até hoje, tida como mais valiosa justamente por ter sido a primeira a ser criada, com características que nenhuma outra ainda havia atingido — em especial, quanto à descentralização e desnecessidade de um terceiro intermediário.

A sua descentralização e desnecessidade de um terceiro intermediário quer dizer, noutras palavras, que ela não depende de um Banco Central para que haja a sua emissão, tampouco de uma organização por trás controlando e aplicando mudanças de regras conforme agendas políticas que estejam em alternância do poder de cada Estado, dando novos rumos à moeda. Outrossim, a regra de emissão, bem como as demais regras, já estão todas definidas no próprio código-fonte da criptomoeda desde o seu lançamento. Na maioria das vezes, o código é aberto, sendo transparente e de conhecimento geral, ficando a cargo do próprio mercado a flutuação do preço, independentemente da intervenção de terceiros.

Código aberto é importante! Quer dizer que você espalha a tecnologia de forma muito mais rápida, ela evolui, encontra-se os erros (bugs), promove-se uma comunidade e isso tudo acarreta em significativos valores, especialmente em ambiente que já estamos acostumados a interagir, de forma social desde a web 2.

A Internet do Dinheiro evoluiu muito rápido, e segue crescendo de forma sustentável, apesar de inúmeras opiniões tendenciosas do contrário. Afinal, se já entendemos que todo o mercado de Criptomoedas vem de uma origem de revolta e rebeldia, punk, e que desobedecer é necessário — pela proteção dos nossos direitos mais íntimos quanto à privacidade e menor controle, seja do Estado, seja hoje até de empresas privadas -, então faz sentido que haveria muita resistência por parte dos grandes poderes contra tudo que envolva algo relacionado a Criptomoedas, Bitcoin e Blockchain.

Neste ponto, vamos deixar para unir tudo num próximo artigo, e aí sim concluirmos sobre todos estes aspectos que levantamos. Pela união destes poderes a gente vem criando o Capitão Planeta da internet, um misto ambíguo e bipolar sobre como tratamos a privacidade e dinheiro, por um lado estamos totalmente exposto, e por outro temos as ferramentas certas para nos protegermos!

[1] MORGAN, Jacob. A simple explanation of ‘The Internet of Things’. Forbes, Jersey City, 13 maio 2014. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/jacobmorgan/2014/05/13/simple- explanation-internet-things-that-anyone-can-understand/#127401941d09. Acesso em: 10 mar. 2018.

[2] Texto original: “SMAC creates an ecosystem that allows a business to improve its operations and get closer to the customer with minimal overhead and maximum reach. The proliferation of structured and unstructured data that is being created by mobile devices, sensors, social media, loyalty card programs and website browsing is creating new business models built upon customer-generated data. None of the four technologies can be an afterthought because it’s the synergy created by social, mobile, analytics and cloud working together that creates a competitive advantage” (ROUSE, Margaret. Internet of Things (IoT). TechTarget, Newton, jul. 2016. Disponível em: http://internetofthingsagenda.techtarget.com/definition/Internet-of-Things-IoT. Acesso em: 10 mar. 2018, tradução nossa).

[3] “[…] o caso da rede de supermercados Target, dos EUA, que implementou um sistema de análise preditiva de dados (Big Data) baseado na varredura de um imenso volume de dados de seus clientes. O sistema concluiu por certos padrões de compras realizadas em cada fase gestacional, e tão logo uma cliente passou a comprar os produtos referentes as fases finais, a rede de supermercados enviou correspondências promocionais com produtos para criança recém nascida para a residência desta cliente, em particular. O curioso, neste caso, é que o pai dela descobriu a gravidez de sua filha através destas correspondências. Assim, inicia-se a discussão quanto à privacidade destes dados e o seu uso” (DUHIGG, Charles, 2012 apud GALVÃO, Lucas Lopes. Análise dos princípios fundamentais da proteção de dados e privacidade na cloud computing como modelo de negócios. 2015. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015).

[4] Satoshi Nakamoto é uma entidade; ninguém sabe se é uma pessoa ou um grupo de pessoas. Ele conseguiu dois grandes feitos: o de criar o Bitcoin e o outro de desaparecer. Curiosamente, todos os bitcoins minerados por ele ainda se encontram parados dentro de sua carteira, que nunca foi movimentada.

[5] NAKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: a peer-to-peer electronic cash system. Bitcoin, [2018]. Disponível em: https://bitcoin.org/bitcoin.pdf.

[6] PECK, Morgen E. Report: The Future of Money. [S.l.], [s.d.]. Disponível em: http://spectrum.ieee.org/static/future-of-money. Acesso em: 10 maio 2017.

[7] Texto original: “Cypherpunks assume privacy is a good thing and wish there were more of it. Cypherpunks acknowledge that those who want privacy must create it for themselves and not expect governments, corporations, or other large, faceless organizations to grant them privacy out of beneficence” (HUGHES, E. A., 2017 apud JIA, Kai; ZHANG, Falin. Between liberalization and prohibition: prudent enthusiasm and the governance of Bitcoin/Blockchain technology. In: CAMPBELL-VERDUYN, Malcolm. Bitcoin and beyond: cryptocurrencies, Blockchains, and global governance. London: Routledge, 2018. p. 92, tradução nossa)

[8] O e-Gold e o Liberty Reserve eram moedas digitais anteriores ao Bitcoin, fundados em 1996 e 2006, respectivamente, serviam como formas de pagamento online, porém com características centralizadas e anônimas (FOBE, Nicole Julie. O Bitcoin como moeda paralela: uma visão econômica e a multiplicidade de desdobramentos jurídicos. 2016. Dissertação (Mestrado em Direito) — Faculdade de Direito, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2016. p. 48).

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Lucas L. Galvão
Aceleradora ECO

Empreendedor | Advogado | Mestre em Direito Europeu e Alemão